Quem não quer biografias está certo num ponto:
privacidade se tornou um problema novo e bastante sério
Ela se chama Fran. Tem 19 anos, mora em Goiânia. Trabalha como vendedora em uma loja de roupas. No início de outubro, um ex-namorado levou à rede, por vingança, um vídeo. Não é apenas explícito pelo que mostra. É ainda mais explícito no que revela: uma moça feliz. Encantada com seu parceiro.
Entregue. A pornografia é seca e fingida. Ali, não. É pessoal, íntimo, dolorosamente real.
Aguentar o baque de uma exposição pública deste nível é para poucos. Força para Fran. Ela precisará.
Aguentar o baque de uma exposição pública deste nível é para poucos. Força para Fran. Ela precisará.
Há um ponto, na discussão sobre biografias, em que os defensores da censura acertam, uns mais, outros menos. A questão da privacidade está ficando mais importante. Os mais ameaçados, porém, não são as estrelas da cultura, política ou esportes cujas vidas há décadas sob holofotes despertam interesse público. Os mais ameaçados somos todos nós e livros não são os vilões do caso. É a nova tecnologia da informação. A mesma tecnologia que permite a um lavrador no interior da África ter acesso, via celular, a dados sobre clima que permitem planejar sua horta, também permite o assassinato de reputações. É muito fácil filmar, fotografar e distribuir.
No início do mês, a Califórnia fez publicar uma das primeiras leis do mundo específicas contra o que chamam de “Revenge Porn”. A pornografia da vingança. É uma lei fraca que só proíbe a disseminação de imagens por quem as capturou. Se a moça tirar um autoretrato e enviá-lo para o rapaz, não vale. Em novembro passado, a presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei que altera o decreto 2.848 de 1940. É a Lei Carolina Dieckmann. Pune quem pega sem permissão dados do computador de outro, pune mais quem após pegar distribuir tal informação. Pega hackers e técnicos que metem o bedelho nas máquinas que consertam mas não atinge ex-namorados.
Não é o único problema que surge com a internet para o qual não há leis perfeitas. Mas é possivelmente um dos mais graves embora receba menos atenção.
Quando um artista famoso é atingido na intimidade, sua dor é ouvida. Mas isso é raro de ocorrer. Em geral, as vítimas são anônimas. As imagens circulam, rendem comentários os mais agressivos, ficam na rede para sempre. Quem as viu num mês, esquece. As vítimas têm o resto da vida para lidar com aquilo. Estão sempre a um Google de distância. Uma das moças que sofreu com isso, nos EUA, mudou o nome legalmente para fugir do legado. Aí alguém ligou seu novo nome às antigas imagens. Não há fuga.
Os problemas de privacidade violada na web não se limitam ao sexo filmado e posteriormente distribuído por vingança ou só maldade. Informação sobre saúde entra na conta. Dívidas. Brigas passadas. Fotografias da juventude. Às vezes é uma vergonha pequena, às vezes chega no limite da dor que Fran deve estar sentindo. Não é apenas uma lei para lidar com todos os casos que não temos. É também uma etiqueta. Uma convicção, por parte de todos, de que certas coisas não deveriam ser feitas. O mundo mudou, não estamos preparados ainda para lidar com todos os novos problemas.
Quando o celular da atriz Scarlett Johansson foi hackeado e suas fotos tornadas públicas, inúmeros usuários da web se fotografaram imitando a pose. Se expuseram por solidariedade. No caso de Fran, em um momento do vídeo ela faz com a mão o gesto de OK. Tem muita gente por aí se fotografando com o mesmo gesto. Solidariedade é ainda o que nos salva.
(Sobre o direito à privacidade)
(Sobre o direito à privacidade)
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