SAUDADE - Edmir Silveira

Chove, é outono. As cortinas abertas permitem ver o cinza do céu e as gotas de chuva que escorrem pelo vidro da janela. Não fui trabalhar, sem motivo aparente, simplesmente não fui. 
Fiquei na cama até mais tarde lendo o jornal preguiçosamente triste, sem pressa. Resolvei dedicar o dia a mim e aos meus botões. Leio uma notícia, paro, olho o vazio, sem pensar em absolutamente nada. Não existe som no ambiente. O telefone mudo, o violão num canto, os classificados do jornal no chão da sala, e eu sentado, olhando o nada, vazio.

A chuva cai mais forte, já li todo o jornal, o vazio aumenta, a cabeça pensa, os olhos derramam lágrimas que escorrem até a boca; sinto o gosto da tua ausência, é inevitável. O que sinto agora, é o que sinto todos os dias, mas hoje sentirei mais intensamente. Dedicar um dia à mim, é dedicar um dia à saudade que sinto de você, é dedicar um dia aos meus botões, que você não abre mais.

Hoje, apenas chorarei tua ausência, em casa, faltando ao trabalho.

Ainda sinto tua falta, de manhã, ao acordar, e ainda com sono encontro outra em teu lugar. Quando escovo os dentes, e no espelho meu rosto está vazio do teu olhar. Quando tomo café, e na boca, não sinto o teu gosto.

Quando visto a roupa, e dentro dela, não vejo quem você quer abraçar. Quando desço no elevador, e no reflexo do metal, não vejo teu rosto. Durante o dia, no trabalho, quando finjo  que não espero mais você ligar, deixando ainda mais explícita a tua ausência. Quando volto pra casa, ao entardecer, não tenho mais pressa de chegar. Quando vou dormir, me sinto menor, não tendo teu corpo para me aconchegar.

E, no dia seguinte, ainda sinto tua falta, de manhã, ao acordar, e ainda com sono, encontro outra em teu lugar. Quando escovo os dentes, e no espelho meu rosto esta vazio do teu olhar...

A saudade de hoje é a mesma, a única diferença é que chove e eu não fui trabalhar. 
 

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