quinta-feira, 30 de maio de 2013
CLARICE LISPECTOR - Dezenas de frases reunidas
Frases reunidas por Cult Carioca
"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada".
"Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei. Pergunte, sem querer a resposta, como estou perguntando. Não se preocupe em "entender". Viver ultrapassa todo o entendimento."
"Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando"...
"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro".
"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."
"Eu sou à esquerda de quem entra. E estremece em mim o mundo. (...) Sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.Sou um coração batendo no mundo."
"Aceitar-me plenamente? É uma violentação de minha vida. Cada mudança, cada projeto novo causa espanto:meu coração está espantado. É por isso que toda minha palavra tem um coração onde circula sangue" (Um sopro de vida)
"...Respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver."
..."Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma."
"A harmonia secreta da desarmonia. Quero não o que está feito mas o que tortuosamente ainda se faz."
..."Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo."
"...há impossibilidade de ser além do que se é -
no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio,
sou mais do que eu, quase normalmente -
tenho um corpo e tudo que eu fizer é continuação
de meu começo......
a única verdade é que vivo.
Sinceramente, eu vivo.
Quem sou?
Bem, isso já é demais...."
"E se me achar esquisita,
respeite também.
até eu fui obrigada a me respeitar".
"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas as vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: Quer-se absorve a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."
"É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo." (Das Vantagens de Ser Bobo)
"Chegando em casa não comecei a ler.
Fingia que não o tinha,
só para depois ter o susto de o ter.
Não era mais uma menina com um livro:
era uma mulher com seu amante."
"...
Se uma pessoa perguntar durante meia hora "eu", essa pessoa se esquece quem é. Outras podem enlouquecer. É mais seguro não fazer jamais perguntas - porque nunca se atinge o âmago de uma resposta. E porque a resposta traz em si outra pergunta."
"Que ninguém se engane: só se consegue a simplicidade através de muito trabalho."
"Não se pode falar de silêncio como se fala de neve. Não se pode dizer a ninguém como se diria da neve: Sentiu o silêncio deta noite? Quem ouviu não diz."
"Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca".
"O que é um espelho?
é o único material inventado que é natural.
Quem olha um espelho, quem consegue vê-lo sem se ver,
quem entende que a sua profundidade consiste em ele ser vazio
......esse alguém percebeu o seu mistério de coisa."
"Sou uma filha da natureza:
quero pegar, sentir, tocar, ser.
E tudo isso já faz parte de um todo,
de um mistério.
Sou uma só... Sou um ser.
E deixo que você seja. Isso lhe assusta?
Creio que sim. Mas vale a pena.
Mesmo que doa. Dói só no começo."
" Não sei separar os fatos de mim,
e daí a dificuldade de qualquer precisão,
quando penso no passado."
"Estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda é que nao podia ser; ter nascido era cheio de erros a corrigir. Só tinha tempo de crescer. O que eu fazia para todos os lados, com uma falta de graça que mais parecia o resultado de um erro de cálculo. Na minha pressa eu crescia sem saber pra onde."
"Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos,
coubera arrancar de seu coração a flecha farpada.
De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura,
e para que eu nascera sem nojo da dor.
Para que te servem essas unhas longas?
Para te arranhar de morte
e para arrancar os teus espinhos mortais,
responde o lobo do homem.
Para que te serve essa cruel boca de fome?
Para te morder e para soprar a fim
de que eu não te doa demais, meu amor,
já que tenho que te doer,
eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada.
Para que te servem essas mãos que ardem e prendem?
Para ficarmos de mãos dadas,
pois preciso tanto, tanto, tanto -
uivaram os lobos e olharam intimidados
as próprias garras antes de se aconchegarem
um no outro para amar e dormir. "
" Mas nem sempre é necessário tornar-se forte.
Temos que respeiar nossas fraquezas.
Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza
legítima à qual temos direito.
Elas correm devagar e quando passam pelos
lábios sente-se aquele gosto pouco salgado,
produto de nossa DOR mais profunda.
"Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece..."
"Inútil querer me classificar,eu simplesmente escapulo não deixando. Gênero não me pega mais."
"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível,
é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador."
"Tão secreta é a verdadeira vida, que nem a mim, que morro dela, me pode ser confiada a senha, morro sem saber de quê. E o segredo é tal que, somente se a missão
chegar a se cumprir é que, por um relance, percebo que nasci incumbida
- toda vida é uma missão secreta."
" Só se sente nos ouvidos
o próprio coração....
....Pois nós não fomos feitos
senão para o pequeno silêncio."
"Sou o que quero ser, porque possuo apenas uma vida e nela
só tenho uma chance de fazer o que quero.
Tenho felicidade o bastante para fazê-la doce
dificuldades para fazê-la forte,
Tristeza para fazê-la humana e
esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas
elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos"
"Há um silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras."
" Não posso perder um minuto do tempo
que faz minha vida.
Amar os outros é a única salvação
individual que conheço :
ninguém estará perdido se der amor e
às vezes receber amor em troca."
" Escuta:eu te deixo ser. Deixa-me ser,então."
"Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo".
" Tudo tem que ser bem de leve para
eu não me assustar e não assustar os
que amo.
Pedem-me pouco, pedem-me quase nada.
O terrível é que eu tenho muito para dar
e tenho que engolir esse muito e ainda
por cima dizer com delicadeza : obrigada
por receberem de mim um pouquinho de mim."
" Os espertos ganham dos outros , em compensação os bobos ganham a vida. "
"Fico com medo. Mas o coração bate.
O amor inexplicável faz o coração
bater mais depressa.
A garantia única é que eu nasci.
Tu és uma forma de ser eu,
e eu uma forma de te ser:
Eis os limites de minha possibilidade."
"Sou como vc me vê
Posso ser leve como uma brisa,
ou forte como uma ventania,
depende de quando, e como vc me vê passar" !
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CLARICE LISPECTOR - Dezenas de frases reunidas
quarta-feira, 29 de maio de 2013
DIETA MEDITERRÂNEA PROTEGE O CÉREBRO
Você já deve ter ouvido falar da dieta mediterrânea,
famosa por ser saudável e trazer
benefícios ao corpo ao longo do tempo.
A dieta mediterrânea é baseada na dieta das populações do litoral do Mar Mediterrâneo, como as populações litorais da Itália e da Grécia. A dieta possui uma abundância de frutas e vegetais frescos, peixe, grãos integrais, legumes, gorduras monoinsaturadas como azeite de oliva, e quantidades moderadas de álcool. Tem uma baixa quantidade de carne vermelha, gorduras saturadas como manteiga, e grãos refinados.
Agora, mais um estudo sugere que pessoas que seguem a dieta de estilo mediterrânico têm melhor saúde. Dessa vez, o benefício é que ela produz menos danos aos pequenos vasos de sangue no cérebro.
Seguir a dieta mediterrânica já foi relacionado a um menor risco de síndrome metabólica, doença cardíaca, derrame, demência e maior longevidade.
Mas os pesquisadores dizem que nenhum estudo olhou para a possível ligação da dieta com o volume hipersensível da substância branca (WMHV, na sigla em inglês) no cérebro, que pode ajudar a explicar alguns destes efeitos benéficos.
O volume é um indicador de danos aos pequenos vasos sanguíneos do cérebro e é detectado através de ressonância magnética. Estudos anteriores demonstraram que altas quantidades de WMHV no cérebro podem significar maior risco de derrame e demência.
No novo estudo, os pesquisadores compararam as imagens cerebrais e as dietas de 966 adultos com idade média de 72 anos.
A dieta relatada dos participantes foi classificada de acordo com a proximidade da dieta mediterrânica.
Os resultados mostraram que aqueles que mais seguiam uma dieta mediterrânica apresentaram menor medida de WMHV. Cada aumento na pontuação da dieta mediterrânica foi associado com uma diminuição correspondente no volume hipersensível de substância branca.
O benefício manteve-se mesmo após ajuste para outros fatores de risco para danos aos vasos sanguíneos no cérebro, como diabetes, tabagismo, pressão arterial alta e níveis de colesterol anormais.
Os pesquisadores dizem que o aspecto da dieta mediterrânea que mais parecia importar nesse benefício foi a proporção de gordura monoinsaturada por gordura saturada.
As gorduras monoinsaturadas são encontradas em muitos óleos vegetais, abacate e nozes. As gorduras saturadas são encontradas principalmente em carnes e produtos lácteos, bem como em alguns alimentos industrializados.
Ainda assim, os resultados sugerem que o padrão alimentar global da dieta mediterrânica, ao invés de qualquer um dos componentes individuais, pode ser mais relevante para explicar seus benefícios saudáveis.
Por Natasha Romanzoti [WebMD]
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DIETA MEDITERRÂNEA PROTEGE O CÉREBRO
terça-feira, 28 de maio de 2013
VÍDEO - CRIANÇA CONTRA A MORTE DE ANIMAIS EMOCIONA A MÃE...
O choque de uma criança, quase um Bebê,
diante da descoberta de que matamos animais para comê-los.
Independente da crença nutricional de cada um,
esta é uma emocionante e espontânea manifestação de
amor à toda forma de vida .
VEJA ATÉ O FINAL.
A EMOÇÃO DA MÃE É TOCANTE.
segunda-feira, 27 de maio de 2013
PAULO MENDES CAMPOS - Cana Amarga
Um dia, o engenheiro Salgado estava aqui no Rio, por acaso diante de um colégio na hora da saída, quando uma irmã de caridade, fungando desconfiança, perguntou-lhe:
— O senhor está esperando criança?
— Não, senhora, sou gordo assim mesmo; distúrbio glandular, dizem os médicos.
Mas o diálogo insustentável de sua vida nada teve a ver com o seu corpo enorme. Foi em uma estrada de rodagem no interior de Pernambuco. O caminho se adentrava em um canavial, e Salgado, menino de engenho no Ceará, sentiu vontade de chupar cana, parou o carro, afastou os arames da cerca. Cortar cana, enramá-la num feixe é coisa que todo bom nordestino faz em um átimo. Com o molho às costas, preparava-se de novo para sair, quando ouviu uma voz cantada à maneira da terra e de frieza metálica:
— Moço.
Entre os pés de uma touceira, espingarda na mão, estava um caboclo de olhar tão impessoal e gelado quanto a voz que o chamara.
— Às suas ordens, conterrâneo.
— Que está fazendo aqui, moço?
— Ia passando de automóvel...
— Passando por onde, moço?
— Aí pela estrada.
— E o que está fazendo então aqui dentro, moço?
— O senhor queira me desculpar...
— Desculpar o que, moço?
— Eu ter entrado e apanhado um pouco de cana.
— A cana era sua, moço?
— Mas o senhor vai compreender...
— Compreender o que, moço?
— Estou indo pra casa de um irmão e meus sobrinhos gostam muito de cana.
— Cana dos outros, moço?
— Um pouquinho de cana de nada...
— Como é que vai entrando em terra dos outros pra roubar cana, moço?
— Bem, eu não queria roubar.
— Queria roubar, sim, moço.
— Ia procurar alguém e pagar.
— Mentira, moço.
— Pois então eu pago agora.
— Pagar o que, moço?
— A cana. Quanto é?
— Quanto é o que, moço?
— A cana.
— Quem está vendendo cana, moço?
— Ora, meu irmão, escute uma coisa: essa conversa está ficando aborrecida, já não sou mais criança, vou dar o fora. Pode ficar com a cana.
— Espere aí, moço.
— Diga logo.
— Leve a cana, moço.
— Não quero cana.
— Leve a cana, moço.
— Só pagando.
— Não estou vendendo; leve a cana, moço.
— Então, muito obrigado, desculpe o mau jeito.
— Não há de que, moço.
RUBEM BRAGA - O Desaparecido
Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.
Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico.
Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.
Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.
NELSON RODRIGUES - Frases
- O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: — o da imaturidade.
- Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.
- Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de "ilustre", de "insigne", de "formidável", qualquer borra-botas.
- A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.
- O brasileiro não está preparado para ser "o maior do mundo" em coisa nenhuma. Ser "o maior do mundo" em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade.
- Há na aeromoça a nostalgia de quem vai morrer cedo. Reparem como vê as coisas com a doçura de um último olhar.
- Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.
- O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: — um ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas.
- Assim como há uma rua Voluntários da Pátria, podia haver uma outra que se chamasse, inversamente, rua Traidores da Pátria.
- Está se deteriorando a bondade brasileira. De quinze em quinze minutos, aumenta o desgaste da nossa delicadeza.
- O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele.
- A mais tola das virtudes é a idade. Que significa ter quinze, dezessete, dezoito ou vinte anos? Há pulhas, há imbecis, há santos, há gênios de todas as idades.
- Outro dia ouvi um pai dizer, radiante: — "Eu vi pílulas anticoncepcionais na bolsa da minha filha de doze anos!". Estava satisfeito, com o olho rútilo. Veja você que paspalhão!
- Em nosso século, o "grande homem" pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta.
- O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.
- Toda mulher bonita leva em si, como uma lesão da alma, o ressentimento. É uma ressentida contra si mesma.
- Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca.
- Chegou às redações a notícia da minha morte. E os bons colegas trataram de fazer a notícia. Se é verdade o que de mim disseram os necrológios, com a generosa abundância de todos os necrológios, sou de fato um bom sujeito.
domingo, 26 de maio de 2013
ELIANE BRUM - A primeira morte
A pequena tragédia de um homem comum
diante do exame de colesterol.
A notícia veio em um exame de rotina, aberto na página do laboratório na internet enquanto tomava um chocolate quente. Na verdade, leite com um chocolate em pó cheio de porcarias que ele toma desde a infância e, por isso, aos 43 anos, é uma fonte de alegria permanente na prateleira da cozinha. Quando bateu na minha porta, os olhos escancarados, avisando que tinha uma má notícia, eu pensei logo em câncer. No nosso tempo, é o que a gente sempre pensa, mesmo que não diga. “Meu colesterol está alto”, ele disse. “Muito acima do péssimo.” Amoleci inteira e até esbocei um sorriso. “Ah, mas isso não é tão grave.” Mas era. Eu não fui capaz de perceber logo, mas era a primeira morte de meu melhor amigo.
Não era uma doença incurável, não era um drama humanitário, não era nada que alterasse a ordem do mundo. Era só a pequena tragédia dele. Comezinha e cotidiana. A tragédia de um homem comum, com uma vida comum, que sentia a primeira fisgada do fim.
No percurso de uma vida, quando temos a sorte de ter uma existência longa, passamos por várias pequenas mortes e renascimentos. É importante que partes de nós morram para que outras possam nascer – ou apenas para que esses pedaços mofados de nossas crenças sobre nós ou da crença de outros sobre nós saiam do caminho. É triste quando alguém é uma coisa só a vida toda – perdendo a chance de acolher todos os outros de si. Quando alguém anda pela vida apertado em uma roupa que nunca lhe serviu direito, mas que foi vestida nele ou nela por seus pais ainda na infância, como se fosse o único modelo que lhe coubesse.
É importante que, em algum momento, de preferência mais cedo do que tarde, a gente descubra que essa roupa não serve – ou que apenas algumas partes servem e outras precisam ser jogadas fora, para que novas possam ser inventadas. É essencial que nos libertemos dos dogmas impingidos sobre nós para podermos criar uma vida que faça mais sentido – e para nos sentirmos livres para recriá-la o tempo todo. O olhar do outro sobre nós, a começar pelo dos nossos pais, às vezes é redenção, em outras é prisão, em geral é ambos.
Por isso me parece que uma vida é mais rica quando morremos e renascemos muitas vezes. Mas esta é a existência psíquica, é o que se passa em nossas porções invisíveis, naquela parte da nossa geografia que não se pode tocar com as mãos. Poucas coisas ou nenhuma são mais assustadoras do que ousar se libertar de um jeito de ser cujo funcionamento conhecemos. Porque ainda que esse jeito nos sequestre o desejo, nos parece mais seguro do que enfrentar o vazio de descobrir formas de viver mais próximas de nossos anseios. Mas, se tivermos essa coragem que anda de mãos agarradas com o medo, nós nos responsabilizamos pelas nossas escolhas, seguimos e criamos e morremos e renascemos. Muitas vezes.
Em algum momento, porém, o corpo anuncia uma morte da qual não é possível renascer. A rigor, começamos a morrer desde o nascimento. De fato, nosso declínio físico começa aos 20 e poucos anos, mas esses sinais podem ser ignorados. E são. Por volta dos 40 – um pouco depois, para quem tem mais sorte, um pouco antes, para quem tem mais azar –, recebemos a notícia da primeira morte que não podemos ignorar. A primeira morte do corpo.
Foi o que aconteceu com meu melhor amigo. Para não morrer nos próximos anos de enfarte ou AVC por causa das artérias entupidas de gordura, ele matou com um só golpe um mundo inteiro dentro de si. Não é uma mera mudança de hábitos, como médicos e nutricionistas tentam nos convencer em consultas, reportagens e sites da internet. É um mundo inteiro que se extingue como se o Sol explodisse de repente, muito antes dos bilhões de anos calculados pelos astrônomos. Para quem vive nesse planeta, é uma hecatombe. Para a imensidão do universo, é um nada, estrelas morrem o tempo todo sem que a ordem da vida dos outros se altere.
Para o planeta humano que é meu melhor amigo, foi uma hecatombe. Acabaram-se as feijoadas, o churrasco, a pizza, o hambúrguer, a batata frita, os pastéis, os bolos, os bolinhos, as tortas, os chocolates. Mas não só. Encerrou-se a possibilidade de renovar a qualquer momento a memória de uma vida de afetos: a receita de bacalhau da mãe que morreu, a torta de morangos que só a sogra sabe fazer, o feijão gordo que a mulher prepara toda quinta-feira e havia se tornado um acontecimento, a noite com o amigo de infância recheada de cumplicidade, chope e frituras.
Acabou-se a possibilidade de degustar territórios ainda não desbravados. As experiências gastronômicas com um amigo chefe de cozinha. O acesso às dores de alma e as alegrias de outros povos e terras através da comida, dos ingredientes e dos temperos, que o instigavam a jamais perder nenhuma chance de viajar. Suas próprias invenções com as panelas que reuniam os mais próximos em alegres descobertas na mesa da cozinha. Agora, ele terá de recusar pratos em almoços e jantares – e será um problema na cozinha alheia.
Um mundo dentro do mundo morreu em um segundo. E a notícia dessa morte o lembra o tempo todo de que é só a primeira das muitas que virão. “Tenho medo de morrer de repente”, ele diz. Porque sente que uma parte dele teve morte súbita tendo ele mesmo por testemunha. “Eu não fumo, não uso drogas, só bebo em ocasiões especiais”, ele diz, traído. Eu quase digo: “A vida não dá garantias”, mas me contenho a tempo.
Sei que dentro dele toca o réquiem de Verdi, dramático e grandiloquente, mas só ele escuta. Porque sua tragédia é prosaica, acontece com muitos, não é notícia nem na família. Ele é só mais um homem diante do parapeito da ponte – sem vontade de atirar-se dali, mas apavorado porque um dia vai estar lá embaixo.
Pesquisamos juntos na internet, tentamos inventar receitas, descobrir novos ingredientes, criar um mundo novo dentro do universo restrito ao qual ele foi confinado. Cheiramos desconfiados uma linguiça de soja, passamos retos pela manteiga, enchemos o carrinho de coisas verdes. Depois vamos ao cinema para esquecer seu pequeno drama diante da grandeza do drama maior de um outro, mas quando estaqueamos diante da pipoca, o luto desce sobre ele, inexorável. Sabemos que é preciso aceitar essa morte, assim como todas que virão, com o excesso de perdas que ela contém. Em geral não se morre de uma vez só, mas aos poucos. E é o corpo que nos ensina a brutalidade dessa verdade.
O colesterol não encolheu apenas a largura das artérias de meu melhor amigo, mas também a largura da sua vida. Ele sabe que não pode escapar dos limites impostos pelo corpo. Pode, como todos nós, no máximo adiá-los. No exame do laboratório o tal do LDL avisa que a juventude, aquele tempo no qual era possível fingir que não havia limites, acabou. Mas a gordura que entulha as artérias de meu melhor amigo não lhe obstrui o espírito. Porque morreu e nasceu muitas vezes ao longo de seus 43 anos, há nele uma vida dentro da vida que se amplia também nesse choque com os limites. Enquanto o corpo falha, sua mente recolhe suas lágrimas, sua surpresa e sua dor e os transforma em uma experiência a mais.
Sempre foi assim, afinal. É no confronto com a miséria da condição humana que produzimos o melhor do humano. Condenados eternamente ao fracasso de nosso embate com a morte, inventamos essa vida dentro da vida. Que, se tivermos a ousadia de morrer e nascer várias vezes no espaço de uma existência, será uma vida maior que a vida.
Não tenho dúvidas de que meu melhor amigo seguirá suspirando de saudades de uma picanha gorda ou de um feijão com costelinha de porco. Mas, nesse último final de semana, ele já havia colado um cartaz patético na cozinha, com imagens suas de a.C. e d.C. – “C” não de Cristo, mas de colesterol. Estava entrouxado de roupas porque acreditava que os 100 gramas que tinha perdido desde que abriu o exame tornaram-no “mais friorento”. E tentava inventar uma maionese caseira sem ovos nem óleo.
Soube então que estava salvo. Não do colesterol, mas de algo muito pior: uma vida pequena.
FERNANDA TORRES – Hugo e o papa
Tenho horror a ver filmes baseados em obras da literatura antes de ler o original. É como se me roubassem o delírio. Resisti cinco minutos na plateia de Anna Karenina, desastrosa versão bufa do romance de Tolstoi para o cinema. Tapei os olhos, se pudesse teria tapado os ouvidos, para evitar que o semblante do elenco se grudasse ao dos personagens.
Os poucos trechos que vi das chamadas do Oscar de Os Miseráveis já foram suficientes para deixar a marca. O tijolo me olhava havia meses da cabeceira da cama, Andréa Beltrão me atiçava a ler, mas a mídia maciça do musical acelerou o ímpeto de encarar as mil e tantas páginas antes que fosse tarde demais. Mesmo sem ter ido ao cinema, na minha imaginação Javert insiste em ser Russell Crowe e Valjean desfila ares de Wolverine.
Mas Victor Hugo é Victor Hugo, é maior que tudo. É Janete Clair e tratado socialista, é melodrama e narrativa histórica. Victor Hugo salvou a Notre Dame da ruína com o Corcunda, atraindo fundos para a recuperação do monumento. Na porta lateral esquerda da catedral, um corcundinha de pedra adorna a fachada em agradecimento.
Victor Hugo é a França e a humanidade. É o povo. De vez em quando acontece de um extraordinário talento explicar não só o seu tempo, mas o porvir.
Impossível, depois de conhecer Cosette, olhar para uma criança de rua e não sentir repulsa pela própria indiferença, a mesma dos burgueses de Montfermeil, que fazem vista grossa para a escravinha dos Thénardier.
Na abertura do conclave que escolheria o novo papa, acompanhei na TV as imagens ao vivo do Vaticano, enquanto lia a descrição de Victor Hugo do convento de Petit-Picpus, onde Valjean se esconde do oficial Javert.
O autor dedica um longo capítulo à condenação do claustro. Faz duras críticas à austeridade monástica e à adoração da morte: “O regime monacal, bom no começo da civilização, útil para a redução da brutalidade, é pernicioso à virilidade dos povos. [...] Os mosteiros, bons no século II, discutíveis no século XV, são detestáveis no século XIX”.
Eu, ali, admirando a Cúria em pleno século XXI, olhando com desconfiança a inexistência das mulheres e o celibato dos eclesiásticos, ciente dos últimos escândalos, me encontrei na repulsa de Victor Hugo.
Mas, depois de afirmar que “a tomada de hábito é um suicídio recompensado com a eternidade”, de cobrir o leitor de razões para renegar “uma filosofia que resume tudo no monossílabo não”, no apagar do sétimo livro de Cosette, o autor lança mão de um pequeno capítulo intitulado “Fé e lei”, no qual diz:
“Censuramos a Igreja quando saturada de intrigas, desprezamos o espiritual que não poupa o temporal, mas honramos sempre o homem que pensa.
Saudamos quem se ajoelha. Uma vez ao menos isso é indispensável ao homem. Desgraçado de quem não crê em nada”.
Para fechar, Hugo enaltece a fé.
Dois dias depois, meu orgulho patriótico sofreria o baque com a notícia de que o papa era argentino. E olha que eu adoro a Argentina. A vaidade besta desapareceu quando fui apresentada a Francisco.
Bento XVI era sinistro até quando sorria, faltava nele o carisma. Francisco o tem de sobra. Passei a admirar Bento XVI depois da renúncia. Não havia por que repetir o papel de santo mártir que João Paulo II encarnou como ninguém. A abdicação de Bento XVI faz da exceção a regra. Os futuros papas, uma vez privados de sua força física, se sentirão no direito e, até, no dever de se aposentar.
Francisco tem bochechas grandes, um sorriso relaxado, quebra protocolos e anda de van. Escolheu Francisco de Assis como guia depois que o cardeal brasileiro Claudio Hummes o aconselhou a não esquecer os pobres. O calor humano da figura de Francisco produziu, em mim, o mesmo efeito do capítulo VIII de Cosette, o de reconciliação.
A presença de João Paulo II nas canecas, chaveiros e retratos das vitrines das lojas de suvenir do entorno do Vaticano é esmagadora. Tenho certeza de que Francisco, já, já, vai dominar o comércio local.
E termino agradecendo a Nossa Senhora Cármen Lúcia a graça concedida ao Espírito Santo e ao Rio de Janeiro na questão dos royalties do petróleo.
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