sexta-feira, 18 de outubro de 2013

JULIANA DORETTO - “Você não terá carreira”

Você tem de entender que, para uma mulher nas suas condições, é muito difícil ter uma carreira. Você tem de fazer da profissão dele uma parceria, uma empreitada a dois, e contentar-se com o estilo de vida que a carreira dele pode lhe proporcionar.” Ouvi essa frase de um chefe do meu então companheiro, cujo trabalho exigia temporadas longas no exterior. Ainda que eu tenha argumentado que a internet hoje possibilite novas relações de trabalho; que minha profissão seja versátil e flexível; e que minhas intenções de seguir carreira acadêmica sejam mais um campo a explorar, nada pareceu convencer aquele senhor de que eu poderia ter algum sucesso profissional, a não ser se eu me atrelasse à carreira de uma outra pessoa.

Pergunto-me se ele diria o mesmo se eu fosse homem…

Fui acusada de ser inferior a um parceiro por não ter a mesma carreira que ele; fui ignorada por colegas de trabalho dele por não ser do mesmo grupo profissional; fui inúmeras vezes questionada: “Mas por que você não quer fazer o que ele faz? Você iria ganhar muito mais”. A resposta “Não é minha vocação” não pareceu convencer meus interlocutores.

Cansei de dizer que não, ainda não terminei aquele “curso”: desisti de explicar que uma pesquisa de doutorado leva quatro anos e que não faço isso para “me ocupar”, mas que se trata do meu plano de vida. Nunca vi homens que estavam em condição semelhante à minha passarem pelo mesmo que eu.

Agradeço aos meus pais por terem me possibilitado escolher a profissão que quis e por terem me deixado sair de casa, antes de completar 18 anos, para estudar na capital paulista – do mesmo modo como fizeram com meu irmão mais velho. Lembro-me de que alguns diziam a eles: “Mas vocês vão deixar uma menina ficar sozinha em São Paulo?” ou ainda “Por que vocês não a convencem a fazer medicina? Vai ganhar muito mais dinheiro”.

E quando, já formada, decidi pedir demissão e abrir uma empresa, para trabalhar como profissional “freelancer” e poder me dedicar mais ao meu mestrado, meu pai não soltou “Você é louca”, mas aceitou ser meu sócio e me indicou um contador.

Nesse caso, tenho certeza de que eles fariam o mesmo se fosse meu irmão que tivesse lhes dito isso.

Em 1950, minha avó se casou aos 28 anos e ainda me dizia que poderia ter esperado mais — apesar dos comentários de que ela já estava velha demais. Nos anos 70, minha mãe tirou a carteira de motorista escondida de meu avô, porque ele não queria ver a filha dirigindo. Pagou o curso e as taxas com o dinheiro de seu trabalho. Não serei eu, nos anos 2000, a quebrar a tradição de família. Sinto muito, mas não aceito que me digam o que posso ou não fazer. Não aceito que me achem inferior a quem quer que seja – muito menos por não ter o mesmo gênero, ou o mesmo salário, ou pior, o mesmo “status”.

Não aceito que me considerem um enfeite, acompanhando – de preferência, bem trajada e maquiada – o sucesso de alguém. Sinto muito, mas eu terei uma carreira, sim. Aliás, já tenho.

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