domingo, 30 de junho de 2013

LÁGRIMA, UMA MENSAGEM SEM CHEIRO

Lágrima, qual é o teu segredo? 

O que significa a gota inodora que brota dos olhos não só em momentos de alegria e tristeza, mas também em situações mundanas como cortar cebola? Ela pode parecer elementar, mas a lágrima é um mistério que pesquisadores começam só agora a desvendar. O choro emocional sempre foi considerado um fenômeno apenas dos seres humanos, mas que contradizia o chamado “paradoxo de Darwin”: não parecia ter nenhum objetivo funcional para o dia a dia. Nos últimos anos, porém, pesquisas mostram que as lágrimas carregam sinais químicos que influenciam a comunicação de maneira indelével. Como outros fluidos humanos, como o suor, que podem transmitir uma surpreendente gama de sinais emocionais, as lágrimas - mesmo inodoras - também são mensagens inconscientes.

- Quando choramos, enviamos vários sinais emotivos, codificados quimicamente no líquido - explica o neurocientista Noam Sobel, diretor do laboratório de Olfato do Instituto Weizmann de Ciência, em Rehovot, Sul de Israel. - Mesmo que não tenham cheiro, as lágrimas emitem agentes químicos que são imediatamente identificados por outras pessoas. Quer dizer: o olfato funciona mesmo quando não estamos cientes dele e não sentimos nenhum odor específico.

Pesquisadores há tempos tentam identificar a função social do choro. Em seu livro “A expressão de emoções no homem e nos animais”, publicado em 1872, 13 anos depois do revolucionário “A Origem das espécies”, o naturalista britânico Charles Darwin afirmou que todas demonstrações humanas de emoção têm alguma função prática. Todas, menos as lágrimas, as quais escaparam a seu entendimento. Na obra, o pai da Teoria da Evolução busca explicações para as expressões humanas traçando paralelos com animais. Por exemplo, quando um homem quer mostrar desprezo, nojo ou agressão em relação a outro, o canto de seu lábio superior acima do dente canino é levantado, assim como acontece com animais prestes a atacar.

Mas, quanto às lágrimas, Darwin se mostrou confuso. Tratava-se, para ele, apenas de uma ação com objetivo de “lubrificar a superfície do olho”, “manter as narinas molhadas para que o ar inspirado se umidifique” e “evitar que partículas de poeira ou outros objetos diminutos entrem nos olhos”. Mas, segundo William H. Frey II, professor do Departamento de Neurologia da Universidade de Minnesota e autor do livro “Chorando, o segredo das lágrimas”, as lágrimas emocionais contêm 25% mais tipos de proteínas e têm quatro vezes mais potássio do que as lágrimas funcionais criadas pelo corpo apenas para limpar ou proteger os olhos. Elas também contêm hormônios adrenocorticotróficos (ACTH), emitidos em momentos de estresse.

Lágrimas “verdeiras” teriam função social, segundo o psicólogo e escritor americano Robert Provine, da Universidade de Maryland (EUA). Para Provine, mostrar uma emoção real teria sido benéfico para o ser humano para evitar ser enganado, já que se trata de algo difícil de imitar. Chorar seria, então, um ato social ligado à confiança nos outros.

Em 2011, uma pesquisa do Laboratório de Olfato do Instituto Weizmann surpreendeu ao conseguir provas de que as lágrimas podem enviar sinais químicos de um humano para outro. A conclusão mais incrível - baseada em extensa pesquisa - foi a de que o choro de mulheres pode ser interpretado pelos homens como a seguinte mensagem: “não estou interessada em sexo”. Isso pode explicar porque mulheres choram mais durante o período menstrual. Em termos reprodutivos, não se trata de um momento propício para engravidar.

Para fazer o estudo, os pesquisadores israelenses publicaram um anúncio convocando pessoas que choram facilmente. Eles coletaram as lágrimas emocionais das mulheres voluntárias com um óculos especial e depois checaram o impacto químico delas em homens através de um algodão colocado abaixo das narinas deles. Ficou claro, depois de algumas checagens e do uso de placebo, que, ao invés de provocar a simpatia ou tristeza nos homens, as lágrimas emocionais provocavam queda de libido. Ao observarem fotos de mulheres depois de cheirarem as lágrimas, eles as julgaram menos atraentes sexualmente.

“Descobrimos que apenas cheirar as lágrimas inodoras emocionais obtidas das mulheres induz à redução de sex appeal atribuída por homens a retratos de rostos de mulheres”, diz a conclusão da pesquisa em artigo publicado na revista ‘Science’. “Mais ainda, depois de cheirar essas lágrimas, os homens experimentam uma excitação reduzida e níveis de testosterona reduzidos em 30%. Imagens de ressonância magnética provaram que cheirar lágrimas de mulheres reduz seletivamente a atividade cerebral relacionada à excitação sexual masculina”.

- Esses resultados revelam que as lágrimas das mulheres contêm um sinal químico que reduz a excitação sexual dos homens. A lágrima, então, é um sinal emocional que tem uma função - explicou a pesquisadora Shani Gelstein, que dirigiu a pesquisa e atualmente estuda outros tipos de choro, como o infantil e o masculino.
Ana Branco

sábado, 29 de junho de 2013

ELISA LUCINDA - Adoção


Não sei se te contei
mas há algum tempo sou minha
me adquiri num mercado
onde o escambo era da posse pela liberdade
me obtive numa dessas voltas da morte
me acolhi num desses retornos do inferno.
Dei banho, abrigo, roupas, amor enfim.
Adotei o meu mim
como quem se demarca e crava em si o mastro da terra à vista
a cheiro, a tato, a trato, a paladar e ouvido.
Não sei se te contei
me recebi à porta da minha casa
abracei, mandei sentar
Abracei eu mesma, destranquei a porta
que é preu sempre poder voltar.
Dei apenas o céu à sua legítima gaivota
Somos a sociedade
e ao mesmo tempo a cota
Visita e anfitriã
moram agora num mesmo elemento
juntas se ancoram
na viagem das eras
No novelo do umbigo
No embrião do centro
No colo do tempo. 
  
 

PABLO NERUDA - Soneto XLIII



Um sinal teu busco em todas as outras,
no brusco, ondulante rio das mulheres,
tranças, olhos apenas submergidos,
pés claros que resvalam navegando na espuma.

De repente me parece que diviso tuas unhas
oblongas, fugitivas, sobrinhas de uma cerejeira,
e outra vez é teu pelo que passa e me parece
ver arder na água teu retrato de fogueira.

Olhei, mas nenhuma levava teu latejo,
tua luz, a greda escura que trouxeste do bosque,
nenhuma teve tuas mínimas orelhas.

Tu és total e breve, de todas és uma,
e assim contigo vou percorrendo e amando
um amplo Mississipi de estuário feminino.

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PORTA DOS FUNDOS 04 - Humor




CRISTIANE SEGATTO - Gentileza gera saúde

Como uma dieta diária de emoções positivas 
altera o funcionamento do corpo

O trabalho criativo é fascinante. O sujeito está lá, pressionado pelo prazo, pelo cliente, pelo chefe, torturado pela obrigação de traduzir uma ideia em três palavras. Precisa ser uma mensagem sintética e eficaz. Dessas que grudam nos miolos e produzem o movimento desejado: um impulso de consumo, uma sensação, uma mudança de comportamento. O coitado tenta um, dois, três, trinta caminhos e fracassa.

Se tiver sorte, é liberado para pegar umas horinhas de sono. Dorme, acorda, se enfia no chuveiro e, enquanto esfrega o shampoo no couro cabeludo ensebado, pumba! Lá vem ela. Límpida, exata, a mais perfeita tradução do que pretendia comunicar.

Fico elucubrando a respeito dessas etapas sempre que um slogan me conquista. Leio, admiro, sinto e me pergunto qual será o cérebro por trás da ideia. Quem inventou? Como inventou? Com que facilidade ou sofrimento inventou? Foi no chuveiro? Na academia? No momento em que a pasta de amendoim escorregou sobre o pão?

Tendo a achar que as boas ideias nunca surgem no ambiente de trabalho. Comigo é assim. Minhas ideias são rebeldes. Só aparecem quando tenho alguma ilusão de liberdade. Aí agarro um guardanapo, uma caderneta soterrada na bolsa, um lenço de papel, um recibo de cartão de débito para anotar as palavras certas enquanto é tempo.

Sempre achei que algo semelhante tivesse acontecido com o felizardo criador da frase “gentileza gera gentileza”. É uma mensagem perfeita, na forma e no impacto. Ela induz um sentimento de boa vontade em relação aos desconhecidos. Alguém que escolheu usar uma camiseta com essas palavras ou colou no carro esse adesivo deve ser, pelo menos em tese, uma pessoa respeitosa, interessante.

Só recentemente descobri que essa frase não foi criada por um redator profissional. É obra de uma personalidade urbana carioca, conhecida como profeta Gentileza, morto em 1996. Ele andava de túnica branca e barba longa e, nos anos 80, criou 56 painéis sob um viaduto da Avenida Brasil. Um deles trazia a frase genial.

Estou convencida de que gentileza gera gentileza, mas há quem sustente que gentileza gera saúde. Uma delas é a psicóloga Barbara Fredrickson, professora da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Ela é uma das tantas pesquisadoras que buscam explicar como o bem-estar emocional produz saúde física.

Pessoas que vivem relações afetuosas e são capazes de encarar a maioria dos desafios com otimismo tendem a viver mais e com mais qualidade. Diferentes estudos sugerem que emoções positivas fortalecem o sistema imune. Por consequência, diminui o risco de contrair resfriados e conviver com processos de inflamação crônica. Outros trabalhos indicaram menor propensão a doenças cardiovasculares, dores de cabeça, fraqueza etc.

Em seu novo trabalho, publicado na revista Psychological Science, Barbara investiga como as emoções afetam o nervo vago. Ele é responsável pela inervação de diversos órgãos, como o coração, o estômago, o pulmão, o intestino delgado, entre outros. Por meio dele, o cérebro é informado sobre o estado das vísceras.

Quando um susto, um stress agudo acelera os batimentos cardíacos e coloca o organismo inteiro em alerta, o nervo vago e seus auxiliares trabalham para restabelecer a normalidade. Eles reduzem a pressão arterial e normalizam os batimentos cardíacos.

Nesses tempos de stress crônico, é fundamental encontrar formas de manter o nervo vago funcionando adequadamente. Do contrário, o corpo inteiro sofre.

Sessenta e cinco voluntários se inscreveram no novo estudo de Barbara. Metade do grupo participou de aulas de meditação compassiva, uma técnica destinada a desenvolver sentimentos como bondade e compaixão.

Durante as sessões, eles foram instruídos a focar a mente em suas próprias preocupações. Aos poucos, deveriam incluir as aflições das pessoas com que se relacionavam.

Em silêncio, deveriam repetir frases como: “Você pode se sentir seguro”; “Você pode se sentir feliz”; Você pode se sentir saudável”. Sempre que a mente vagasse por outros lugares, os praticantes deveriam trazê-la de volta a essas frases.

Fora das aulas, em momentos estressantes ou chatos como ficar preso num congestionamento, eles deveriam se esforçar para fixar a mente nesses pensamentos. “É algo como suavizar o próprio coração para estar mais aberto aos outros”, disse Barbara à revista Time.

Cascata das bravas? Conversinha de autoajuda? Pelo sim, pelo não, vale a pena acompanhar os resultados do trabalho.

Antes do início do estudo e ao final dele, a variação da frequência cardíaca dos voluntários foi analisada. Essa é uma medida da resposta do nervo vago. Quanto mais tonificado é o nervo, maior é a variação da frequência cardíaca. E mais baixo é o risco de doenças cardiovasculares. O nervo também participa do controle dos níveis de glicose e da resposta do sistema imune.

Além de tudo isso, o vago tem papel importantíssimo na forma como nos relacionamos. Está ligado aos nervos que sintonizam nossos ouvidos com a fala humana, coordena o contato visual e regula a expressão das emoções. Também influencia a liberação de oxitocina, um hormônio importante para a formação de vínculo entre as pessoas.

Todos os participantes (os que meditaram e os que não participaram das aulas) registraram as emoções positivas e negativas vividas no cotidiano durante 61 dias.

Resultado: quem meditou registrou um aumento de emoções positivas, como alegria, interesse, serenidade e conexão com outras pessoas. Essas sensações foram acompanhadas de uma melhoria na função do nervo vago.

É um sinal de que uma dieta diária de emoções positivas favorece a saúde. E o mais interessante: esses benefícios podem ser mensuráveis.

Só meditar, no entanto, não adianta. A alteração na função do nervo só ocorreu naqueles em que a prática realmente ajudou a melhorar as emoções. Não houve mudança no padrão fisiológico entre os que meditaram, mas emocionalmente continuaram na mesma.

É um bom começo. Resta saber se os benefícios fisiológicos da prática e da mudança de olhar sobre os fatos são sustentáveis no longo prazo. Novos estudos estão em andamento.

Enquanto eles não ficam prontos, que tal colocar um pouquinho de gentileza no seu dia? Responder ao bom dia que alguém lhe deseja. Segurar a porta do elevador e oferecer passagem. Não avançar sobre a travessa de comida assim que o garçom a coloca sobre a mesa se decidiu dividir o prato com uma colega de trabalho – principalmente se você é homem e ela tiver idade quase suficiente para ser sua mãe.

Recentemente, recebi todas essas demonstrações de falta de gentileza. Nenhum dos autores as interpretou como gafe ou deslize. Se essas são as novas regras de convivência, prefiro viver à moda antiga.

Gentileza gera gentileza. Gentileza gera saúde.


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WALCYR CARRASCO - Fé e fofoca

Um dos meus livros prediletos é Os miseráveis, de Victor Hugo, do século XIX. Creio que um dos trabalhos mais apaixonantes da minha vida foi traduzi-lo e adaptá-lo para jovens. Uma das passagens mais marcantes, descrita em detalhes no original, fala do poder da fofoca. Fantine é mãe solteira e deixou sua filha, a menina Cosette, aos cuidados de um casal, a certa distância da cidade onde se fixou. Trabalha como operária e envia quase tudo o que ganha para o sustento da menina. Só que não sabe ler e escrever. Recorre a um profissional para redigir suas cartas e ouvir as respostas. As colegas de trabalho desconfiam. Para quem tantas cartas, afinal? Convencem o homem que as escreve não a revelar seu conteúdo – ele é discreto –, mas a fornecer o endereço para onde são enviadas. Uma delas, então, viaja às próprias custas para apurar a história. Volta com a satisfação de “saber de tudo”. Conta o que sabe para todas. Estigmatizada numa época em que ser mãe solteira era uma desonra, Fantine briga com as outras. É demitida por moralismo. Acaba nas ruas como prostituta. Quem leu o livro, viu algum dos filmes ou versões teatrais inspirados na obra sabe que ela vende os dentes e cabelos para depois morrer tragicamente. Onde começou toda a sua via-crúcis? Na curiosidade sobre a vida alheia.

Acredito que a fofoca é maléfica. É fundamentada no preconceito. Tem o poder de destruir vidas. Em sua primeira peça de teatro, em 1934, a escritora americana Lilian Hellman (1905-1984) aborda o tema. A peça, The children’s hour, foi sucesso na Broadway e ganhou versão cinematográfica com as estrelas da época, Audrey Hepburn e Shirley MacLaine. Aqui no Brasil, o filme ganhou o título de Infâmia. (Procurem, vale a pena ver.) Narra a história de duas mulheres, sócias fundadoras de uma escola infantil nos Estados Unidos. Uma aluna as acusa de ter uma relação homossexual. Não têm, de fato. Mas a avó da garota espalha a fofoca na comunidade. Perdem os alunos, quebram financeiramente e, finalmente, uma delas se suicida. Histórias como essa são frequentes. No mundo artístico, encontro jovens que deixaram a cidade distante onde viviam, porque não suportavam mais os falatórios. Certa vez, em visita à pequena Bernardino de Campos, interior de São Paulo, onde nasci, conversei com um rapaz de cabelos pintados de verde, num estilo meio punk, cuja família se mudara para lá. Fazia faculdade, mas queria voltar a São Paulo, onde trabalhava como motorista. Eu me espantei:

– Prefere o trânsito de São Paulo a terminar um curso universitário, ter uma carreira?
– Aqui, meu cabelo virou até notícia na rádio – respondeu ele.

Por que falo sobre tudo isso?

Sim, sei que a proposta de “cura gay”, do deputado Marco Feliciano, já foi muito comentada. Seria chover no molhado dizer quanto isso nos ridiculariza internacionalmente, já que a Organização Mundial da Saúde não classifica a homoafetividade como doença e, portanto, não se trata de algo a curar. Mas quero olhar a questão por outro ângulo. Todo esse movimento liderado por Feliciano, entre os evangélicos, e pela deputada Myrian Rios, como católica carismática, entre outros, não pode ser confundido com fé. É uma enorme curiosidade pela vida alheia. Como fofoca transformada em questão política. Convivo com esse tipo de comportamento não é de hoje. Tenho uma tia que frequenta a igreja Assembleia de Deus. Nunca corta os cabelos, devido a uma interpretação do Velho Testamento, em que eles são descritos como “véu da mulher” – embora nada proíba Feliciano de depilar as sobrancelhas. Adolescente, eu morava em Marília, interior de São Paulo. Uma jovem evangélica da Assembleia deixou de ser virgem. A fofoca se espalhou no templo. A moça foi expulsa publicamente da igreja. Não é o primeiro preceito cristão acolher os pecadores?

Normatizar a vida dos fiéis é exercer poder sobre eles. Esse poder é exercido pela fofoca entre os membros da comunidade religiosa, que passam a controlar o comportamento uns dos outros. Trazer esse tema, da igreja, para a política, é um acinte para a sociedade. Quanto mais se fala em “cura gay”, mais cresce o preconceito. E o preconceito estimula a fofoca, o controle sobre o comportamento alheio. É um risco para quem acredita nas liberdades individuais. Inevitavelmente surgirão novas vítimas, como a Fantine de Victor Hugo.

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sexta-feira, 28 de junho de 2013

COMPUTADOR CONSEGUE LER SONHOS EM TEMPO REAL

Cientistas japoneses criam técnica para enxergar 
o que uma pessoa vê enquanto está sonhando.

Pela primeira vez na história, cientistas conseguiram penetrar no mundo dos sonhos - e enxergar o que uma pessoa vê enquanto ela está dormindo. A nova técnica, que combina dois exames de mapeamento do cérebro e um computador inteligente, foi desenvolvida por cientistas de cinco universidades japonesas, que em 2008 já tinham criado uma técnica para ler a mente de pessoas acordadas.

A nova experiência aconteceu da seguinte forma: um grupo de voluntários dormiu no laboratório enquanto sua atividade cerebral era monitorada por máquinas de eletroencefalograma e ressonância magnética. As ondas cerebrais mudam quando estamos sonhando, então é possível saber quando isso está acontecendo. Os cientistas deixavam a pessoa sonhar por algum tempo, acordavam-na e perguntavam o que tinha visto. As imagens que cada voluntário relatou foram associadas aos registros da atividade cerebral dele, e tudo isso programado num computador, que recebeu os dados de 200 sonhos.

O computador aprendeu. E se tornou capaz de analisar as ondas cerebrais em tempo real e determinar, com 80% de precisão, o que uma pessoa está vendo durante o sonho. Com limitações, claro: ele só reconhece 20 coisas, como "carro, "homem" e "mulher". Mas é a maior janela já aberta para o mundo dos sonhos. "Saber mais sobre o conteúdo deles e como se relacionam com a atividade cerebral pode nos ajudar a entender sua função", diz o neurocientista Yukiyasu Kamitani, um dos autores do estudo.
por Salvador Nogueira e Bruno Garattoni


FERNANDA TORRES - Risco elevado

Minha avó e meus primos paternos moravam na Tijuca. Como meus pais trabalhavam no teatro nos fins de semana, eu e meu irmão costumávamos migrar do Jardim Botânico, onde cresci, para a Rua Padre Elias Gorayeb, nos dias de folga da escola.

E foi num sábado, 20 de novembro de 1971, que a notícia do desabamento do Elevado Paulo de Frontin transformou o percurso familiar em um pesadelo infantil. Estávamos nos preparando para sair quando a imagem insólita da laje de concreto colapsada sobre vinte carros, um ônibus e um caminhão, todos esmigalhados como uma folha de papel, emudeceu a família diante da televisão. Por questão de hora, não acontecera conosco. Desde então, a angústia de cruzar a Avenida Paulo de Frontin sob a sombra do minhocão me acompanha.

Voltei à rotina de gravações no Projac. O trânsito anda calmo, mas as novas medidas de segurança do Elevado do Joá provam que o belo traçado de asfalto está com as pernas bambas. O carro reduz para os 60 km/hora permitidos, enquanto a imaginação vaga em meio a elucubrações catastróficas. Fantasio um desmoronamento de filme pelo retrovisor, por vezes, considero a possibilidade de o chão se abrir de supetão e desenho a curva do carro no ar, a queda no mar e as notícias no dia seguinte.

Eu adoro o Elevado do Joá, as curvas sinuosas que acompanham a encosta, a altura abissal e o verde das ondas a bater nas rochas. É uma visão e tanto. Mas, desde que a precariedade e a má conservação do viaduto se tornaram evidentes, meus olhos abandonaram a paisagem para se concentrar nos vergalhões enferrujados, no concreto carcomido e na finura dos alicerces. Raramente vejo operários empenhados na recuperação da via. As colunas estão embrulhadas para a obra, mas a mão de obra é bissexta.

Estou inclinada a tomar o desvio tortuoso, porém seguro, do Morro da Joatinga. Mas a necessidade luta contra a vontade. O elevado cumpre uma função estética seriíssima no meu caminho para o trabalho, é o meu respiro, minha imensidão. A vista é o grande deus do carioca. Por isso esqueço de entrar à direita e arrisco a vida pelo exuberante horizonte.

Uma velha represa, acho que na China, ameaçava romper-se. Em caso de tragédia, as localidades vizinhas ao anunciado desastre sumiriam do mapa com a primeira enxurrada. Ao serem sondados sobre a preocupação de viver nas cercanias de uma barragem condenada, os habitantes próximos ao colosso confessaram não pensar no assunto. O medo aumentava na razão inversa do risco de óbito. As localidades afastadas, que teriam tempo para fugir das águas, demonstravam grande ansiedade com o problema.

A rotina banaliza o risco. Tento, como os chineses em perigo, relevar, esquecer, mas tremo toda vez que olho a viga.

Estive na abertura do elegantíssimo MAR, Museu de Arte do Rio. O evento contou com um pool de panelaços na porta. Quando cheguei, achei que a causa da revolta fossem os royalties do petróleo — a presidente estava presente na cerimônia —, mas uma repórter informou que os manifestantes escolheram o dia da inauguração da obra de dezenas de milhões de reais com o objetivo de chamar atenção para o estado de conservação dos teatros do Rio de Janeiro, muitos fechados por falta de equipamentos de segurança. Depois, soube que havia diversos grupos protestando por diferentes motivos de que não me recordo agora. O fato é que o encontro dos trios formou um baticum ruidoso que acompanhou os convidados noite adentro.

Não ligo o MAR ao abandono dos teatros públicos e tenho dúvidas se estaríamos melhor sem ele. Minha impressão é que não teríamos nem uma coisa nem outra. A parceria que viabilizou o MAR, pelo que percebo, se organizou de maneira a que o museu, uma vez erguido, possa caminhar com as próprias pernas.

Mas o buzinaço da classe teatral atenta para uma questão relevante. Não basta construir, é preciso manter; projetos futuros e passados. O MAR e o Teatro Carlos Gomes, a Perimetral e o Joá. O cobertor é curto, mas existem casos emergenciais.

Sem a providência divina, há precedentes, o Elevado do Joá periga cair antes da Copa.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

DENISE FRAGA - Como nossos pais

Comecei a cantarolar baixinho e o taxista perguntou se eu queria que ele aumentasse o volume. Tocava no rádio nada mais nada menos que "Father and Son", de Cat Stevens, hino de minha adolescência.

Eu e minha amiga Vânia ficávamos deitadas no tapete da sala lendo a letra no encarte do LP, acompanhando Stevens com nosso sofrível inglês e total sofreguidão.

O rapaz aumentou o volume, também adorava a música. "Mas não é ele cantando, é?" --perguntei. Meu amigo taxista não sabia dizer, talvez fosse jovem demais. Havia muito tempo que eu não ouvia a canção. Fiquei esperando a parte de meu maior prazer, quando, quase em esgares, Stevens cantava "How can I try to explain? When I do, he turns away again. And it's always been the same, same old story...". Não vinha. Não veio.

A voz até parecia ser dele, mas quem cantava percorria tão suavemente a crise entre o pai e o filho, talvez até desse mais corpo à voz do pai, que acabei concluindo: "Não, não é ele. Ele cantava o filho que quer sair de casa quase gritando, com muito mais emoção".

Quando a música terminou, o locutor da rádio me desmentiu. Era o próprio. O que teria acontecido? Seria uma regravação? Eu me lembrei de que Stevens tinha se convertido ao islamismo. Talvez tivesse regravado a canção de forma mais branda, coisas de religião, sei lá.

Voltei a olhar pela janela suspeitando que a melhor explicação para a nova versão aguada de meu hino revolucionário talvez fosse só os atuais cabelos brancos do artista. À esta altura, Stevens não era mais filho, e sim pai. Talvez avô.

Eu me entristeci um pouco por saber que a "minha" "Father and Son" havia sido substituída e fui para casa pensando nesse ciclo inevitável no qual percebemos assustados que fazemos muitas coisas como nossos pais.

Antes de começar a escrever, fui pesquisar na internet para ouvir de novo a nova versão. Não achei nenhuma regravação de "Father and Son" pelo próprio Cat Stevens, tampouco por Yusuf Islam, seu atual nome islâmico. Tremi. Muito provavelmente, a versão ouvida no táxi era a mesma da minha adolescência.

Será que foram meus ouvidos de mãe que se tornaram insensíveis à eloquência com que Stevens me fazia acompanhá-lo aos berros, no tapete de minha juventude? Ponho os fones de ouvido e, aos poucos, vai me voltando a emoção e a vontade de cantar junto. Mas que é verdade que hoje também me emociona a parte do pai, lá isso é. Os cabelos brancos são meus. 


JÔ SOARES - Papo Brabo

 A verdade é que não se escreve mais como antigamente, pois naquele tempo não havia computadores, e, por incrível que pareça, nem mesmo canetas esferográficas.
 
Porém, se fôssemos registrar em papel todos os absurdos do ser humano, não sobraria sequer uma resma para os cartões de Natal.
Moral: Pode ser que esse texto seja incoerente, mas faz muito mais sentido do que o massacre dos sem-terra. Antes que eu me esqueça: a reforma agrária já começou. Criaram um ministério.

Isso posto, não de gasolina nem de saúde, já que uma é cara e a outra é carente, vamos ao que interessa. Quando digo vamos ao que interessa, vem-me logo à mente a pergunta: interessa a quem? A mim, pensará o leitor desavisado. O leitor avisado perceberá facilmente que estou me referindo a assuntos interessantes e, se não forem, também não interessa.

Resolvido essa questão da maior importância para aqueles que assim pensam, passo a seguir ao tema central da discussão, por sinal uma discussão que se perpetua enquanto dura.

A pergunta é a seguinte: como abordar um tema central quando se está fora do centro e, por isso mesmo, longe do efeito da força centrífuga? Como ficam nisso tudo o centro do poder, o centro espírita, o centro da cidade e o centro sempre discutido das pessoas autocentradas? Convenhamos, o que é centro para uns é esquerda para outros e direita no sentido de quem vem.

Infelizmente, quando se entra em assunto tão polêmico, ninguém se atreve a responder. Mesmo porque, ainda nem foi perguntado. Se for e quando for, tenho certeza de que sempre haverá alguém para discordar e eu perdôo, pois essas contradições são inerentes à alma humana.
Disse alma humana? Que dizer, então, das outras almas? Da desumana, da penada, da alma do negócio e, principalmente, da alma minha gentil que te partiste / tão cedo desta vida descontente / repousa lá no céu eternamente?

Não quero parecer ilógico, mas seria de péssimo gosto trazer mais uma vez à baila essa intrigante questão. Aliás, pensando bem, ou mesmo pensando mal, por que trazer à baila e não levar ao baile? Ou mesmo trazer o baile à baila?

Nunca tiveram a coragem de revelar essa incongruência histórica: no baile da Ilha Fiscal ninguém pagava imposto de renda.
Digam o que disserem: a dura realidade é que nenhum intelectual que se preze pode desprezar-se.
Tenho a mais absoluta convicção de ter sido claro e objetivo na colocação dessas idéias.
Para finalizar, termino.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

PAUL VERLAINE - Meu sonho familiar


Sonho às vezes o sonho estranho e persistente
De não sei que mulher que eu quero e que me quer,
E que nunca é, de fato, uma única mulher
E nem outra, de fato, e me compreende e sente.

Compreende-me, e este meu coração, transparente
Para ela, não é mais um problema qualquer,
Só para ela, o meu suor de angústia, se quiser,
Chorando, ela transforma em frescura envolvente.

Se é morena, ou se loura, ou se ruiva – eu ignoro.
Seu nome? É como o nome ideal, doce e sonoro,
Dos amados que a vida exilou para além.

Seu olhar lembra o olhar de alguma estátua antiga,
E sua voz longínqua, e calma, e grave, tem
Certa inflexão de emudecida voz amiga.




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CHARLES BAUDELAIRE - Espanquemos os Pobres!

Durante quinze dias confinei-me em meu quarto e me cerquei de livros que estavam na moda naqueles tempos (há dezesseis ou dezessete anos); quero falar de livros em que se trata da arte de tornar os povos felizes, sábios e ricos em vinte e quatro horas. Tinha eu digerido – engolido, quero dizer – todas as elucubrações de todos os empresários da felicidade pública – dos que aconselham a todos os pobres a se fazerem escravos e dos que persuadiam que eles são reis destronados. Ninguém acharia surpreendente que eu entrasse então em um estado de espírito vizinho da vertigem ou da estupidez.
Pareceu-me, somente, que eu sentisse, confinado, no fundo do meu intelecto, o germe obscuro de uma idéia superior a todas as fórmulas de curandeiras que eu, recentemente, vira, folheando no dicionário. Mas isso só era a idéia de uma idéia, algo de infinitamente vago.

E saí com uma grande sede. Porque o gosto apaixonado por más leituras engendra uma necessidade proporcional de grandes ares e de muitas bebidas refrescantes.

Quando ia entrar num bar, um mendigo estendeu-me o chapéu com um desses inesquecíveis olhares que derrubariam tronos, se é que o espírito removesse a matéria e se o olho de um hipnotizador fizesse as uvas amadurecerem.
Ouvi, ao mesmo tempo, uma voz que me cochichava ao ouvido, uma voz que eu me reconheci bem; era a voz de um bom Anjo ou um bom Demônio, que me acompanha por todos os lugares. Se Sócrates tinha seu bom Demônio, por que eu não havia de ter o meu bom Anjo, e por que não teria eu a honra, como Sócrates, de obter um brevê de loucura, assinado pelo sutil Lélut e pelo bem informado Baillarger?

Existe essa diferença entre o Demônio de Sócrates e o meu, pois o de Sócrates só se manifestava a ele para proibir, advertir, impedir, e que o meu dignava-se a aconselhar, sugerir, persuadir; o meu é um grande afirmador, o meu é um Demônio de ação, um Demônio de combate.

Ora, sua voz cochichava isso: “Quem for igual ao outro que o prove e só é digno de liberdade quem a sabe conquistar.”

Imediatamente saltei sobre meu mendigo. Com um único soco fechei-lhe um olho, que, em um segundo, tornou-se inchado como uma bola. Quebrei uma unha ao partir-lhe dois dentes, e como eu não me sentisse bastante forte, tendo nascido de compleição delicada e tivesse pouca prática de boxe, para desancar aquele velho, peguei-o com uma das mãos pela gola de seu casaco e com a outra lhe agarrei a garganta e me pus a sacudi-lo, vigorosamente, cabeça contra a parede. Devo confessar que já havia previamente inspecionado os arredores com uma olhada e havia verificado que naquele subúrbio deserto eu me achava, por algum tempo, fora do alcance de qualquer policial.

Tendo, em seguida, com um pontapé, dado em suas costas, bastante enérgico para lhe quebrar as omoplatas, botei por terra aquele sexagenário enfraquecido; peguei, então, um grosso galho de árvore, que estava jogado no chão, e bati nele com a energia obstinada dos cozinheiros que querem amolecer um bife.

De repetente – ó milagre! Ó alegria do filósofo que verifica a excelência de sua teoria – vi esta antiga carcaça se virar, se levantar com uma energia que eu jamais suspeitaria que houvesse numa máquina de tal modo danificada, e, com um olhar de raiva que me pareceu de bom augúrio, o malandro decrépito jogou-se sobre mim, socou-me os dois olhos, quebrou-me quatro dentes e, com o mesmo galho de árvore, bateu-me fortemente. Pela minha enérgica medicação, eu lhe havia restituído o orgulho e a vida.

Então, eu lhe fiz sinais enérgicos para que compreendesse que eu considerava nossa discussão terminada e, levantando-me com a satisfação de um sofista de Pórtico, lhe disse: “Meu senhor, o senhor é meu igual! Queira dar-me a honra de aceitar que eu divida minha bolsa consigo, e lembre-se: se você é realmente filantropo, que é preciso aplicar, em todos os seus confrades, quando eles lhe pedirem esmolas, a mesma teoria que eu tive o sofrimento de experimentar sobre suas costas.”

Ele me jurou que havia compreendido a minha teoria e que obedeceria aos meus conselhos.




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