terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

TRANCOS E BARRANCOS - Denis Russo Burgierman

Nós humanos gostamos de imaginar a História como uma linha reta, que se desenrola sempre para frente, sempre avançando. Mas não é assim que funciona. A História é mais como um bêbado, tentando caminhar enquanto esbarra na parede, tropeça na sombra e, de quando em quando, leva um tombo.

Isso fica especialmente dramático em tempos como os nossos, em que o mundo está mudando profundamente, em que estamos deixando uma era histórica para trás e adentrando outra, sem saber ao certo como será. Não sei se você sente o mesmo, mas eu, nestes tempos de hoje, alterno dias de tremendo otimismo, quando tudo parece possível, com outros de profundo pessimismo, nos quais tudo parece prestes a desabar.

Ontem de manhã, por exemplo, eu estava deprimido dentro do avião, enquanto lia sobre Aaron Swartz, o gênio da internet, empreendedor e ativista, inventor do RSS, fundador do Reddit, um dos líderes do movimento Creative Commons.
Aaron Swartz
 
Swartz era um idealista. Acreditava que, como a pesquisa científica é quase toda feita com dinheiro público, o público tem direito de acessá-la. Por isso, invadiu um grande arquivo de trabalhos acadêmicos, que só pode ser consultado com o pagamento de assinaturas caríssimas, e liberou o seu conteúdo para quem quisesse. Começou aí o inferno em sua vida. Aaron passou a ser perseguido pela polícia, foi acusado de roubo e corria o risco de uma condenação absurda, de até 35 anos. Este mês, acuado, paranóico e depressivo, o gênio Aaron deu fim ao sofrimento. Suicidou-se aos 26 anos.

Aí meu avião chegou a Bogotá. Peguei minha bicicletinha dobrável na esteira, montei-a sob o olhar surpreso de um segurança e saí do aeroporto montado nela. Pedalei 1 quilômetro e cheguei à Ciclovia, a imensa rede de rotas cicloviárias que todo domingo transforma a capital colombiana numa festa, cheia de crianças na rua. Pedalei uns 20 quilômetros, do aeroporto ao meu hotel, sem levar sequer um susto de um motorista, tal a paz que reina no trânsito da cidade.

Na década retrasada, Bogotá era uma das cidades mais perigosas do mundo. A vida por aqui não valia nada. Naquele tempo, o traficante Pablo Escobar aterrorizava o país. Ele havia matado a tiros o candidato favorito à presidência e depois derrubou um avião para tentar assassinar o homem que assumiu o cargo. Em resposta, forças paramilitares mergulharam o país num banho de sangue até matar Escobar.

No início do século 21, Bogotá deu a sorte de topar com uma série de prefeitos corajosos que lideraram o renascimento da cidade. Em vez de se fechar em muros e se armar, a capital deu um basta no medo e tomou as ruas. A cidade se encheu de ciclovias, virou referência de transformação urbana e hoje é um lugar onde é possível chegar de avião, pegar a bicicleta na esteira e ir pedalando até o centro, sem levar susto nenhum.

Estou aqui para participar de um encontro hoje sobre a liderança latino-americana na mudança da política global de drogas. O governo conservador colombiano, cansado de décadas de banho de sangue, está liderando o mundo na crítica à falida guerra às drogas, e exigindo transformações profundas, inclusive a legalização de algumas drogas, para reduzir o poder do tráfico.

Amanhã pretendo ir falar com dois jovens políticos liberais: Juan Manuel Galán e Carlos Fernando Galán. Os dois são irmãos. O pai deles, Luis Carlos Galán, um dos políticos mais populares da história da Colômbia, foi justamente o candidato à presidência que Pablo Escobar matou. Juan Manuel e Carlos Fernando eram crianças, se encheram de ódio e tristeza, prometeram vingança.

Hoje eles estão bem mais tranquilos. Recentemente se encontraram com Sebastián Marroquin, filho de Escobar, que queria pedir desculpas. Eles aceitaram. Os Galán são vistos como fortes presidenciáveis num futuro próximo. Ambos afirmam que querem acabar com a guerra que matou seu pai, para que não haja mais Escobares no futuro. Ambos são favoráveis à legalização de algumas drogas.

E assim a História vai seguindo, aos trancos e barrancos como um bêbado. O velho mundo dos estados e corporações gigantescos segue infernizando nossa vida e tomando a de heróis como Swartz. Mas o mundo novo chega. Pode demorar, mas chega.
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