domingo, 21 de setembro de 2014

MANOEL CARLOS - Mas Deus fala!

Quando meu pai ficava sabendo de um crime brutal, principalmente os que envolviam crianças, perguntava, com desgosto, pelo paradeiro de Deus. Por onde andava o Todo-Poderoso no momento da tragédia? Como Ele foi permitir que tal desgraça acontecesse debaixo do céu que Ele mesmo criara? Em resumo: por que tantas vezes Deus se escondia, não se manifestava, não segurava a mão criminosa que se abatia sobre inocentes e indefesos? E minha mãe, fazendo o sinal da cruz e olhando para ele com piedade cristã, respondia, invariavelmente, que Deus não se escondia, que estava em todos os lugares, mas que dentro de nós só entrava quando lhe abríamos as portas do nosso coração e mente, pois dispomos do livre-arbítrio, que significa, muito simplesmente, a liberdade de escolher entre o bem e o mal.

Minha mãe tinha uma formação religiosa bastante coerente, embora não combinasse muito com o que ensina a Igreja Católica. Por exemplo: ela acreditava pacificamente no céu e no purgatório. Um para premiar os bons, o outro para castigar os maus até que bons se tornassem. O purgatório seria assim uma espécie de exame de admissão à entrada no céu. E a imagem que tínhamos — nós, crianças — dessa teoria era
de um corredor palmilhado de brasas, por onde teríamos de caminhar descalços ao encontro da felicidade do outro lado. Resumindo: não se alcança a Graça sem sofrimento. Inferno? Não. Minha mãe não acreditava.

— Deus é misericórdia — argumentava ela. — Como pode condenar alguém ao fogo eterno? Nada é eterno a não ser o próprio Deus.

Mesmo com essas discordâncias da Igreja, minha mãe era de uma fé inabalável em todos os ensinamentos da religião católica. A tal ponto que uma vez, quando eu participava de uma aula como congregado mariano, um religioso franciscano, amigo da família, confessou que tudo que ele queria e pedia a Deus para conseguir era a fé absoluta, total, sem questionamentos, da minha mãe.

— Mas ela questiona — provoquei. — Tanto que não acredita no inferno.

— Eu também não — respondeu ele. — Mas negar o inferno não é questão de fé, e sim de bom-senso.

Eu me lembro que isso mexeu com a minha cabeça de criança, abalando um pouco a minha fé, que era (só mais tarde percebi) uma homenagem que eu prestava à minha mãe.

E mesmo hoje — 22 anos depois de ela ter morrido — eu ainda faço coisas pensando apenas em agradar a ela e evito fazer outras que sei que ela não aprovaria.

Aprendemos muito com os nossos pais, mesmo, ou principalmente, quando discordamos deles. E o que aprendemos na infância sobrepõe-se ao que virá depois, na juventude e na idade madura. À medida que vou vivendo, vou me lembrando, mais nitidamente, do que ouvi deles — da minha mãe principalmente — sobre a vida e o viver.

Sobre a morte e o morrer.


— Deus fala — garantia minha mãe. — Quando não ouvimos, é porque estamos surdos.





quarta-feira, 17 de setembro de 2014

ALGUÉM CHATEOUVOCÊ? SAIBA COMO SUPERAR - Thaís Petroff

"O outro pode ser um espelho de nosso desconforto emocional"

Quantas vezes nos chateamos com as atitudes das outras pessoas?

Quantas vezes nos sentimos agredidos ou não levados em conta em função da forma de agir dos outros?

Você já se percebeu assim alguma vez em sua vida?

Se sim, te convido a uma reflexão sobre esse assunto.

Muitos de nós, em inúmeros momentos, ficamos chateados por conta de comportamentos que alguém teve conosco. Pode ser um familiar, um amigo, um vizinho ou até um total desconhecido. Fato é que, sob nossa percepção, aquele modo da pessoa conduzir a situação nós é bastante desconfortável, a ponto de ficamos mexidos emocionalmente.

Não temos controle sobre o comportamento dos outros. O que podemos fazer como um experimento, é sermos assertivos dizendo à pessoa que nos feriu o que aquela ação provoca em nós e, consequentemente, como nos sentimos.

Ser assertivo é muito mais eficaz do que ser passivo ou agressivo (veja aqui). No entanto, apesar de aumentar as chances, ainda assim não podemos determinar uma mudança na atitude da outra pessoa. Por isso, não deve-se basear sua assertividade no resultado que ela terá sobre o outro, mas sim, sobre como isso é uma boa maneira de você se expressar e não reter suas emoções (as quais podem ser somatizadas e causar inúmeros problemas de saúde).

O outro pode ser um espelho de nosso desconforto emocional

Fora a assertividade, há um outro ponto que gostaria de focar quando nos sentimos desconfortáveis frente aos comportamentos de outras pessoas. Podemos utilizar os outros como espelhos para nós, questionando tanto se temos atitudes parecidas ou ainda se fizemos algo que pudesse influenciar na ação desses.

É fácil apontar o dedo, criticar e/ou se desapontar quando alguém nos faz algo. Mas é difícil perguntarmos se em algum momento fizemos algo parecido com isso que nos incomoda.

Justamente esse comportamento percebido no outro, que nos causa tanto desconforto, não é por dizer algo a nosso respeito, ou será que nós mesmos não fazemos algo semelhante em outro contexto ou com outra pessoa?

Com essa reflexão podemos transformar um mal-estar em um aprendizado para nós, saindo da posição de vítima e passando para um papel ativo de agente de mudança.

Quantas vezes será que também magoamos, maltratamos, desrespeitamos outras pessoas? E... quantas vezes fazemos isso sem nem termos consciência do que estamos fazendo. Se nos sentimos destratados por que o outro também não se sentiria assim?

Se quisermos ser respeitados devemos respeitar os outros. Se quisermos que sejam gentis conosco, também devemos ser gentis. Se não queremos que levantem a voz conosco, falemos em voz baixa. Como o próprio ditado popular demonstra: devemos dar o exemplo e não somente falar ou criticar. Por isso mais do que você fala, perceba o que você faz.


Assumamos uma postura mais ética, cuidadosa, polida e amorosa e percebamos o resultado que ela tem no ambiente à nossa volta. Finalizo essa reflexão com uma belíssima frase de Gandhi, que justamente demonstra a ideia central desse texto: "Nos devemos ser a mudança que queremos ver no mundo."