Dormir com os anjos?
Todas as noites, ter sonhos com monstros e perseguições?
Parece desesperador?
Todas as noites, ter sonhos com monstros e perseguições?
Parece desesperador?
Nem tanto. Ter tantos pesadelos pode ser bom...
Estou em uma praia paradisíaca em Bora Bora. A água é azul-turquesa, a areia é muito branca, o dia está ensolarado. De repente tudo faz silêncio. Olho para o mar e vejo ondas gigantescas se aproximando. Vinte, 30, 40 metros de água chegando cada vez mais perto. Saio correndo para me proteger. Entro em um castelo medieval (?) e tranco as portas, mas as ondas o destroem. Continuo correndo. Entro em outra casa para me esconder, mas a maré também a engole. É então que acordo, apenas para reconhecer minha cama quentinha - e adormecer de novo. Começo a sonhar outra vez. Agora estou de férias num parque de diversões, cuja grande atração é a casa mal-assombrada. Lá dentro, leões que andam sobre duas patas e vestem cartolas e bengalas serão alimentados com bebês humanos. Angustiada, tento salvar as crianças, mas tudo que consigo é atrair a atenção dos leões para mim. Mais uma vez, saio correndo para fugir das feras. Corro tanto que chego ao fim do parque, à beira de um desfiladeiro. Estou tremendo de medo - e acordo. Foram dois pesadelos na mesma noite, mas não estou assustada. Nos últimos anos, já fui enterrada viva, participei de sessões de canibalismo, vi crianças se matando, comi ratos vivos, fui envenenada e morri centenas de vezes. Faço parte dos 2 a 6% da população mundial que tem pesadelos recorrentes, mais de uma vez por semana (no meu caso, quase todos os dias). Mas sou apenas o exemplo extremo de algo que todo mundo tem: sonhos ruins - que têm lógica, importância e significado próprios dentro do delirante mundo dos sonhos.
Ter muitos pesadelos, na verdade, não é coisa extraordinária. Um dos maiores estudos já feitos sobre conteúdo dos sonhos, que analisou 500 homens e 500 mulheres, mostrou que é muito mais comum sentir medo, ansiedade e apreensão durante a noite do que alegria ou felicidade. E que, em um terço dos sonhos, a pessoa passa por algum grande "infortúnio": doenças, ameaças, morte. Elementos sobrenaturais são comuns (alô, leões bípedes de cartola?). Durante a infância, quase metade das crianças tem pesadelos todas as semanas. Na vida adulta, as mulheres sofrem mais com eles do que os homens, e fortes emoções são mais frequentes nos sonhos delas - 57% contra 41%. (Isso faz sentido porque, ao longo do milênios, mulheres foram vítimas mais frequentes de ataques e violência.) Pesadelos fazem parte da vida noturna de qualquer pessoa, o que indica que talvez tenham alguma função evolutiva, e sejam pouco mais do que apenas um capricho do cérebro dormindo.
Uma das teorias que explicam a importância dos sonhos ruins vem do psiquiatra Allan Hobson. Para ele, pesadelos são uma espécie de treino para situações de perigo. Fomos selecionados durante milhões de anos de evolução para ter um cérebro que é naturalmente amedrontado - o que explica, por exemplo, o fato de o pesadelo mais comum ser o que envolve algum tipo de perseguição. Ou seja, aqueles que têm muitos pesadelos estariam em vantagem evolutiva, pois ficariam mais alertas e preparados na vida real. E, assim, teriam mais chances de sobrevivência. Neurologicamente, a teoria faz sentido porque uma das áreas mais ativadas durante o sono REM é a amígdala, aquele pedacinho do cérebro que controla a ansiedade e o sistema de fuga ou luta dos animais. "Quem tem mais sonhos desagradáveis fica mais regulado emocionalmente", diz Flávio Aloe, coordenador do Centro Interdepartamental de Estudos do Sono do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Mas, se existe um fator que os sonhos ruins realmente preveem, é a personalide. Quem tem pesadelos plausíveis, como não conseguir terminar uma prova a tempo, por exemplo, costuma ter grande capacidade de concentração e habilidade para separar o pensamento racional do emocional. Já as pessoas no outro oposto de personalidade têm dificuldade em distanciar a razão da emoção, são mais vulneráveis a situações de estresse, e passam boa parte da vida (acordada) viajando em pensamentos distantes. Mas nem tudo é ruim. "Quem passa a vida tendo pesadelos tem tendências artísticas e criativas que não são encontradas nos outros grupos", diz Patrick McNamara em seu livro Nightmares. São essas as pessoas agraciadas com sonhos de alienígenas e banquetes canibais.
Eu mando agora
Na teoria, não faz muita diferença se os seus pesadelos são banais ou esdrúxulos. O que importa é a sensação desagradável que eles causam. Mas, no limite, se os pesadelos forem recorrentes ou muito extremos, eles podem ter consequências negativas para a vida acordada (poucas coisas são piores do que sonhar que está sendo enterrado vivo, acredite). Pesadelos já foram associados a depressão, ansiedade crônica, esquizofrenia e até tendências suicidas. Por isso, não faltam métodos para ajudar a diminuir os sonhos ruins em casos crônicos. Uma das maneiras mais polêmicas - e que tem cara de ficção científica - é ensinar à pessoa que sofre de pesadelos recorrentes a ter sonhos lúcidos. Em outras palavras, é fazer com que o sonhador reconheça que está sonhando, entenda que todas aquelas ameaças não passam de criações da mente e tente modificar o enredo do sonho racionalmente. Alguns sonhadores experientes relatam conseguir voar e fazer sexo quando quiserem, e até escolher o cenário dos sonhos, no melhor estilo A Origem. E o assustador é que já há estudos que legitimam seus resultados.
O problema do sonho lúcido é comprovar sua existência. Como um cientista pode observá-lo se ele acontece apenas dentro da cabeça do sonhador? Para isso, Stephen LaBerge, um psicólogo da Universidade Stanford que dedicou sua vida a estudar esse fenômeno, encontrou uma solução. Ele pediu que os voluntários escolhessem o enredo de seus sonhos antes de dormir e indicassem com movimentos específicos dos olhos o momento em que começassem a sonhar (já que o olho não fica paralisado durante a noite). As ondas cerebrais e os sinais vitais dos voluntários eram medidos a noite toda. Como num milagre, a partir do momento em que os adormecidos davam o sinal de que estavam sonhando, as partes do cérebro e as reações do corpo combinavam perfeitamente com o tema do sono. Se a pessoa estivesse correndo, sua respiração ficava ofegante. Se ela estivesse voando, as áreas do cérebro ligadas a movimentos espaciais eram acionadas. "Isso explica por que os sonhos parecem reais. Para o cérebro, eles são reais", diz LaBerge em seu livro Lucid Dreaming. Foi o que ele precisou para ter certeza de que o sonho lúcido existia.
E o que isso significa para quem sofre de pesadelos constantes? Bem, que daria para afastar os perigos imaginários enquanto o pesadelo está acontecendo. Apesar de algumas descobertas de LaBerge ainda serem questionadas no meio acadêmico, poucos duvidam de que seja possível saber que se está sonhando (você já deve ter sentido isso também). Daí, para entender que aquele gremlin mutante que está prestes a comê-lo é apenas coisa da sua imaginação, é só um passo. Foi o que aconteceu comigo, involuntariamente, quando percebi que teria pesadelos toda vez que adormecesse. Certa noite, sonhei que estava caindo. Era uma queda angustiante, e vi que o chão se aproximava. De repente, percebi que não era a primeira vez que aquilo acontecia comigo - e que eu estava viva e que aquilo só poderia ser um sonho. Foi o que bastou. Nesse instante diminuí de velocidade e caí suavemente no chão. Depois desse dia, os sonhos inquietantes não pararam de aparecer - mas nunca mais deixei que me assustassem.
Como controlar seus sonhos?
O especialista Stephen LaBerge dá um passo a passo
1. Faça um diário
Anotar sonhos incentiva você a lembrá-los e prestar atenção quando ocorrem. Quando estiver acordado, pergunte-se sempre: "Isso é um sonho?"
2. Saiba que é sonho
Durante o sonho, tente ler objetos: se você não conseguir, é sonho. Dica: faça o mesmo acordado. Parece bobo, mas ajuda a transformar em ato inconsciente.
3. Redistribua o sono
O último passo é fatal: durma 6 horas; acorde, ande pela casa; durma mais duas. LaBerge garante que as últimas são ótimas para sonhos lúcidos.
por Karin Hueck
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