Telefonei para a minha musa, a Rosinha. Para reclamar. Eu andava sem assunto, sem ideias, sem inspiração. A Rosinha claramente não estava fazendo seu trabalho. Não aparecia. Não mandava notícia. Minha ligação deu numa secretaria eletrônica. Pode, musa com secretária eletrônica? Onde ela se enfiara? Estaria me traindo, inspirando outro? Deixei um recado: preciso de você, me ligue.
Nunca entendi bem esse negócio de musas. Elas vivem juntas? As antigas, as clássicas, convivem com as musas menores como a Rosinha, sem problemas? É difícil imaginar a musa do Virgilio, a musa do Tolstoi - meu Deus, a musa do Shakespeare! - coabitando com musinhas novatas, a não ser que só se dirijam a elas para pedir o cafezinho. Ou as musas de outros tempos desaparecem junto com os artistas que inspiram, deixando o campo livre para musas contemporâneas? Mesmo assim, que possíveis assuntos poderiam ter a musa do, sei lá, García Márquez e a musa de um grafiteiro?
Finalmente consegui localizar a Rosinha, no seu celular.
- Alô, quem fala?
Eu disse o meu nome. E ela:
- Quem?
Demorou, mas a Rosinha acabou se lembrando de mim ("Ah, o cronista" disse, como se dissesse "Eu mereço"). Perguntou qual era o problema. Respondi que o problema era a falta de inspiração, e que este era o departamento dela. Ela: "Posso te ligar mais tarde?". Eu: "Não! Preciso de inspiração agora. Está quase na hora de mandar a coluna". Ela, depois de um longo silêncio:
- Goiabada com queijo.
- O quê?
- Escreve sobre goiabada com queijo. O contraste de sabores e o que isto simboliza. A goiabada e o queijo são o policial simpático e o policial duro da gastronomia. A goiabada é expansiva e o queijo trava. A goiabada é doce e frívola, o queijo é circunspecto. Os dois provam que os opostos podem se entender, justamente porque são opostos. A goiabada com queijo...
Eu a interrompi:
- Tá bom, Rosinha. Chega. Vou escrever sobre musas.
- Nós agradecemos.
- Contra!
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