Fãs consideram que alguém famoso tem obrigação
de posar com eles. E mais: sorrindo!
Dia destes estava no aeroporto, falando ao telefone. Uma senhora aproximou-se, fez sinal.
– Posso tirar uma foto?
– Espera só um pouquinho?
Dois segundos depois, repetiu a pergunta. Fiz sinal pedindo tempo. Ela se afastou irritada, me xingando de “metido a besta”. Eu, particularmente, fico lisonjeado quando me pedem para tirar fotos. É um reconhecimento por meu trabalho como autor. Bem, talvez. Já me aconteceu de posar com um sorriso magnífico ao lado de alguma desconhecida, para depois ouvir, quando ela se afastava: “Quem é ele?”. A amiga respondeu: “Acho que é aquele escritor, parece que é famoso”.
Bela fama, se nem sabem quem sou... Já aconteceu com muita gente que conheço. Alguém pede uma foto. Imediatamente, um enxame de celulares voa em sua direção. Todos querem fotos, sem saber de quem se trata. Tenho um amigo boa-pinta. Fez dezenas de fotos num evento. Ouviu uma “fã” perguntar a outra:
– Quem é?
– Acho que trabalha numa novela.
Qualquer um com um mínimo de exposição à mídia sabe do que estou falando. Já vi um escritor reclamar das intermináveis filas que se formam em noites de autógrafos. Nem todos compram o livro. Querem a foto.
Outro dia, eu estava num evento literário no Rio Grande do Sul. Tentei ir ao banheiro. Duas garotas vieram pedir fotos. Tentei fugir. Outras se aproximavam, de celular em punho. Tive de implorar.
– Tenho de ir ou vou fazer xixi na calça.
E saí correndo. Juro, qualquer hora destas vou a um evento de fraldão! Conheço um ator que sempre se recusava a fazer fotos. Outro dia ouviu:
– Mas você tem obrigação, porque é famoso.
– Meu trabalho é na televisão. Aqui, sou uma pessoa comum – respondeu.
Sim, fãs consideram que alguém conhecido ou famoso tem obrigação de posar. E mais: sorrindo!
Não é só com famosos. Já fiz uma viagem com um amigo que não se deteve para admirar um palácio, uma escultura, um monumento. Estava ocupado, fotografando tudo. E o pior, não me dava paz.
– Bate uma foto minha aqui?
E sorria, parado em frente a um coqueiro. Eu saía correndo, para tentar me ver livre da próxima foto. Fazia o que gosto: olhava a paisagem, os monumentos, as obras de arte e as pernas das turistas. Tentava imaginar como seria a vida das pessoas no passado, naqueles lugares, em culturas tão diferentes. Logo vinha a batidinha no ombro: “Faz uma aqui?”.
Houve uma época em que uma das coisas mais aterrorizantes da vida social era visitar alguém que resolvia mostrar a coleção de slides da última viagem. Apagava as luzes, ligava o projetor e começava: “Olha lá, eu em frente a uma pirâmide!”. Novo slide. “Este aqui saiu meio escuro, mas acho que é uma montanha.” A mulher dizia: “Não, era um castelo”.
E eu ficava bocejando, slide após slide. O sucedâneo natural é aquele sujeito que resolve mostrar as fotos do celular, a qualquer momento, em qualquer lugar. Vejo uma rua cheia de lojas com a cara espantada do fulano em primeiro plano. Ele dá um grito entusiasmado: “Eu, em Tóquio”.
– Mas e essa placa em espanhol?
– Ah, tá, esta aqui foi em Madri. Só um instantinho, vou achar as do Japão.
Procura, procura, não acha.
– Ih... será que apagou?
É interessante porque, outrora, as imagens fixadas no papel serviam como recordações, fixações de um momento a relembrar. Hoje, se tornaram celebrações do efêmero. Não algo a guardar, mas uma imagem para postar no Instagram, Facebook, onde for. O que acontece com essa avalanche de fotos? Imagino que a maior parte seja perdida, com aparelhos que envelhecem, programas que se tornam obsoletos. Talvez exista um fantástico lixo cibernético circulando em torno do planeta, com todas as imagens de milhões, bilhões de celulares. E se for acessado por outra civilização, daqui a séculos? Que retrato farão de nós?
A síndrome é séria. Recentemente, até me peguei em flagrante. Na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, vi uma fila enorme, que dava voltas no estande.
– Deve ser alguém importante. Vou aproveitar a oportunidade – disse a mim mesmo, já entrando na fila. Resolvi perguntar: “Que escritor está dando autógrafos?”. O rapaz da frente me contou, com tédio:
– Não tem escritor nenhum. Esta é a fila do caixa, parece que estão com problema na máquina do cartão.
Afastei-me discretamente. Tirar fotos não é só uma síndrome. Também contagia.
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