No mais novo e divertido filme da série "Missão Impossível", Tom Cruise costura, chuleia e prega botão no trânsito de Dubai. Faz ultrapassagens miraculosas, tira finos, quase atropela uma cáfila de camelos, detona com um jaguar e sai ileso feito o Papa-Léguas. A platéia delira: eis um valente super-herói. Aí o filme termina, as luzes se acendem e cada um volta para sua vidinha sem efeito especial, em seu carro meia-boca e sabendo-se longe de ser um ás em qualquer coisa. Somos homens e mulheres comuns, nem tão belos e com uma profissão pouco empolgante. O que poderíamos ter de semelhante com um personagem tão incrivelmente cartunesco? Ora, ora, também podemos ter inimigos! Então elegemos os outros motoristas como nossos opositores e assim transformamos a vidinha modorrenta num videogame.
Assim perdura nosso complexo de vira-lata. Quanto mais o cara acelera, faz ultrapassagens arriscadas e tem pressa em chegar antes que o motorista de trás, mais ele atesta sua infantilidade, sua inferioridade e seu despreparo para uma vida consciente e adulta. São bobalhões que têm uma visão completamente deturpada de si mesmos. Orgulham-se por beber, por não usar cinto de segurança e por dirigir agressivamente, sem se dar conta de que estão demonstrando o quanto são de segunda categoria. O que importa é conhecer os truques para voar pelas estradas, sair sem um arranhão e ainda seduzir a garota mais bonita – que é outra bobalhona se aguenta tudo isso quieta. Nossas estradas não são o bicho, a sinalização é deficiente, mas nada é de pior qualidade que nossos motoristas. São homens (e mulheres também) impotentes para ultrapassar a concorrência com uma ideia mais criativa, impotentes para conquistar o repeito da sua turma, impotentes para educar os filhos com responsabilidade, e aí compensam com malabarismo e palhaçadas no asfalto. Usam o carro como um meio de transporte não de um lugar para o outro, mas de um status para o outro – só que são promovidos a deliquentes, não a agentes secretos.
Para eles, inimigos são os que obedecem as leis, os que têm cautela quando chove, os que reduzem em curvas perigosas e “atrapalham” os velozes. Será missão impossível reajustar esse foco? A guerra no trânsito só terá menos vítimas quando motoristas imaturos tiverem amor-próprio suficiente para não precisarem se exibir. Ninguém se torna mais admirável por chegar primeiro, por arriscar a vida e protagonizar cenas dignas de um filme de ação. Esses continuarão menores que Tom Cruise e sendo meros figurantes de uma viagem que exige bravura, sim, mas de outro tipo. A bravura de proteger sua família, de não enxergar os outros como rivais e de ter habilidade para dirigir a própria vida – que exige bem mais que um volante e um acelerador: exige cérebro.
Meninos de 18 anos, meninos de 42, meninos de 67: dirijam com prudência se foram homens.
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