A vida tem sofrimento, mas com ele vem a inspiração
Eu estou em crise. Em épocas assim, as pessoas perguntam o que está acontecendo, como tudo começou, qual a perspectiva de melhora. Contando a mesma história para muita gente e passando a vida a limpo, numa espécie de sessão de terapia contínua, o resultado pode ser bastante confuso: não percebi o que estava acontecendo? Errei? Não me controlei? Não sou madura o suficiente?
De todo esse período, venho sistematizando algumas ideias, que vão contra a corrente dos livros de autoajuda, mas que me parecem mais atadas à minha realidade do que pregam os gurus do autocontrole e da “vida bem resolvida” (e aqui crio uma rima pobre por falta de sinônimo melhor para a expressão). Eu não espero que você, caro leitor, concorde com todas – nem mesmo com uma delas. O objetivo deste texto, assim como todos os outros deste blog, acredito, é compartilhar pensamentos e propor reflexões. Certo ou errado não são os tópicos aqui.
“É preciso ser forte”: como disse uma amiga minha, eu quero é ser fraca. Chorar, sofrer, desabafar fazem parte das rotinas humanas e não é vergonha nenhuma dizer que a dor está muito forte e que está difícil de segurar. Deixar lágrimas escorrerem em público, querer passar um dia triste, sentir que está sem chão naquele momento não fazem de você uma pessoa frágil e que não agradece pelos inúmeros momentos de felicidade que vive. Do mesmo jeito que o corpo dá sinais de alerta, com dores, para nos dizer que há algo errado, nossa mente e nossas emoções mostram que há pontos complicados na vida. E, assim como o físico, não há cura para tudo – mas também há sempre algo que ajuda a diminuir o peso. Em todos os casos, buscar tratamento – e ser firme nele, até os últimos recursos – também é sempre possível.
“Viver não é complicado. Somos nós que complicamos a vida”: mentira deslavada (ou sem-vergonha, que é um sinônimo mais saboroso, mas muito menos conhecido da palavra). Viver é complicado, sim. Amar alguém, e ser amado por ela, não torna as relações fáceis. Escolher uma profissão e gostar do que faz não evita que queiramos jogar a toalha às vezes. Amar os filhos não anula erros na criação. Amar os pais não impede que possamos ofendê-los quando queremos que eles se cuidem. Ver avós morrendo, seguindo a trajetória natural da vida, não torna a separação menos sofrida.
Somos bichos complicados, inseguros, com medo de fazer escolhas erradas, traumatizados pelos eventos do passado. Isso implica que vamos errar, ferir, ofender, distorcer, recuar, mudar, tantas vezes quantas forem necessárias no meio do caminho. Pedir desculpas não vai adiantar, mas também mal não irá fazer. Dizer que aquilo serviu de aprendizado para não fazer de novo é meia verdade, porque sempre podemos errar novamente – mas, como meia verdade, isso também tem, obviamente, seu lado genuíno.
“Seja firme nas suas decisões”: não sei se acontece com todos, mas às vezes eu passo longos minutos olhando o cardápio, penso seriamente em que prato pedir, faço a escolha confiante e, quando chega a refeição, percebi que me enganei: o molho não era o que eu pensava. Seria ótimo se longos momentos de reflexão garantissem a decisão mais acertada, mas, se isso não é assim nem com a comida, que dirá com as emoções, com as relações, com os gostos. Eu detecto em minha vida algumas certezas: amo algumas pessoas, aprecio fazer determinadas coisas, quero cumprir certos objetivos (de vida profissional e de mudança ou evolução de personalidade). São pontos que não têm mudado com o tempo, mas, para continuarem assim, elas precisam ser cultivadas a cada novo dia. Então, eu não sou firme com as minhas decisões: eu as repito todo dia. Entende a diferença?
Se houver um modo mais fácil de ser humano, imperfeito, emotivo, confuso e inseguro, serei a primeira a segui-lo. No momento, apenas sigo sendo humana, ciente do que é sê-lo, mas sem a certeza de que conheço tudo da minha própria humanidade.
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