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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

NELSON MOTTA - Os desavergonhados

O errado e o malfeito, a incompetência e o desleixo, a estupidez e a má fé, são próprios da condição humana. A diferença está entre os que se envergonham e os desavergonhados. No Japão civilizado, a vergonha é o pior castigo para uma pessoa e sua família, mais temida do que as penas da lei.

 Homens públicos se suicidam por pura vergonha. Embora seja só meio caminho para não errar de novo, o sentimento de vergonha ajuda a civilizar. Já os que não se envergonham, nem por si nem pelos outros, são determinantes para que suas sociedades sejam as que mais sofrem com a corrupção, a criminalidade e a violência, independente de sua potência econômica ou regime político. Em brilhante estréia no Blog do Noblat, o professor Elton Simões analisou pesquisas internacionais sobre as relações entre o sentimento de vergonha social e familiar e a criminalidade. 

Nas sociedades em que a violência e o crime são vistas como ofensas à comunidade, e não ao Estado, em que a noção de ética antecede a de direito, em que o importante é fazer o certo e não meramente o legal, há menos crime, violência e corrupção, e todo mundo vive melhor – por supuesto, o objetivo de qualquer governo. Nas sociedades evoluídas e pacificas, como o Japão, a principal função da Justiça é restaurar os danos e relações entre as pessoas, e não punir ofensas ao Estado e fabricar presos. “ Existe algo fundamentalmente errado em uma sociedade quando as noções de legalidade ou ilegalidade substituem as de certo ou errado. 

Quando o sistema jurídico fica mais importante do que a ética. Nesta hora, perdemos a vergonha “, diz o professor Simões. Como os políticos que, antes de jurarem inocência, bradam que não há provas contra eles. Ou que seu crime foi antes do mandato. 

Não por acaso, no Brasil, onde a falta de vergonha contamina os poderes e a administração pública - apesar de todo nosso progresso econômico e avanços sociais - a criminalidade, a violência e a corrupção crescem e ameaçam a sociedade democrática. Não há dinheiro, tecnologia leis ou armas que vençam a sem-vergonhice. Só o tempo, a educação e lideres com vergonha.





sexta-feira, 3 de maio de 2013

NELSON MOTTA - Boca livre cultural

“O Conselheiro come“ é o título de uma crônica antológica de João Ubaldo Ribeiro sobre um escritor que não consegue trabalhar para atender os pedidos de entrevistas, depoimentos, prefácios, teses de mestrado e avaliações de textos, que lhe consomem muito tempo e esforço sem lhe render um tostão ou qualquer benefício. O título é uma citação da esposa do Conselheiro Ruy Barbosa, tentando explicar aos solicitantes que o marido precisava ganhar algum dinheiro com seu trabalho para pagar suas contas.

Assim como o Conselheiro e João Ubaldo, no Brasil, muitos profissionais bem sucedidos de diversas categorias são assediados por amigos, conhecidos ou estranhos para trabalhar para eles, de graça por supuesto. Alguns são pressionados a ouvir discos e a ler livros, crônicas, peças de teatro, teses de mestrado, e pior que tudo, poemas, que não gostariam de ler nem muito bem pagos.

Os verdadeiros amigos entendem eventuais recusas, os profissionais compreendem os motivos, mas muitos não tem noção, esperam que você pare tudo que está fazendo para ajudá-los no trabalho de conclusão de curso. De tanto atender pedidos para depoimentos em vários documentários, de Paulo Francis à Bossa Nova, de Wilson Simonal aos Mutantes, de Raul Seixas a Cartola, dos Dzi Croquettes a Tim Maia, acabei merecendo uma gozação do critico de cinema André Miranda como “o ator de documentários em maior atividade no momento.” Achei muito engraçado e oportuno, porque passou a me servir de álibi infalível para recusar novos depoimentos sobre os mais diversos temas: “Não dá, já fiz tantos que estou ficando ridículo como “ator de documentários”, vou queimar o teu filme, tenta o João Ubaldo.” Valeu, André.

O pior é o tempo perdido, que poderia ser gasto descansando, trabalhando ou se divertindo com sua família e seus amigos, dado de graça para um estranho. E os jornalistas que pedem para escrever um depoimento sobre João Gilberto ? Ou uma lista dos 100 maiores discos da MPB, comentados. Querem que você faça o trabalho deles. E nem imaginam o tempo e o esforço que me custam para escrever uma pequena crônica como esta.

quarta-feira, 27 de março de 2013

NELSON MOTTA - O poder do capacete

Qualquer pessoa que exerce atividade de risco usa capacete. De metal, de fibra ou de plástico, sempre coloridos, eles protegem pilotos de carros, motos e aeronaves, operários de usinas, minas, fábricas e construções, além de militares, policiais e bombeiros. É um símbolo forte de trabalho, de ação e de perigo, e até mesmo de coragem, porque pressupõe os riscos de quem o usa.

Depois do cocar de penas que os caciques indígenas oferecem aos caciques políticos, e que eles hesitam em colocar na cabeça pela crença de que traz má sorte, é com o capacete de segurança que eles ficam mais engraçados, visitando obras, fábricas e usinas.

Até o fechamento desta edição, não havia registro de nenhum caso de um político que tenha sido salvo de algum dano na cabeça pelo capacete. Aliás, jamais aconteceu qualquer acidente com alguém nessas inaugurações e visitas.

O pessoal que pega no pesado nas obras e corre riscos reais é que precisa usar, mas, quando os caciques os visitam, tudo vira um teatrinho, sem nenhuma atividade que possa provocar riscos ou sustos. Mesmo assim eles não dispensam o capacete, apesar do paletó e da gravata. E ficam todos com aquela cara ... reparem só.

Respeitáveis homens públicos, grandes estadistas, líderes carismáticos, ninguém resiste ao ridículo com aquele penico colorido encarapitado no cocuruto, sempre parecendo não lhes caber direito na cabeça. Talvez o problema não seja o tamanho dos capacetes, que os há para cabecinhas e cabeçorras, mas a falta de prática dos usuários. Mulheres então, coitadas ...
Estas são imagens clássicas dos políticos no poder, lançando, tocando e inaugurando as suas obras.

Não há campanha eleitoral sem elas. Não há politica no Brasil sem ele, o capacete.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

NELSON MOTTA - O Novo Mercado Sexual

O jogo virou, de antigas oprimidas dos anos 60, chamadas por John Lennon de “o crioulo do mundo” em “Woman is the Nigger of the World”, as mulheres avançaram pelas trilhas abertas pelo feminismo e hoje são presidentes, secretárias de Estado, ministras, comandantes de jatos, de batalhões militares e de grandes grupos econômicos, jogando futebol, dirigindo filmes e dando aulas de todos os assuntos, elas estão em toda parte, até na frente de combate. Mas continuam reclamando. 

Pesquisas recentes mostram que nos Estados Unidos, onde elas têm mais poder, dinheiro, independência e liberdade do que nunca, as mulheres estão mais insatisfeitas agora do que nos anos 60, porque com tantas opções, escolher ficou muito mais difícil. E como Freud já sabia, nunca se sabe o que quer uma mulher. 

Até o sonho da maternidade balança, algumas já admitem que seria melhor não ter tido filhos, ou que foram eles que destruíram a sua felicidade. São muitas as Marias hoje em dia, da clássica “Maria-Gasolina”, com sua atração irresistível por carros, à moderna “Maria-Chuteira”, que acompanhou a evolução sócio-patrimonial dos jogadores de futebol. 

Agora a antropóloga Miriam Goldenberg fala do florescimento nos meios universitários da “Maria-Apostila”, que manda recados safados aos professores nas apostilas e no Facebook, tipo “Vai ao barzinho hoje ? Se for, vou sem calcinha”. Competindo para ver quem pega mais professores, as “Maria-Lattes”, como a famosa plataforma de currículos acadêmicos, valorizam tanto a quantidade quanto a qualidade. 

As mulheres passivas, à espera do chamado dos homens, estão saindo de cena. Estamos na era da periguetes, das roupas curtas e justas em corpos sarados, partindo para o ataque e invertendo os papéis de gênero, intimidando e provocando desconforto nos homens. Embora ainda continuem esperando um telefonema no dia seguinte. 

Nas pesquisas de Miriam ficou claro que, com essa troca de papéis, os homens estão apavorados. E as mulheres, desesperadas. Assim como na economia, a lei da oferta e da procura vale para o mercado sexual: quando a oferta cresce, a procura amolece. 


domingo, 27 de janeiro de 2013

NELSON MOTTA - A política, segundo Tim Maia

Sempre que perguntada, a maioria da população brasileira tem se manifestado contra a liberação do aborto, da maconha e do casamento gay, e a favor da pena de morte e da maioridade penal aos 16 anos. Sem duvida são posições conservadoras, ou “de direita”, como diz o Zé Dirceu, e, no entanto, são esses que elegem os governos e as maiorias parlamentares ditas “de esquerda” hoje no Brasil. Como harmonizar o conservadorismo na vida real com o progressismo na política ?
Talvez Tim Maia tivesse razão quando dizia que, “no Brasil, não só as putas gozam, os cafetões são ciumentos e os traficantes são viciados, os pobres são de direita”. Uma ingratidão com a esquerda que lhes dá o melhor de si e luta pelo seu bem estar. Mas tanto a maioria dos velhos pobres como dos novos, da antiga classe média careta e da nova mais careta ainda, e, claro, as elites, acreditam em Deus, na família e nos valores tradicionais, e rejeitam ideias progressistas. Discutir, apenas discutir as suas crenças, é considerado suicídio eleitoral.
Quando Abraham Lincoln, em 1862, promulgou a Homestead Law, a lei da reforma agrária nos Estados Unidos, assegurando a cada cidadão o direito de requerer uma propriedade de até 4 mil metros quadrados de terra do Estado, pagando 1 dólar e 25 centavos, criou milhões de pequenos proprietários rurais – que deram origem às grandes maiorias conservadoras de hoje, que ganharam sua bolsa-terra e não querem mudar mais nada. Uma ação politicamente progressista gerou milhões de novos reacionários.
Um século e meio depois, no Brasil, a nossa “nova classe média”, que tem casa, carro, crédito, viaja de avião, e é eleitoralmente decisiva, parece ser ainda mais conservadora do que a “velha”. A ascenção social exige segurança e instituições sólidas, quer conservar o que conquistou e reage a mudanças que ameacem suas conquistas. Como Tim Maia, querem sossego. Então por que não param de falar em esquerda e direita como se fosse de futebol e tentam entender o que está acontecendo ?
Como disse o ex - comunista Ferreira Gullar, “ no meu tempo ser de esquerda dava cadeia, hoje dá emprego. “

domingo, 30 de dezembro de 2012

NELSON MOTTA - Harmonias e dissonâncias

Todos gostam de música, muitos fazem dinheiro com ela, ninguém imagina a vida sem ela, mas como os seus criadores podem viver do seu trabalho? O assunto interessa não só aos compositores, porque envolve liberdade de associação e de expressão, quando se discute se o Estado deve participar da arrecadação e distribuição de direitos autorais no Brasil.

Aqui, a arrecadação é feita por um escritório central, o Ecad, criado, administrado e controlado por sociedades privadas de autores musicais, como a UBC, a Sicam e outras. O Ecad cobra direitos dos que usam as músicas para ganhar dinheiro com elas (rádio, TV, shows, festas, publicidade, clubes ) e os repassa às sociedades, que os distribuem entre seus autores, proporcionalmente à quantidade de execuções públicas de cada música no período monitorado.

É um sistema correto e efetivo, que dá a cada um a sua parte pela utilização comercial de sua criação. Nos Estados Unidos e na Europa funciona muito bem. Se aqui há falhas, falcatruas ou ineficiência, o problema é de gestão e fiscalização, e deve ser resolvido entre o Ecad e as sociedades que representam os compositores, intermediados pela Justiça. O Estado não entende nada disso, e já morde 25% de impostos sobre direitos autorais sem tocar uma nota.

Quando se canta o velho refrão de uma sociedade arrecadadora estatal, ouvem-se cabide de empregos, aparelhamento partidário, altos custos e burocracia.

No mundo moderno, as sociedades de autores são empresas comerciais, que fazem tudo para ganhar o máximo de dinheiro para seus associados.

Como qualquer empresa, competem no mercado, buscam eficiência administrativa, novas tecnologias, prestam contas, são auditadas, podem ser processadas e liquidadas legalmente. O que é que o Estado tem a ver com isso? Pode soar como pleonasmo ou redundância, mas é uma evidência: quem tem a autoridade é o autor, quem criou é que decide o que se faz ou se deixa de fazer com a sua criação. Cabe à Justiça julgar os conflitos com base na legislação (que precisa ser modernizada), e ao Estado garantir os direitos e o cumprimento da lei. Já é muito.


Clique abaixo e leia também:

NELSON MOTTA - Harmonias e dissonâncias

DANUZA LEÃO - Não ver, não ouvir e calar sempre

MARCIA TIBURI - O Desejo do Tempo

O QUE SERIA DE NÓS SEM AS COISAS QUE NÃO EXISTEM? - Rosiska Darcy Oliveira

EPICURO - A Vantagem do Entendimento

HERMANN HESSE - A Noite

FRANCISCO DAUDT - Instintos de vida

CHARLES BAUDELAIRE - Recolhimento

PABLO NERUDA - Quero Saber

VINÍCIUS DE MORAES - Poética I

LUIS VAZ DE CAMÕES - Eu Cantarei de Amor Tão Docemente

MÁRIO QUINTANA – Para ser Feliz

JÔ SOARES: O gordo e o motel
 

terça-feira, 30 de outubro de 2012

NELSON MOTTA - O Novo Velhismo

Nunca imaginei que iria ficar velho. 

Para mim, velhos eram aquelas pessoas de mais de 50 anos, de cabeça branca, aposentados na cadeira de balanço, com uma manta sobre as pernas e chinelinhos de lã. Todos os paparicavam e os tratavam como crianças, ninguém os levava a sério. Como se vê, desde pequeno cometo graves erros de avaliação.

Felizmente, ficar velho hoje é muito melhor do que quando eu era criança. Não só pelos avanços da ciência, que prolongaram a vida e melhoraram a sua qualidade, mas pelas evoluções da sociedade e da tecnologia, que nos facilitaram o cotidiano, quebraram preconceitos e permitem a gente de qualquer idade ser produtiva e ter todos os direitos, e deveres, da vida social. Nunca imaginei que minha mãe, hoje com 88 anos, continuaria tomando seu vinhozinho e estaria na internet e fazendo análise. Ela detesta ser chamada de “terceira idade”: não liga de ser velha, mas não gosta de “palhaçadas”.

Nunca me passou pela cabeça que um dia eu seria capaz de furar filas em aeroportos, bancos e cinemas com a tranqüilidade dos justos, logo eu, que sempre respeitei a lei e sempre detestei e combati todas as formas de privilégio. Mas lamento só ter descoberto que tinha esses direitos aos 63 anos. Mal informado, pensava que eram só para quem tinha mais de 65. Perdi três anos de moleza! Nos aeroportos, furando feliz filas imensas, imagino como se sentem os nossos parlamentares. Assim como eles, mas por motivos diversos, não sinto a menor vergonha. Nem de minha idade e nem dos meus direitos legítimos. Vou logo perguntando: “Qual é a fila dos velhinhos?”

Mas o politicamente correto americano continua criando eufemismos patéticos e denunciando “preconceitos” contra gente que já viveu mais. Não querem mais que nos chamem de “cidadão sênior”, porque ninguém chama alguém de menos de 60 de “cidadão júnior”. Nem “idoso” eles aceitam. O correto é dizer “adulto mais velho” ou, singelamente, “homem” ou “mulher”. Depois do racismo, do sexismo e do pobrismo, o velhismo. Além de tentar nos tirar o orgulho de havermos sobrevivido até aqui, querem nos obrigar ao ridículo. 





sexta-feira, 12 de outubro de 2012

NELSON MOTTA - Os meios justificam os fins

Ao contrário da política, em que os fins que justificam os meios, na arte são os meios que possibilitam os fins. Sem o microfone, o mundo jamais teria ouvido a música suave e refinada de João Gilberto e Chet Baker. A amplificação elétrica liberou os cantores da força bruta do volume e permitiu que usassem seu talento no que mais importa musicalmente: timbre e afinação, ritmo e harmonia, estilo e sentimento. 

Da mesma forma, não poderia existir rock and roll sem a guitarra elétrica. Inventada nos anos 30, a guitarra se adaptou bem ao jazz e ao blues, que nasceram e se desenvolveram acústicos, e fez história nas mãos de Django Reinhart e B.B.King. No rock, não, o som e a fúria das guitarras, os altos volumes como um dado estético, são a sua base rítmica, harmônica e ideológica, a sua energia vital, a sua razão de ser. Ironicamente, décadas depois, velhos roqueiros gravariam versões acústicas de seus sucessos elétricos.

Assim como não haveria rock and roll sem o som estridente das cordas de aço da guitarra, não existiria bossa nova sem o som macio das cordas de violão de nylon, criadas nos anos 50, e tocadas pela magia de João Gilberto. 

No samba tradicional o som metálico do violão não era empecilho para os ritmos, acordes e dedilhados dos seus mestres, mas para a bossa nova cool, minimalista e moderna, só a suavidade do nylon daria os timbres macios que a batida e o canto de João requeriam. O hip hop e a eletrônica são os novos formatos musicais do século XXI e só puderam existir no mundo digital, com as infinitas possibilidades de combinar timbres, ritmos e acordes, que permitem a um músico tocar uma orquestra inteira sozinho. Bastam talento e uma tomada. 

A fotografia mudou a história da pintura, oferecendo novos meios de expressão visual. Mas um século depois, com recursos digitais ilimitados, os grandes fotógrafos ainda se baseiam na arte dos mestres da pintura. O audiobook, com atores lendo e interpretando romances, também abriu novas possibilidades criativas. Logo haverá uma voz para cada personagem, ruídos de cena, música de fundo … e será reinventado o rádio teatro.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

NELSON MOTTA - O remédio como doença

Nos velhos romances de ficção científica uma das grandes fantasias era a criação de drogas sintéticas para tudo, não só para hibernar durante meses em viagens espaciais, mas para aprender, esquecer, lembrar, garantindo a satisfação instantânea das necessidades e vontades do freguês. Como os ficcionistas ainda não conheciam as teorias e patologias das dependências químicas, não imaginavam que esse futurismo farmacológico levaria a uma sociedade de drogados.

O futuro chegou com o relatório da Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes da ONU: o uso abusivo de remédios tarja preta cresce rapidamente no mundo todo, e o número de viciados em medicamentos já supera o de usuários de cocaína, heroína e ecstasy juntos. Só nos Estados Unidos são mais de 6 milhões de dependentes de analgésicos, tranquilizantes, anfetaminas e antidepressivos. Michael Jackson é a sua mais famosa vítima.

Não sentir dor, olvidar memórias sofridas, controlar a ansiedade, a depressão, o medo, buscar por todos os meios o bem estar, a alegria, o prazer, ou simplesmente dormir, são anseios ancestrais da humanidade que a química moderna tornou acessíveis, ou quase, a todos. Hoje as farmácias virtuais vendem remédios roubados ou falsificados para qualquer um, como se fossem vitaminas. Em muitos países, receitas médicas são moeda corrente, fora de qualquer controle.

Os remédios viraram uma doença da sociedade moderna. A mesma droga que cura, em excesso, mata. No Brasil, os dados são nebulosos, mas pela quantidade assombrosa de farmácias espalhadas pelo País desconfia-se que por aqui a coisa esteja preta como uma tarja. Mais do que a repressão quase impossível, faltam educação e informação pública e privada sobre o uso e abuso de remédios, que está fazendo mais vítimas do que as drogas ilegais.

Mas nem tudo está perdido para os velhos leitores de ficção científica. Para eles, a melhor surpresa, que nem os autores mais visionários profetizaram, é a pílula da potência sexual. Alguns até imaginavam futuras drogas eróticas e afrodisíacas, mas ninguém pensava nesse pequeno, ou grande, detalhe básico.


domingo, 23 de setembro de 2012

NELSON MOTTA - Avenida Brasília

A novela acaba e o mensalão continua, ultrapassando a ficção.
Quem diria que mais vilões seriam condenados e presos 
no mensalão do que na novela?

Por graça do acaso, os dois maiores sucessos populares do ano, a novela Avenida Brasil e o julgamento do mensalão, vão terminar juntos, ou quase. Condenados e absolvidos pelo Supremo vão se misturar com personagens amados e odiados pelo público, vilões e heróis da ficção e da realidade terão seus destinos cruzados na história viva do País.

Nina e Carminha foram capazes das piores vilanias, mas também poderão ser vistas como heroínas. Não por suas obsessões doentias pela vingança e pelo poder, mas como sobreviventes dos lixões da vida, que, movidas pela paixão, são levadas a comportamentos heroicos na luta por seus objetivos conflitantes.

Roberto Jeffersonita e José Dirceu também foram capazes das piores vilanias, mas por suas causas partidárias e objetivos políticos. Movidos por seus instintos mais primitivos, tentam se mostrar heroicos no mensalão, um como mártir da verdade e o outro, de uma conspiração das elites. Dirceu diz que o PT pode ter todos os defeitos, menos a covardia. A "omerti" de Delicio fez dele um herói, mas Dirceu se imolará por Lula?

Mas o grande herói da novela do mensalão é o ministro Joaquim Barbosa, que passou como um tufão sobre a impunidade de políticos, empresários e banqueiros. Sua já famosa foto de costas, com sua capa negra de Batmo justiceiro, virou um ícone que se espalha como um vírus de esperança pela internet, anunciando que a coisa está preta, no bom sentido, para os malfeitores. As redes sociais gritam "Barbosa, guerreiro do povo brasileiro".

A competência, a independência e a integridade do ministro Joaquim e das ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber tem feito mais pelo orgulho e progresso de negros e mulheres do Brasil do que todos os discursos e campanhas feministas e racialistas recentes.

A grande diferença é que a novela acaba e o mensalão continua, ultrapassando a ficção. Quem diria que mais vilões seriam condenados e presos no mensalão do que na novela? Cenas dos próximos capítulos: seguindo a jurisprudência do Supremo, os elencos dos mensalões de Minas e de Brasília serão condenados pelos juízes, a opinião pública e a história. Oi oi oi.

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terça-feira, 18 de setembro de 2012

NELSON MOTTA - Imaginem na Copa

A grande desvantagem de sediar uma Copa do Mundo é o privilégio de não disputar as eliminatórias - que é a melhor maneira de preparar um time, jogando contra adversários duros e enfrentando confrontos decisivos, que preparam as táticas e os nervos da equipe para situações de alta pressão na Copa.

No caso do Brasil, que já ganhou cinco vezes o Mundial, na Ásia, nas Américas e na Europa, qual será a grande glória de ser, mais uma vez, campeão? Em casa, que é quase uma obrigação, e, em caso de vitória, pode ser um motivo para depreciar o triunfo, porque conquistado em nosso quintal, com a torcida toda a favor. Mas perder em casa, repetindo como farsa a tragédia de 1950, será doloroso, imperdoável e inesquecível.

Há muito tempo a seleção brasileira de futebol não é mais a pátria de chuteiras de Nelson Rodrigues. Cada vez mais o patriotismo se distancia do legendário "scratch" e o público vê apenas atletas profissionais milionários em uma competição internacional. Quem ainda acredita que a honra nacional está em jogo? Ou que o brasileiro tem um dom divino para jogar bola melhor do que todo mundo?
São ecos distantes de um tempo em que o futebol era um dos nossos raríssimos orgulhos entre tantas vergonhas de um País pobre e atrasado. Hoje, em diversos campos de atividade, inúmeras empresas, equipes e indivíduos brasileiros fazem mais gols e conquistam mais vitórias, prestígio, dinheiro e reconhecimento do que o futebol, 12.º colocado no ranking da Fifa.

Atualmente, além de nunca jogar bem, a seleção só tem contribuído para enfraquecer os melhores times do Campeonato Nacional, tirando os seus melhores jogadores, para nada. Também é inquietante ver como Neymar, Ganso, Lucas e Oscar jogam em seus clubes e na seleção. Começa-se a desconfiar que eles dão show de bola aqui porque enfrentam adversários mais fracos e juízes mais moles.

Não ser o melhor do mundo não é vergonha para ninguém, vergonha é achar que ainda é, mesmo diante de tantas dúvidas e evidências. Se agora o torcedor está cada vez mais apaixonado pelos seus clubes e mais desiludido com a seleção, imaginem na Copa.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

NELSON MOTTA - O início do fim dos meios sujos.

Os doadores estão cabreiros e tirando o deles da reta, os tesoureiros das campanhas, à beira de um ataque de nervos: as caixas 1 e 2 estão à míngua. O primeiro mensaleiro não só foi condenado como recebeu histórica descompostura dos ministros Cezar Peluso e Celso de Mello, como um delinquente com a marca da indignidade e o estigma da desonestidade.

Independentemente de condenações ou absolvições individuais, é um grande avanço para a democracia o Supremo Tribunal Federal firmar jurisprudência sobre a criminalização do uso político do caixa 2 - sejam quais forem os meios e os fins - e começar a acabar com um dos mais nefastos e antidemocráticos vícios da política brasileira, lastreado no cinismo do "todos fazem" e na promiscuidade com os doadores.

O ladrão em causa própria, seja de galinhas ou de verbas públicas, dá prejuízos pontuais a pessoas físicas ou jurídicas, ou ao Estado, que podem ser ressarcidos se o criminoso for condenado. Usar dinheiro sujo para fraudar o processo eleitoral, manipular a vontade popular, corromper políticos, comprar vantagens para seu partido para impor a sua crença, provoca irreparáveis danos para toda a sociedade. Porque desmoraliza a democracia, institucionaliza a impunidade e interfere de forma decisiva e abusiva nos direitos dos cidadãos. O ladrão ideológico é mais nocivo que o profissional.

É por isso que em países civilizados, com maior tradição jurídica que o Brasil, como a Itália, a Alemanha e a Inglaterra, a motivação política é considerada como fator agravante de um crime. Porque o produto do delito servirá para manipular processos eleitorais e atentar contra as instituições democráticas, roubando direitos de toda a sociedade.

Lá, o caixa 2 já derrubou primeiros-ministros, governadores e prefeitos. Aqui, ainda é usado como atenuante, como uma bizarra sequela da ditadura, quando a luta pela liberdade justificava tudo.

A atitude de tolerância zero que a maioria dos ministros do STF está tomando com o caixa 2 vai melhorar muito o comportamento dos políticos, não por ética ou espírito público, mas por medo da Justiça e da cadeia.


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terça-feira, 19 de junho de 2012

NELSON MOTTA - Música, dança e silêncio

Quando o velho gramofone deu lugar aos novos tocadiscos, na virada dos anos 20, a festa começou. O lugar do gramofone era a sala de casa, onde as famílias se reuniam para ouvir ópera e música clássica. Com as vitrolas e os discos de galalite, muito mais práticos e com melhor qualidade sonora, a música gravada se tornou popular. E foi para as ruas, para os salões e para galpões transformados em pistas de dança, onde, atrás das cortinas, tocavam as “orquestras invisíveis”. Daí para as raves e os bailes funk foi um pulo.

A partir dessas ilusões sonoras as festas viraram trabalho para muita gente, se tornaram um negócio, um hábito de consumo de receita infalível: música, bebida e dança para todos os gostos e bolsos. Da favela aos clubes chiques, dos bares bagaceiros aos salões elegantes, a indústria festeira cresce sempre, até mesmo em tempos de crise, quando há pouco a celebrar, e por isso mesmo ela é mais urgente.

E como não há festa sem música, é desse encontro de interesses que vive e cresce a musica dançante. É nas pistas da noite que acontecem as modernas formas da ancestral “dança do acasalamento” dos documentários de National Geographic. Muita gente diz que ama a dança pela dança e a ela se entrega com paixão, mas desde os cabarés, os dancings, as boates, discotecas, danceterias, raves e bailões, ela e a música não são a principal motivação das festas.

São o cenário, a oportunidade e a trilha sonora para ver e ser visto, para dar uns beijos, ficar com, ou pegar alguém.

Se para dançar a música é uma solução, para fazer ambiente é um problema.

Como bem disse Chico Buarque, se ela é boa, distrai a atenção e atrapalha a conversa, e se é ruim … então para que ouvir? A cada salto tecnológico, a música adquiriu novas funções. Hoje está em toda parte, no ar, nas ruas, nos celulares e laptops. E o silêncio nunca foi tão valorizado.

Apesar de todo o meu esforço e de muitas horas de trabalho, sorry leitores, mas sinceramente acho que esta crônica ficou meio boba. Quanto sacrifício para não falar, provavelmente impropérios e grosserias, sobre as paixões eleitorais.


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terça-feira, 22 de maio de 2012

NELSON MOTTA - Nomes próprios

Como expressão de afeto e intimidade, os apelidos dizem mais das pessoas do que seus próprios nomes. Como maledicência, às vezes geram obras-primas de humor e crítica social. O ex-deputado alagoano Cleto Falcão, que as más línguas diziam ser meio agatunado, foi apelidado de Clepto Falcão. E o ex-governador mineiro Hélio Garcia, que seria muito chegado aos copos, de Ébrio Garcia. Brasília gargalhou quando o baixinho Celso Amorim, por sua mania de grandeza, foi alcunhado de Megalonanico. No Paraná, todos sabem que o ex-governador Requião é chamado de Maria Louca, mas há controvérsias sobre a sua origem. Garotinho surrupiou o apelido de um famoso locutor esportivo carioca.

ACM alcunhou, com sucesso, Michel Temer de "mordomo de filme de terror". Grande mestre do uso político de apelidos, Brizola provocou gargalhadas e estragos eleitorais chamando Lula de "sapo barbudo", Moreira Franco de "gato angorá" e Collor de "filhote da ditadura". Em diálogos entre corruptos gravados pela PF, Sarney é chamado de "madre superiora". Faz sentido.

"Rei", só existem dois, Roberto Carlos e Pelé, e "Bruxo" também: Machado de Assis e Golbery do Couto e Silva. Como siglas, só três sobrevivem: JK, ACM e FHC.

Grandes craques têm sempre apelidos, Pelé, Zico, Tostão, Didi, Fenômeno, ninguém pode bater um bolão como Castro, Góis ou Motta. Dunga teve que superar o apelido ridículo para ser um campeão, assim como Pato e Ganso. Popó nocauteou Acelino. Fofão não seria uma estrela do vôlei como Hélia Pinto.

Tim teria o mesmo sucesso como Sebastião Maia? Cartola seria famoso como Angenor de Oliveira? Lulu Santos seria um popstar como Luiz Maurício? Ninguém imagina Lobão cantando, falando e fazendo o que faz se fosse só João Luiz. Gay e transgressivo, Cazuza não poderia ser um ídolo do rock como Agenor Araújo. Paulinho Boca de Cantor, Gato Félix, Bolacha e Baby Consuelo, batizada como Bernardete, só poderiam ser dos Novos Baianos.

Um dos apelidos recentes mais criativos é o aparentemente inofensivo Estebán, que é como a oposição venezuelana chama Hugo Chávez. É a abreviação de "este bandido".

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domingo, 20 de maio de 2012

NELSON MOTTA - Lixos e luxos

Por que cargas d'água uma grande empreiteira, com obras milionárias em todo o Brasil, especializada em construção civil e sem nenhum know how ou experiência no ramo, vai se interessar em recolher o lixo de uma cidade? Por que tanta voracidade para abocanhar um trabalho tão sujo? Claro, feito pelos lixeiros e varredores que eles alugam para as prefeituras e limpam a sujeira alheia. Ganhar o contrato é o trabalho deles, sujo também, mas os lixos são diferentes: um é físico, o outro moral.

Nos contratos da Delta para limpar Brasília e Anápolis, nas sujeiras da coleta de lixo em Santo André que podem ter levado ao assassinato do prefeito Celso Daniel, nos rolos da Leão & Leão com a Prefeitura de Ribeirão Preto na administração de Palocci, o metafórico se mistura ao explícito e se espalha, pestilento e insalubre, pelas prefeituras do Brasil. Paradoxal e ironicamente, há cada vez mais sujeira na limpeza pública, com o lixo urbano pagando o luxo mundano de empresários, políticos e funcionários. Mas só Freud pode explicar por que, com tantas formas mais fáceis de roubar dinheiro público, como obras, aditivos e convênios, a opção preferencial deles, a atração fatal, é logo pelo lixo.

Não por acaso, durante décadas, tanto em prefeituras democratas como republicanas, a coleta do lixo de Nova York foi um monopólio da máfia. Em 2011, na Itália, um confronto entre a Camorra napolitana e o Estado deixou montanhas de lixo apodrecendo durante meses nas ruas de Nápoles, em imagens fétidas que correram o mundo.

Falando em lixo, há um bom tempo não se via uma novela tão boa como Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro, que tem um de seus principais núcleos no mundo dos lixões, com os que vivem dos restos e dejetos da sociedade consumista em contraste com uma nova classe popular que começa a consumir.

Entre o lixo material que os catadores vendem para viver e o lixo moral que a sociedade rejeita para conviver, a novela recicla e atualiza ancestrais paixões humanas no dilema da protagonista: viver o luxo do grande amor, ou o lixo da grande vingança.


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