Não sou do frio, não gosto de chocolate e enjoo fácil de queijo. Mesmo dos mais saborosos. Não fosse a saudade apertada do marido que estava me esperando no desembarque, diria “o que estou fazendo aqui?”. Ora, aqui é a minha casa. E embora reconheça algumas características maravilhosas do país que me recebeu há quase dois anos, confesso, com uma dose de lamento, que ainda é difícil pousar e voltar.
Era. Porque hoje não vou falar da saudade do que deixei. Agora decidi me apaixonar.
Para provar o meu empenho, não vou mais reclamar (muito) dos preços altos de quase tudo, da frieza das pessoas, da culinária acanhada, do preconceito sutil, dos impostos e seguros pagos para coisas inimagináveis, de algumas burocracias bobas (porém eficientes), das multas levadas pela vigilância implacável, do frio, do frio, do frio. Vou me abrir com determinação para viver o que amigos me disseram, com base nas suas experiências, e que me fariam amar este que agora é o meu lugar.
Para quem quiser me acompanhar: a primeira sugestão que recebi foi a de apreciar as mudanças causadas pelas estações muito bem definidas, e assistir com mais reverência as flores brotarem na primavera, o calor mudar as cores no verão, o outono ilustrar com mil pantones a vegetação e entender que o inverno, embora muito longo, tem a chance também de mudar o estilo da nossa diversão. Aproveitaram e me mostraram um ponto de vista singular: que a Suíça apresenta os panoramas do ângulo de cima, pois em quase todas as estradas e atrações a natureza é apreciada com metros calibrados de altitude, o que faz o ato de enxergar as coisas do alto ser realmente algo divino.
Observaram que a falta de sol durante uma parte expressiva do ano provoca um efeito interessante: uma vontade maior de estar ao ar livre. Por isso a estrutura e as informações para a prática de esportes outdoor é excelente e a oferta de atividades das mais diversas é impressionante e acessível a todos os tipos de públicos e em qualquer período do ano. Também mencionaram a solidariedade de um sistema econômico e de seguridade social que ampara a todos, minimiza as diferenças aparentes entre pobres e ricos e tiraniza as demonstrações de riqueza e a ostentação, influenciando hábitos de vida mais simples e tornando as possíveis exigências de status menos opressoras. Disseram que o silêncio é apaixonante, como uma vez já concordei aqui.
Não se esqueceram da educação suíça, onde as escolas oferecem um ensino tão superior e qualificado que aqui escola particular, com exceção das opções bilíngues, é muitas vezes a alternativa para quem não passa de ano na rede pública. Assim como um outro aspecto da educação que se reflete na gentileza nas relações, revelando um povo cortês e amável na rotina do dia a dia.
Lembraram que a Suíça valoriza a família e as crianças, com um calendário escolar que possibilita férias para se aproveitar as temporadas nas diferentes estações do ano, e propicia atividades inclusivas, além de numerosos e cinematográficos parques nas áreas urbanas. A pontualidade também surgiu com o seu encanto. É um charme e uma demonstração de respeito ao tempo do outro. Ponto.
Estou certa de que há muitas outras coisas que vou notar e que ainda vão me contar. É só manter esse exercício de aprender a enaltecer coisas novas e concentrar nosso prazer naquilo que a nossa consciência se habituou a não perceber e valorizar. A falta que nos faz aquilo que já amamos é uma armadilha que pode escurecer nossos horizontes e subtrair o deslumbramento de tudo o que temos a chance de descobrir. E esse é o meu plano: não deixar a chama apagar. Porque sim, agora descobri que já tenho motivos para me apaixonar.
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