Sempre considerei a viuvez um dos mais cruéis golpes do destino, mas ela pode agir também como um rejuvenescedor. Eu mesmo conheço uma história que ilustra essa afirmação.
— Só consigo ver a viuvez como um drama.
— Concordo, mas em alguns casos, passado um tempo, o drama dá lugar a uma nova e proveitosa vida. Quem me contestava era a Luciana, uma nova amiga que se juntou ao nosso grupo no Café Severino. Estávamos só nós dois na mesa de sempre, jogando conversa fora, aguardando a chegada da turminha para o primeiro encontro do novo ano.Tentei explicar o meu ponto de vista:
— Um homem, ao ficar viúvo, perde a mais íntima de todas as suas relações pessoais: a esposa. E precisa compensar essa ausência recriando-se. Quer e precisa ser um novo homem.
E contei a história do Gustavo, um vizinho que tive em São Paulo, químico renomado, já aposentado, que viveu um casamento feliz por três décadas, só interrompido com a morte da mulher. Sem dúvida, foi um drama. Por cinco ou seis dias seus olhos permaneceram inchados, o olhar turvo, e seus 64 anos lhe deram a aparência de 70. Na missa de sétimo dia já estava mais magro. Suas duas filhas e seus dois netos se preocuparam.
— A dor emagrece — palpitou a bela Luciana.
Na missa de um mês pude notar um pequeno brilho no fundo dos seus olhos, além do rosto bronzeado naquela tonalidade que só o sol de praia proporciona.
— Estou reagindo — ele me garantiu.
Três meses passados, ele despediu a cozinheira, na família havia mais de vinte anos e até então zeladora das taxas de colesterol e glicose do patrão.
— Ela já estava um pouco caduca — justificou ele.
E saiu do amplo apartamento para um flat com serviços.
— É o ideal agora que vivo sozinho. Tem arrumadeira, faxineira e uma telefonista que recebe e anota os recados. Só vou precisar de uma secretária para ir ao banco, agendar compromissos, marcar minhas consultas médicas.
Gustavo pôs anúncio no jornal, pedindo boa aparência às candidatas. Contratou a Simone, uma atraente loirinha de 31 anos, que agendou para ele consultas a vários médicos.
— Durante muitos anos relaxei com a saúde e com a aparência — suspirou ele.
Logo depois desse episódio, Gustavo assumiu Simone como uma secretária de cama, mesa e banho. Comprou uma poderosa Harley-Davidson e passou a cortar a cidade de ponta a ponta, vestindo jeans e casaco de couro. E sempre com Simone na garupa.
— À moda de Marlon Brando — disse.
Todos que o conheciam se admiraram com o seu rejuvenescimento. Diante do meu comentário, atribuindo à viuvez esse renovado vigor, um outro vizinho declarou:
— Que nada! É um químico emérito. Deve ter descoberto o elixir da juventude.
— Tenho certeza — ele me disse um dia — de que a minha querida Eugênia, que Deus a tenha!, agiria da mesma maneira, fosse eu o falecido, fosse ela a viúva.
Agora, na véspera do Natal, fiquei sabendo que Simone está grávida e que Gustavo se prepara para ser pai outra vez. De um menino. Aos 70 anos.
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