segunda-feira, 7 de outubro de 2013

MANOEL CARLOS - Metas, planos & sonhos

 
Não, possíveis leitores, não se trata de uma crônica sobre economia e finanças, como o título parece sugerir, já que nunca me dei bem com os números. A tal ponto isso é verdade que até bem grandinho não sabia fazer contas de dividir por dois algarismos. Também à matemática devo minhas duas reprovações no ginásio, antes de abandonar de vez os bancos escolares. E dos muitos planos que tracei, das metas que tentei fixar, muita coisa ficou no território dos sonhos, como acontece a tanta gente. Não lamento. Antes sonhar sonhos impossíveis do que simplesmente não sonhar. Só há que tomar cuidado para um dia não despencar no vazio, ao olhar para trás e ver quão pouco foi conseguido na vida.

Viver é ganhar ou perder um dia após outro? Sonhar nos empurra para a frente, como ao Quixote, de Cervantes? E fazer planos? Será a maneira mais eficaz de manter a esperança? Alguém já afirmou que o improviso é mais importante que o método, e viver é só respirar. Que o resto é lucro.

Lembro de sonhos que sonhei na juventude. Sonhos de amigos também, quando fazíamos projetos, quase sempre na mesa de um bar, fugindo do frio e da garoa das noites paulistanas. Ouço a voz de um deles anunciando com convicção:

— Ainda vou conhecer Veneza!

Alguns anos mais tarde, todos nós casados e com filhos pequenos, ainda ouço o mesmo amigo revelando:

— Sonho ver meu filho formado, de diploma na mão!

E já na casa dos 60 anos, a mesma voz, agora um pouco rouca, garantindo a quem quisesse ouvir:

— Agora que me aposentei, que os filhos já se formaram, agora, sim, vou partir para a realização de alguns sonhos há muito tempo sonhados.

Dos sonhos literários da minha juventude, o mais vivo na memória me leva aos remotos 17 ou 18 anos, quando li A Metamorfose, de Kafka, escritor checo que morreu em 1924. Fiquei tão impressionado com aquela explosão de criatividade, tão fascinado com a atmosfera e o cenário humano em que era vivida aquela história aterradora que sonhei conhecer Praga, na então Checoslováquia.

Não havia plano, nem meta a cumprir. Seria um dia, qualquer um, perdido no futuro. Passaram-se mais de cinquenta anos até que eu descesse de um avião, acompanhado da minha mulher e dos meus filhos, e pisasse no chão daquela bela cidade, respirasse o ar daquele pesadelo vivido por Gregor Samsa, o jovem que acorda de manhã transformado numa barata. Tão bem eu conhecia Praga, através de mapas e livros que colecionava, que orientei o taxista novato até o cemitério judeu, uma das metas da minha viagem. E lá ficamos por alguns minutos, diante do túmulo de Franz Kafka. Meus filhos, ainda crianças, olhavam à volta, curiosos. Certamente procuravam a razão de estarmos ali, onde não tínhamos parentes sepultados.

E tendo, para isso, cruzado um oceano! E aí, só aí, revelei o propósito daquela visita:

— Estou realizando um sonho da minha juventude!

Não gosto quando desaconselham sonhar às crianças e afirmam que é preciso viver com os pés no chão. Por que, pergunto eu, se é tão bom abrir as asas e voar?
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