Não nasci para anfitriã. Abro as festas tensa, receosa de que não apareça ninguém. Depois, quando a casa lota, rezo para os convidados irem embora para eu poder dormir em paz. Outro dia, um casal de amigos veio em casa.
Fiquei com sede e bebi água de um copo, aparentemente intacto, que estava na mesinha ao lado do sofá. Não sobrou nem uma gota. Era da visita, já estava até tomado. Fiz isso na hora em que eu confessava o meu pouco talento para receber. Minha amiga foi obrigada a concordar comigo.
Mas os aniversários se sucedem e a pressão de fazer algo que preste no dia do cumpre anos volta a atormentar. Nos últimos tempos, apelei para o mesão no restaurante, que é prático, acaba cedo e salva o lar do dia seguinte. Mas não quis repetir a dose neste ano.
Completei 48 anos, tomei coragem e chamei alguns amigos para um almoço, seguido de pôr do sol. A meia-idade é uma grande fase da vida. Os conhecidos se espalham por diversas gerações, é muito interessante. Vieram bebês recém-saídos da barriga, audazes rapazes de 20, balzacas da minha safra e setentões do mais alto calibre.
Paula Lavigne me salvou de uma deprê há três anos.
Na sua casa, na Bahia, conheci Cézar Mendes, violonista extraordinário, a quem já dediquei, aqui, uma crônica. Cezinha compareceu com Dadi Carvalho e Pretinho da Serrinha e passamos a noite cantando sem compromisso.
O apagão, presente do acaso, nos deixou a sós com a luz da lua.
Tom e Vinicius, documentário de Miguel Faria Jr., traz um filme caseiro do poetinha na roda de cantoria de um apê em Ipanema. Estão todos altos. Ele, rodeado por uma pirâmide de mulheres estonteantes, segura o copo de uísque na mão e solta a voz no “vai, vai, vai, vai, vai…” do Canto de Ossanha. De vez em quando, Vinicius interrompe a levada para declamar um poema, retornando, em seguida, para o vai, vai cada vez mais épico e transcendental.
Corei de inveja.
Cantar com os amigos cura qualquer problema sério. Mesmo desafinando, vale. Meus enteados e a turma deles foram os últimos a abandonar a roda. Amantes de Caymmi, dos Novos Baianos, de Raul, Gil e Caetano, eles dividiram a tarde com os boleros da terceira idade, sem saber que muitas das músicas que escutam foram produzidas por André Midani, também presente à comemoração.
Hector Babenco, Daniel Filho, Domingos de Oliveira e Cacá Diegues são diretores com quem já trabalhei e fiz testes. Sempre os encarei de baixo para cima. Mas, agora, que já passei um bom naco de tempo na Terra e compartilho com eles histórias em comum, já não os olho com a tensão de saber se me darão, ou não, um papel; se aprovam, ou não, minhas escolhas profissionais. É outra a razão que nos une.
É o próprio testemunho de termos visto os outros vivos. Somos todos dinossauros.
Para curar a ressaca, fui ao mar no dia seguinte. Praia apinhada, mar azul e areias limpas. Presentão de aniversário da campanha Lixo Zero.
O escritor angolano José Eduardo Agualusa me escreveu para agradecer a tarde: “Acho que certas geografias melhoram as pessoas, e o Rio, com os seus morros, puxando nosso olhar para cima, é uma dessas geografias”.
Ele tem razão, a Guanabara é um grande criadouro de vovós garotas. Espero não ser exceção.
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