terça-feira, 9 de julho de 2013

LUIS FERNANDO VERISSIMO - O debate

O apresentador entra no palco, onde estão três cadeiras.

Apresentador – Boa noite. Teremos hoje o último debate da nossa série Criacionismo ou Evolucionismo: Qual é a sua? Afinal, fomos feitos por Deus ou descendemos dos macacos? O debate desta noite é o que todos estavam esperando, o que explica o auditório lotado e as cadeiras extras. Durante toda a semana tivemos aqui embates memoráveis entre defensores do criacionismo e defensores do evolucionismo, culminando com o debate de ontem, entre Richard Dawkins e o padre Rossi, que foi abandonado por Dawkins aos gritos de “Não. Não!” na metade, quando o padre Rossi ameaçou cantar.

E quem poderá esquecer o debate de quarta-feira sobre racionalismo empírico versus dogmatismo religioso entre Rene Descartes e Blaise Pascal, o desentendimento que começou quando Descartes confundiu “dogma” com “dogman” e perguntou se o Homem Cachorro era um novo super-herói dos quadrinhos e continuou quando Descartes reagiu a um argumento teológico de Pascal gritando “Au secours!” e Pascal ouviu mal e protestou “Olha o nível”, até se esclarecer que Descartes estava pedindo socorro.

Depois disso não houve entendimento possível e todos se lembram de como acabou a noite. Por sinal, para os que ficaram preocupados, informo que Descartes já saiu do hospital e está em repouso, em casa. Mas vamos ao grande debate desta noite. Os dois participantes não precisam de apresentações. O primeiro é... Charles Darwin em pessoa! Mr. Darwin, por favor.

Charles Darwin entra no palco e é aplaudidíssimo por parte da plateia. O resto da plateia aplaude educadamente.

Apresentador – Charles Darwin, quem não sabe, é o fundador do evolucionismo. Foram seus estudos sobre a adaptação dos genes ao meio e a seleção natural que deram origem a teoria da evolução das espécies, inclusive a espécie humana, que descenderia dos macacos. Apesar de estar morto desde 1882, Mr. Darwin concordou, gentilmente, em participar do nosso simpósio, principalmente quando soube quem seria o outro debatedor. Não é, Mr. Darwin?

Darwin – É. Será uma oportunidade para esclarecer alguns pontos.

Apresentador – E aqui está ele, senhoras e senhores. O outro debatedor desta noite. O grande, o eterno, o nunca assaz louvado... Deus Nosso Senhor!

Deus entra no palco saudando o público e é recebido com uma ovação. Parte da plateia grita “Senhor! Senhor! Senhor!”. Deus senta à direita do apresentador, Darwin à esquerda.

Darwin – Senhor, eu queria aproveitar esta oportunidade para dizer que, em momento algum a minha teoria negou a sua existência, ou desrespeitou o seu poder. Eu vivi e morri como um cristão. Só não podia esconder minha descoberta.

Deus – Eu sei, meu filho, eu sei. E você estava certo.

Darwin (surpreso) – Eu estava certo?!

Deus – Estava. Aquela história que eu criei o homem do barro, à minha imagem, e depois fiz a mulher da sua costela... Tudo literatura. Licença poética. O homem descende do macaco. Eu quis que fosse assim. E quis que você descobrisse. A sua obra é a maior prova de que eu (aliás, Eu) existo. E mando. Num mundo regido pelo acaso você dificilmente chegaria aonde chegou.

Apresentador – Então o senhor acredita num...

Deus – Evolucionismo dirigido. Um pouco como o capitalismo na China.

Darwin – Mas então por que tanta gente resiste à ideia de que o homem descende do macaco e não foi criado por Deus à sua imagem?

Deus – Ah, meu filho. A vaidade humana nem Eu controlo.

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