“Aonde quer que eu vá, descubro que um poeta esteve lá antes de mim.” Essa frase é atribuída a Freud e pode ser encontrada entre as pérolas mais cultivadas da internet, ainda que não conste em que espaço ela está inserida na obra do criador da psicanálise.
— Freud é o máximo — declarou distraidamente o Raul numa mesa do Café Severino.
— Esse máximo não quer dizer rigorosamente nada — provocou a Carla.
— Por que só você quer dizer alguma coisa fundamental quando diz qualquer bobagem? Por que eu não tenho o mesmo direito? Porque sou homem?
— Por falar em Freud — cortei eu —, li num dos livros de Bioy Casares que uma vez, numa palestra na Sociedade de Psicanálise, em Buenos Aires, quando alguém falou em eleição, muitos entenderam ereção.
— Muito apropriado — disse o Otávio, rindo.
Era a deixa certa para a nossa amiga Carla voltar ao ataque:
— Nada faz rir os homens mais do que uma piada de fundo sexual.
— Não é o que também acontece nas reuniões entre mulheres?
— Não — respondeu Clara. — O que mais nos faz rir é a ignorância de vocês quando falam de nós.
— É que vocês são muito profundas — cutucou o Gabriel, marido da nossa bela amiga.
— Profundas como um pires — completou Otávio.
E todos riram da velha piada.
E passamos a uma brincadeira que sempre nos diverte, que é a citação de pérolas e de episódios edificantes da história. Reais ou inventados. E o Gabriel, mais falante naquela tarde, contou que Beethoven, por já estar completamente surdo quando compôs suas últimas obras, sem conseguir, assim, ouvir a música que criava no piano, mandou encurtar as pernas do instrumento para poder abraçá-lo com todo o corpo. Com isso ele “ouvia” a música que compunha com o coração encostado no piano!
— Isso é verdade ou é inventado?
— Li como verdade — afirmou Gabriel.
— Que interessa saber se é verdade? É uma linda história, e isso é que interessa — completou o Otávio.
— Onde é que você leu isso? — perguntou Carla ao marido.
— Não tenho certeza, mas acho que foi num livro do Jorge Luis Borges.
— Meu Deus, que revelação! Somos casados e eu nunca vi você com um livro do Borges nas mãos.
— Ah, e você acha que sabe tudo a meu respeito?
— Pelo menos o essencial eu pensei que soubesse.
Antes que começassem as alfinetadas entre marido e mulher, voltei a Bioy Casares, que citou um editor americano que comparou um livro ao iogurte:
— Um livro não deve ficar mais do que quinze dias na estante. Perde a validade.
Foi quando o Otávio perguntou:
— Já pensaram que um dia, em meio a escavações feitas na Inglaterra, alguém possa encontrar um diário atribuído a Shakespeare, datado dos anos 1600, em que se leia em uma de suas páginas o seguinte registro: “O teatro às vezes me cansa. Tomara que inventem logo o cinema!”?
— Já pensaram nessa possibilidade?
— Santa idiotice! — exclamou Carla.
E, antes que a conversa enveredasse totalmente pelo caminho do absurdo, pagamos a conta e nos dispersamos na primavera do Leblon.
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