Num encontro internacional no Rio de Janeiro, o Rio Content Market, o professor Jonathan Taplin, da Universidade do Sul da California (USC), especialista em comunicação e entretenimento, declarou do alto de sua autoridade acadêmica que “o próximo centro de explosão de criatividade cultural do planeta será o Brasil”.
Bem, a declaração do professor americano não me surpreende nem me comove, há algumas décadas que eu e muitos outros brasileiros já sabemos disso. Aliás, foi isso mesmo que Stefan Zweig quis dizer, em meados do século passado, quando afirmou que “o Brasil é o país do futuro”. Ao que o poeta francês Paul Claudel, servindo seu país por aqui, acrescentou maldosamente: “et il y restera” (e assim continuará sendo).
Somos o Extremo Ocidente, a Roma Tropical de Darcy Ribeiro, sucessores da civilização grega como origem do que somos, luso-africanos para sermos ainda mais diferentes e modernos. Sim, possuímos equipamentos culturais que podem nos permitir interferir no rumo da civilização planetária num nível de generosidade, fraternidade e tolerância, do qual a humanidade não foi até aqui capaz.
Esse conjunto de elementos forma a indubitável vocação de grandeza do Brasil; pena que o Brasil viva de não realizar as suas vocações. Sobretudo as grandes.
Agora mesmo passamos por um outro momento de expectativa em relação a nosso futuro, uma expectativa compartilhada pelo mundo afora. De “subdesenvolvidos” e “terceiro-mundistas” no passado recente, viramos “emergentes”, um progresso vocabular de respeito. E, como “emergentes”, esperam de nós uma economia triunfante e uma explosão cultural.
Sei que estamos todos preocupados com a corrupção de nossos políticos, com a promiscuidade nas relações deles com o crime e a contravenção. E fazemos bem em nos preocuparmos com isso. Mas o que hoje chamamos de corrupção sempre foi uma característica indelével do que, sob vários disfarces, constituiu nosso estado escravagista e patrimonialista desde o império. Chamá-la hoje de “corrupção” é portanto criminalizar esse mau costume de nossas elites políticas. O que já é demonstração de avanço.
A corrupção é a filha troncha da mesma família cultural, política e institucional que gerou a nossa velha tradição autoritária. Pois entre nós, ainda desde o império, a democracia tem sido uma fantasia que vestimos durante os dias de carnavais periódicos de liberdade, como o que vivemos hoje. Mesmo quando, durante esses períodos, todos os lados juram-lhe amor eterno, a democracia é sempre confundida com nossos próprios interesses ideológicos e materiais, prisioneira de seus limites.
O filósofo contemporâneo Slavoj Zizek se insurge contra o que diz ser uma moda na filosofia pós-moderna, a de se tomar a verdade como algo opressivo que deve ser substituído apenas por opiniões. Mas é uma pena que um certo pós-modernismo, um pouquinho que fosse, não nos tenha chegado às nossas disputas politicas! Quem sabe aprenderíamos que não é democrático possuir a verdade e, em nome dela, desqualificar ou pregar a eliminação de quem não está de acordo conosco.
No Brasil, as concepções de mundo que gerem a política são quase sempre abrangentes, absolutas e totais. E toda ideologia totalizante acaba sempre por gerar uma prática totalitária.
Todas as grandes revoluções modernas de libertação, idealizadas e lideradas por intelectuais e líderes cultos, da Revolução Francesa à Cubana dos anos 1960, da Revolução Soviética aos Aiatolás do Irã, da independência da Argélia à Grande Marcha na China dos anos 1940, terminaram sempre em longas noites de terror, graças à incapacidade que tiveram de mudar sem oprimir, de libertar em liberdade. Não basta ser inteligente e saber das coisas, a “Porta do Inferno” de Rodin era dominada por um pensador.
O historiador Bóris Fausto, no livro “Ócios e negócios”, diz que, no Brasil da segunda metade do século 20, o interesse pela Revolução Francesa (1789) tinha, como contrapartida, o total desinteresse pela Revolução Americana (1776), por parte de professores e alunos universitários. Assim perdiam-se questões sobre o modelo da República, da competência legislativa, da natureza do governo central, da autonomia dos estados, da separação entre os poderes, do papel exercido pela Suprema Corte, que, quando afloradas, eram vistas como filigranas da superestrutura de um país imperialista.
Não é preciso amar a cultura política americana para perceber que, com isso, o processo de construção de instituições democráticas, tema hoje indispensável no mundo todo, era simplesmente ignorado no Brasil. E assim não se falava mais da única revolução que exprimiu seus anseios defendendo o direito de cada cidadão à busca da felicidade. O pavor dos autoritários é sempre o indivíduo, a força de suas circunstâncias e alternativas que lhe escapa à ordem.
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