Imagine que você está andando por um trilha e se depara com uma cobra. Em uma fração de segundo, você pula para trás. Seu cérebro agiu rapidamente, de maneira quase instintiva. Você não chegou a raciocinar se aquilo era mesmo uma cobra ou se ela era venenosa. Esse é um exemplo da forma rápida de pensar.
Essa forma de pensar é útil, pois permite reações rápidas, baseadas em informações limitadas. É importante em muitos momentos, mas pode levar a interpretações errôneas. No momento seguinte, você observa a cobra, seu cérebro conclui que ela não está em posição de ataque, que provavelmente não é venenosa e é bem pequena.
Além disso, seu cérebro observa que ela está se dirigindo para o mato. Você conclui que o perigo não é grande. Espera um pouco e continua sua caminhada. Esse segundo momento é um exemplo da forma lenta de pensar. Como é lenta, ela não te salvaria da picada de uma jararaca prestes a dar o bote, mas, exatamente por ser lenta, permite um julgamento crítico da situação, baseado em experiências anteriores e no conhecimento adquirido.
Imagine agora que você está caminhando pela calçada e se depara com uma pessoa desmaiada. Você pode parar para ajudar, uma atitude que poderíamos chamar de generosa (se você for generoso, talvez alguém vai te ajudar em caso de necessidade); ou você pode decidir que não é um problema seu e continuar sua caminhada, uma atitude que podemos chamar de egoísta (se todos forem egoístas, ninguém vai te ajudar em caso de necessidade).
Será que nossa forma rápida de pensamento é intrinsecamente generosa e nossa forma lenta leva a uma reação egoísta? Ou ocorre o inverso: nossa forma rápida de pensamento tende a produzir uma resposta egoísta e nossa forma lenta tende a produzir uma resposta generosa?
Para responder esta questão, um grupo de cientistas fez diversos experimentos com um número grande de pessoas. Um deles consiste em propor para grupos de quatro delas o seguinte jogo: cada uma recebe R$ 10 e o cientista as informa de que elas podem separar uma parte desse dinheiro e colocá-la em um "bolo" comum. A quantidade de dinheiro que cada um põe no "bolo" é decidida individualmente e os outros não são informados da decisão. O cientista informa também que o dinheiro colocado no "bolo" será duplicado (se houver R$ 4, o cientista colocará mais R$ 4 e o "bolo" passará a conter R$ 8), e o novo total do "bolo" será dividido igualmente.
É fácil entender que se todos os quatro jogadores forem generosos e colocarem seus R$ 10 no "bolo", R$ 80 serão divididos e cada um acabará com R$ 20. Mas se somente um jogador for generoso e colocar seus R$10 no "bolo", somente R$ 20 serão divididos por quatro e os três egoístas terminarão com R$ 15, enquanto o generoso acabará com apenas R$ 5. Durante cada rodada, cabe a cada jogador decidir se quer tomar uma atitude generosa ou uma atitude egoísta.
Resultados. Num primeiro experimento, 848 pessoas foram divididas em grupos de quatro e jogaram uma rodada do jogo descrito acima. Elas podiam levar o tempo que quisessem para decidir quanto contribuiriam para o "bolo", mas os cientistas marcaram o tempo que cada um levava para decidir. O resultado demonstrou que as pessoas que decidiam em menos de 10 segundos contribuíam para o "bolo" 65% do dinheiro recebido. As pessoas que levam mais de 10 segundos para decidir tinham um comportamento mais egoísta, contribuindo em média 50% para o "bolo". O mais interessante foi que os que decidiam instantaneamente (1 segundo) contribuíam até 85% e os que levavam até 100 segundos contribuíam apenas 35% para o "bolo".
Em um outro experimento, com quase mil pessoas, os voluntários foram instruídos a decidir quanto contribuiriam em menos de 10 segundos. Nesse caso, a média de contribuição foi de 65%. Quando eles eram forçados a pensar mais por de 10 segundos antes de decidir, a contribuição média caía para 35%. Diversos outros experimentos em que o tempo de reação era relacionado com atitudes egoístas ou generosas chegaram ao mesmo resultado.
Os cientistas acreditam que esse resultado demonstra que somos instintivamente generosos, ou seja, que nosso modo rápido de pensar leva à generosidade da mesma maneira que nos leva a fugir de qualquer coisa que se pareça com uma cobra. Provavelmente, é um resquício do tempo em que vivíamos em pequenos grupos, em que a colaboração era essencial para a sobrevivência de todos. Já o pensamento lento, mais racional e influenciado pelas experiências anteriores e pela educação, resulta em um componente maior de egoísmo, talvez um reflexo da vida em sociedades complexas, onde nossa decisão de não ajudar uma pessoa desmaiada não nos exclui automaticamente da possibilidade de sermos ajudados num momento de necessidade.
A conclusão é de que somos programados para, no caso de termos de agir rapidamente, optarmos por uma atitude generosa. Se isso é verdade, nossa sociedade se tornará muito melhor se não pensarmos muito antes de ajudar o próximo.
Fernando Reinach
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