quinta-feira, 6 de setembro de 2012

DENISE FRAGA - Catedráticos do simples

Ser natural exige esforço. 
Precisamos fazer mestrado e doutorado para voltar à nossa essência.

Não aguento mais comer falando de comida. Já faz algum tempo, resolvi cuidar da minha alimentação. Decidi seguir os passos de uma amiga, excelente nutricionista, e confesso que vejo claramente os benefícios que o arroz integral e a quinua vem trazendo à minha vida.

Dia após dia, vejo aumentar a prateleira de orgânicos no supermercado -e isso me deixa feliz. Sinto que eu e a humanidade estamos no caminho certo. Mas, no outro dia, num almoço de família, onde eu esperava escutar deliciosas histórias e fofocas familiares, vejo minha sogra, dona de uma feijoada sem igual, falando de carboidratos e antioxidantes. Até tu, Brutus! Confesso: tem me dado um certo enjoo saber que estou comendo uma coisa que tem vitamina A ou selênio.

Desencanta um pouco a comida. Você está prestes a abocanhar uma garfada de salada fresquinha e o comentário ao lado lhe faz mastigar fibras e ácido fólico.

Acho muito boa toda esta evolução dos últimos anos em direção ao bem viver. Todo mundo tem uma receita de saúde para dar. Mas, a todo momento, sem que você peça, despejam mais um item na lista do número de coisas que você precisa fazer pra viver melhor. E dá-lhe ansiedade. Você se sente mal por não conhecer a farinha de chia e mal por ter que fazer tanta coisa para se sentir bem.

Voltar a ser natural exige grande esforço. Às vezes, sinto que o mundo virou do avesso e que, agora, precisamos fazer mestrado e doutorado para tentar nos aproximar do que seríamos em essência.
O alimento é orgânico, mas nossa forma de tê-lo em nossa mesa não é mais. Viramos especialistas do viver, catedráticos do simples, complicamos tudo e agora nos estressamos para desestressar. Comemos falando de comida, brincamos com nossos filhos falando de pedagogia, fazemos ginástica falando de anatomia e, quiçá, amor falando de sexo.

Podemos saber de tudo. Um clique para o selênio, outro para a pedagogia, outro para o orgasmo. É fascinante. Vivemos navegando num mar de informação. Mas sobre o que queremos saber? Tudo? Tudo o que nos rodeia? O que comemos, o que fazemos, o que amamos? Na escola do futuro, talvez a grande matéria a ser ensinada seja mesmo o autoconhecimento, para que possamos ter meios de reconhecer nossas agulhas nesse palheiro.

Outro dia ouvi uma frase que me flechou o peito: "Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar". Será que um dia vamos ter que fazer curso de intuição?


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