sábado, 29 de junho de 2013

CRISTIANE SEGATTO - Gentileza gera saúde

Como uma dieta diária de emoções positivas 
altera o funcionamento do corpo

O trabalho criativo é fascinante. O sujeito está lá, pressionado pelo prazo, pelo cliente, pelo chefe, torturado pela obrigação de traduzir uma ideia em três palavras. Precisa ser uma mensagem sintética e eficaz. Dessas que grudam nos miolos e produzem o movimento desejado: um impulso de consumo, uma sensação, uma mudança de comportamento. O coitado tenta um, dois, três, trinta caminhos e fracassa.

Se tiver sorte, é liberado para pegar umas horinhas de sono. Dorme, acorda, se enfia no chuveiro e, enquanto esfrega o shampoo no couro cabeludo ensebado, pumba! Lá vem ela. Límpida, exata, a mais perfeita tradução do que pretendia comunicar.

Fico elucubrando a respeito dessas etapas sempre que um slogan me conquista. Leio, admiro, sinto e me pergunto qual será o cérebro por trás da ideia. Quem inventou? Como inventou? Com que facilidade ou sofrimento inventou? Foi no chuveiro? Na academia? No momento em que a pasta de amendoim escorregou sobre o pão?

Tendo a achar que as boas ideias nunca surgem no ambiente de trabalho. Comigo é assim. Minhas ideias são rebeldes. Só aparecem quando tenho alguma ilusão de liberdade. Aí agarro um guardanapo, uma caderneta soterrada na bolsa, um lenço de papel, um recibo de cartão de débito para anotar as palavras certas enquanto é tempo.

Sempre achei que algo semelhante tivesse acontecido com o felizardo criador da frase “gentileza gera gentileza”. É uma mensagem perfeita, na forma e no impacto. Ela induz um sentimento de boa vontade em relação aos desconhecidos. Alguém que escolheu usar uma camiseta com essas palavras ou colou no carro esse adesivo deve ser, pelo menos em tese, uma pessoa respeitosa, interessante.

Só recentemente descobri que essa frase não foi criada por um redator profissional. É obra de uma personalidade urbana carioca, conhecida como profeta Gentileza, morto em 1996. Ele andava de túnica branca e barba longa e, nos anos 80, criou 56 painéis sob um viaduto da Avenida Brasil. Um deles trazia a frase genial.

Estou convencida de que gentileza gera gentileza, mas há quem sustente que gentileza gera saúde. Uma delas é a psicóloga Barbara Fredrickson, professora da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Ela é uma das tantas pesquisadoras que buscam explicar como o bem-estar emocional produz saúde física.

Pessoas que vivem relações afetuosas e são capazes de encarar a maioria dos desafios com otimismo tendem a viver mais e com mais qualidade. Diferentes estudos sugerem que emoções positivas fortalecem o sistema imune. Por consequência, diminui o risco de contrair resfriados e conviver com processos de inflamação crônica. Outros trabalhos indicaram menor propensão a doenças cardiovasculares, dores de cabeça, fraqueza etc.

Em seu novo trabalho, publicado na revista Psychological Science, Barbara investiga como as emoções afetam o nervo vago. Ele é responsável pela inervação de diversos órgãos, como o coração, o estômago, o pulmão, o intestino delgado, entre outros. Por meio dele, o cérebro é informado sobre o estado das vísceras.

Quando um susto, um stress agudo acelera os batimentos cardíacos e coloca o organismo inteiro em alerta, o nervo vago e seus auxiliares trabalham para restabelecer a normalidade. Eles reduzem a pressão arterial e normalizam os batimentos cardíacos.

Nesses tempos de stress crônico, é fundamental encontrar formas de manter o nervo vago funcionando adequadamente. Do contrário, o corpo inteiro sofre.

Sessenta e cinco voluntários se inscreveram no novo estudo de Barbara. Metade do grupo participou de aulas de meditação compassiva, uma técnica destinada a desenvolver sentimentos como bondade e compaixão.

Durante as sessões, eles foram instruídos a focar a mente em suas próprias preocupações. Aos poucos, deveriam incluir as aflições das pessoas com que se relacionavam.

Em silêncio, deveriam repetir frases como: “Você pode se sentir seguro”; “Você pode se sentir feliz”; Você pode se sentir saudável”. Sempre que a mente vagasse por outros lugares, os praticantes deveriam trazê-la de volta a essas frases.

Fora das aulas, em momentos estressantes ou chatos como ficar preso num congestionamento, eles deveriam se esforçar para fixar a mente nesses pensamentos. “É algo como suavizar o próprio coração para estar mais aberto aos outros”, disse Barbara à revista Time.

Cascata das bravas? Conversinha de autoajuda? Pelo sim, pelo não, vale a pena acompanhar os resultados do trabalho.

Antes do início do estudo e ao final dele, a variação da frequência cardíaca dos voluntários foi analisada. Essa é uma medida da resposta do nervo vago. Quanto mais tonificado é o nervo, maior é a variação da frequência cardíaca. E mais baixo é o risco de doenças cardiovasculares. O nervo também participa do controle dos níveis de glicose e da resposta do sistema imune.

Além de tudo isso, o vago tem papel importantíssimo na forma como nos relacionamos. Está ligado aos nervos que sintonizam nossos ouvidos com a fala humana, coordena o contato visual e regula a expressão das emoções. Também influencia a liberação de oxitocina, um hormônio importante para a formação de vínculo entre as pessoas.

Todos os participantes (os que meditaram e os que não participaram das aulas) registraram as emoções positivas e negativas vividas no cotidiano durante 61 dias.

Resultado: quem meditou registrou um aumento de emoções positivas, como alegria, interesse, serenidade e conexão com outras pessoas. Essas sensações foram acompanhadas de uma melhoria na função do nervo vago.

É um sinal de que uma dieta diária de emoções positivas favorece a saúde. E o mais interessante: esses benefícios podem ser mensuráveis.

Só meditar, no entanto, não adianta. A alteração na função do nervo só ocorreu naqueles em que a prática realmente ajudou a melhorar as emoções. Não houve mudança no padrão fisiológico entre os que meditaram, mas emocionalmente continuaram na mesma.

É um bom começo. Resta saber se os benefícios fisiológicos da prática e da mudança de olhar sobre os fatos são sustentáveis no longo prazo. Novos estudos estão em andamento.

Enquanto eles não ficam prontos, que tal colocar um pouquinho de gentileza no seu dia? Responder ao bom dia que alguém lhe deseja. Segurar a porta do elevador e oferecer passagem. Não avançar sobre a travessa de comida assim que o garçom a coloca sobre a mesa se decidiu dividir o prato com uma colega de trabalho – principalmente se você é homem e ela tiver idade quase suficiente para ser sua mãe.

Recentemente, recebi todas essas demonstrações de falta de gentileza. Nenhum dos autores as interpretou como gafe ou deslize. Se essas são as novas regras de convivência, prefiro viver à moda antiga.

Gentileza gera gentileza. Gentileza gera saúde.


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