sábado, 30 de novembro de 2013

MARTHA MEDEIROS - De onde vem a nossa dor

A dor nas costas vem das costas, a dor de estômago vem do estômago, a dor de cabeça vem da cabeça. E sua dor existencial, vem de onde?

Ela vem da história que você meio que viveu, meio que criou – é sabido que contamos para nós mesmos uma narrativa que nem sempre bate com os fatos. Nossa memória da infância está repleta de fantasias e leituras distorcidas da realidade. Mesmo assim, é a história que decidimos oficializar e passar adiante, e dela resultam muitas de nossas fraturas emocionais.

Nossa dor existencial vem também do quanto levamos a sério o que dizem os outros, o que fazem os outros e o que pensam os outros – uma insanidade, pois quem é que realmente sabe o que pensam os outros? Pensamos no lugar deles e sofremos por esse pensamento imaginado. Nossa dor existencial vem dessa transferência descabida.

Nossa dor existencial, além disso, vem de modelos projetados como ideais, a saber: é melhor ser vegetariano do que comer carne, fazer faculdade de medicina do que hotelaria, namorar do que ficar sozinho, ter filhos do que não ter, e isso tudo vai gerando uma briga interna entre quem você é e entre quem gostariam que você fosse, a ponto de confundi-lo: existe mesmo uma lógica nas escolhas?

Como se não bastasse, nossa dor existencial vem do que não é escolha, mas destino: quem é muito baixinho, ou tem cabelo muito crespo, ou é pobre de amargar, ou tem dificuldade de perder peso vai transformar isso em uma pergunta irrespondível – por que eu? – e a falta de resposta será uma cruz a ser carregada.

Nossa dor existencial vem da quantidade de nãos que recebemos, esquecidos que somos de que o “não” é apenas isso, uma proposta negada, um beijo recusado, um adiamento dos nossos sonhos, uma conscientização das coisas como elas são, sem a obrigatoriedade de virarem traumas ou convites à desistência.

Nossa dor existencial vem do bebê bem tratado que fomos, nada nos faltava, éramos amamentados, tínhamos as fraldas trocadas, ninavam nosso sono, até que um dia crescemos e o mundo nos comunicou: agora se vire, meu bem. Injustiça fazer isso com uma criança – alguém aí por acaso deixou totalmente de ser criança?

Nossa dor existencial vem da incompreensão dos absurdos, da nossa revolta pelos menos favorecidos, da inveja pelos mais favorecidos, da raiva por não atenderem nossos chamados, por cada amanhecer cheio de promessas, pela precariedade das nossas melhores intenções e pela invisibilidade que nos outorgamos: por que nunca ninguém nos enxerga como realmente somos?

Dor de dente vem do dente, dor no joelho vem do joelho, dor nas juntas vem das juntas. Nossa dor existencial vem da existência, que nenhum plano de saúde cobre, de tão difícil que é encontrar seu foco e sua cura.


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RUBEM ALVES – Natal, A estória do menininho

Minhas netas: o Natal está chegando. Todo mundo fica agitado, é preciso comprar presentes no cartão de crédito, fazer dívidas a serem pagas no outro ano, preparar comilanças... Mas, afinal de contas, por que tanto agito? Eu acho que a maioria se agita sem saber porque. E, se soubessem, não se agitariam... Pois eu vou dizer o que penso do por que do Natal. O Natal é o dia em que se para tudo a fim de se contar e a fim de se ouvir uma estória, a mais bela e a mais simples jamais contada. Todo esse agito por causa de uma estória? É. 

Vocês, que gostam do Harry Potter, fiquem sabendo: a estória do Natal é uma estória do mundo dos mágicos, dos bruxos, das fadas, das varinhas de condão, dos encantamentos. As estórias têm poderes mágicos. Vocês já notaram que, quando a gente ouve uma estória que nos comove, ela entra dentro da gente, faz a gente rir, faz a gente chorar, faz a gente amar, faz a gente ficar com raiva? As estórias dos mundos dos mágicos saltam das páginas dos livros onde estão escritas, entram dentro da gente e se alojam no coração. 

Quando isso acontece a estória fica viva, toma conta do nosso corpo e da nossa alma, e nós passamos a ser parte dela. Pois a estória do Natal faz isso com a gente. Quando vai chegando o Natal eu fico com saudade das músicas antigas de Natal (tem de ser das antigas; as modernas não servem) e começo a folhear meus livros de arte, onde estão as pinturas do presépio. É muito simples: um menininho que nasceu em meio aos bois, vacas, ovelhas, cavalos, jumentos... Era menininho pobre. 

Mas diz a estória que quando ele nasceu aconteceu uma mágica com o mundo: tudo ficou diferente: as árvores se cobriram de vaga-lumes, as estrelas brilharam com um brilho mais forte, e até uns reis deixaram os seus palácios e foram ver o nenezinho. A visão do menininho os transformou: eles largaram suas coroas, jóias e mantos de veludo junto com os bichos, na estrebaria. Quem vê o menininho fica curado de perturbação. Perturbados são os adultos que, ao falar sobre Deus, imaginam um ser muito grande, muito poderoso, muito terrível, ameaçador, sempre a vigiar o que fazemos para castigar. 

Pois o Natal diz que isso é mentira. Porque Deus é uma criancinha. Ele está muito mais próximo de vocês do que dos adultos. E foi essa mesma criancinha que, depois de crescida, disse que para estar com Deus bastava voltar a ser criança. Se os adultos, antes de comprar presentes e preparar ceias, se lembrassem da estória, eles ficariam curados da sua doidice. Na noite do Natal que se aproxima, antes de abrir os presentes, antes de começar a comedoria, peça ao seu pai ou à sua mãe: “Por favor, conte a estória do menininho...“ E, se eles não souberem contar, peça que eles leiam esse poema sobre o Menino Jesus escrito por um poeta que queria ser menino, por nome de Alberto Caeiro.

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver.
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro.
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta.
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales.
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

FÁBIO PORCHAT - Plim plim

Eu tenho viajado muito de avião nos últimos anos fazendo shows pelo Brasil. Mas só semana passada percebi que as aeronaves estão que nem camisetas de futebol. Anúncio em todo canto. Onde houver um espacinho livre, merchan! No paninho do encosto pra cabeça, na adesivagem das mesinhas, colado nas janelas...

Até aí, tudo bem. É uma poluição visual, mas é mais um jeito de ganhar dinheiro. Que aliás é uma dúvida que eu tenho: de onde vem tanto prejuízo das companhias aéreas? Todo ano eu leio que elas estão endividadas até a alma e que o semestre fechou no negativo. Só que as passagens estão cada vez mais caras, o número de passageiros aumentou, já não servem mais comida de graça nos voos, o ar condicionado só é ligado quando a porta fecha para economizar gasolina e, agora, uma hora de voo parece uma hora de um intervalo da novela das oito... Eles tão ganhando mais dinheiro e perdendo cada vez mais?

Bom, de qualquer forma, não vou me meter onde não entendo. O preço da gasolina deve estar uma loucura, a taxa do aeroporto deve estar tão inflacionada quanto um imóvel no Rio de Janeiro e a manutenção das naves deve estar saindo pela hora da morte.

Enfim, a mais nova moda agora são as televisõezinhas que passam conteúdo para o viajante. Eba, que legal! Quando você embarca, a primeira coisa que te oferecem é bala e, depois, um fone de ouvido. Maravilha, apesar de a imagem ficar passando a viagem toda, vê quem quer e, afinal de contas, é uma distração. Mais ou menos.

Na TAM, você é obrigado a ouvir, propagado em alto e bom som, o que está passando na TV, inclusive depois que já levantou voo. E metade daquilo que você está vendo é o quê? Anúncio!

Se você quer ler, não consegue, se quer dormir não pode. Eu me sinto o personagem do Laranja Mecânica forçado a ver as imagens. Sempre peço pra diminuírem o som, mas os comissários dizem que não podem fazer nada. Como ler um livro ao som de "pergunta no Posto Ipiranga"?

Ninguém quer assistir às propagandas na TV ou na internet, então por que raios eu ia querer ver no avião? Vê quem quer. Não tem o fone? Isso é mais um desrespeito com o cliente. A empresa quer ganhar mais e não está nem aí para o conforto do passageiro. E agora os comissários de bordo fazem

propaganda pelo sistema de som! Anunciam promoções da empresa e parcerias vantajosas pra você que quer aproveitar ainda mais. Quer dizer, você se sente no programa da Sônia Abraão quando aparece o japonês vendendo cogumelo do sol.

Tô vendo a hora em que no meio da viagem uma aeromoça vai passar vendendo jornal, outra entregando folheto de empreendimento imobiliário, enquanto um comissário agita uma bandeira e o piloto aparece no corredor falando: "Desculpe interromper a viagem dos senhores. Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, mas estou vendendo gado Nelore".










MARCELO RUBENS PAIVA - Piores invenções da humanidade

SL: ou Second Life, ambiente virtual em 3D que simula a vida real. Jogo criado pelo Linden Lab. Foi sensação do mercado publicitário no final dos anos 2000. Graças ao realismo da animação, os usuários (avatares) podem ver e interagir com o outro (avatar). Uma mentirinha convivendo com outras. Até a maioria sacar que está perdendo coisas mais interessantes da FL (First Life), a vida real, enquanto vivem como avatares idealizados na second. Virtualmente já somos simulacros de nós mesmos, imagens redesenhadas para redes sociais. Não precisamos de outro universo, ou melhor "metaverso", para viver. Diante da decadência, o Lab disponibilizou a versão 2.0 em 2010, que dividiu a vida de mentirinha em ilhas como Welcome Island, para novos jogadores, Freebies, ilhas com itens gratuitos, além de ilhas de nudismo, sexo virtual, compras, praias e discotecas. Um metaverso complexo e esquisitão. Perfeito pra quem tem tempo disponível. E parafusos a menos. Ver bonecos (avatares) pelados em praias de mentirinha? Sinistro...

WWIS: Quando se pensa que já inventaram as maiores idiotices da humanidade, sempre tem uma que supera. É a sigla de What Would I Say (O Que Eu Deveria Dizer), aplicativo que trabalha com o utilitário BOT, de "robot", e se espalha como uma praga. WWIS gera automaticamente comentários no Facebook que parecem escritos por você. Tecnicamente falando, usa o modelo BOT, algoritmos e inteligência artificial, para misturar posts anteriores. Você quer ser uma pessoa atuante nas redes, mas não sabe como nem tem tempo. Quer passar uma imagem divertida, antenada. A de um ativista sedutor. Como um robô com seu teclado no colo, o WWIS seleciona frases bacanas e as espalha, para disseminar não suas ideias, mas as ideias que querem que você as tenha ou que você deveria ter. O que eu posso dizer... Coisa de maluco.

Pipoca: É uma tremenda descoberta. A figura do pipoqueiro, então, proustiana. Problema é cair em mãos erradas, como o plutônio. Em salas de cinema. Em sacos maiores que estômagos. Se acontece comigo, acontece com você: em quase todo filme, um esfomeado na fileira de trás passa os créditos, a introdução do longa, o segundo ato, até o ponto de virada, mastigando milho como um cavalo. O drama se intensifica, a irritação também. Pode apostar, é na cena mais intensa da trama que o quadrúpede chacoalha o saco, como se estivesse na Timbalada, para espalhar o sal depositado. Pensei em várias maneiras protestar. A que mais me seduz: usar um turbante e levar um timbal para entrar no ritmo do chocalho, cantando "fui embora, meu amor chorou, eu vou nos beijos de um beija-flor, no tique-taque do meu coração, yo quero te namorar, amor".

Saco de balas: Tenho certeza de que grandes divas, como Fernanda, Tônia e Bibi, pensaram em largar o ofício quando começou a venda de pacotes de balas nos teatros. Cujo glutão, provavelmente parente do animal que passa um filme mastigando milho, não percebe que aquele barulhinho, desembrulhar uma jujuba, um delicado ou uma balinha de hortelã, desconcentra até a camareira que tenta dormir na coxia durante a peripécia que já ouviu centenas de vezes, que antecede a revelação da protagonista, como as representadas por Fernanda, Tônia e Bibi.

Buzina: Primeiro inventaram o automóvel. Depois perceberam que transeuntes e animais não saíam da frente, estupefatos ao ver que aquele veículo com rodas se movia sem tração de quatro patas. Inventaram a buzina com os princípios de uma corneta, que substituiu os gritos de "sai da frente!". Educou a população que não conhecia a novidade. Sofisticou-se. Passou a ser intermitente e ao alcance dos dedos. O que tornou não mais uma ferramenta para a segurança do trânsito, mas objeto de vingança, assédio, grosseria, descontrole emocional, alívio de estresse e forma de pressão, como se o alto índice de decibéis produzido fosse capaz de fazer outros automóveis saírem da frente, criarem espaço livre para o carro da besta que buzina prosseguir.

Cigarro: Dizem que Colombo jogou fora o tabaco com que foi presenteado. Sensato. Mas um marinheiro levou para a Espanha, se gabou pelas ruas mascando aquela planta considerada do "diablo". Em 1561, o embaixador francês em Portugal, Jean Nicot, percebeu que o tabaco aliviava sua enxaqueca. Tinha que ser um francês... Descobriu de onde vem a palavra nicotina? Que depois foi enrolado por uma máquina, encurtou a vida dos nossos avós e se transformou numa epidemia aparentemente inocente e glamorosa. Se você, como eu, foi viciado, sofreu o diabo para largar, dá umas pigarreadas até hoje e escuta de todo médico que consulta, "ex-fumante?", como uma repreensão, como se seus dias estivessem contados, sabe do que falo. Invençãozinha do capeta.

Alarme de carro: Nem preciso me alongar. Talvez seja uma unanimidade: é das mais estúpidas invenções. Porque não reduziu o índice de roubos de carro e só aumentou as noites mal dormidas de milhões de inocentes. Uma pergunta. Depois de escutar repetidamente por minutos, "fué, fué, fué, atenção, este veículo está sendo roubado e é monitorado pela empresa tal, por favor ligue para zero oitocentos xis xis xis, obrigado", alguém ligou?

Atendimento automático pelo telefone: É aquela voz humana reproduzida por um computador do serviço de atendimento ao consumidor. Que não pede para você digitar um para "sim", dois para "não", três para "mais opções" ou nove para "voltar ao menu anterior", mas para você falar o que pretende. O que deixa a família desavisada em pânico, com suspeitas de que chegou o momento da internação: a fase sem volta em que você começou a falar sozinho. Não basta falar claramente e pausadamente. É preciso adivinhar o que deve ser dito para ser atendido, que palavra-chave os programadores escolheram. Por exemplo. Perdi uma conta telefônica antiga e precisava da segunda via. Ao dizer em voz alta "segunda via", a voz computada disse, numa simpatia contagiante: "Entendi, você disse segunda via. Mas você já pagou a sua conta, não necessita da segunda via". Então, tentei: "Perdi a conta e preciso da segunda via". Escutei: "Entendi, você disse segunda via. Mas você já pagou a sua conta, não necessita da segunda via". Levei um tempo me divertindo. Porque parti para a ignorância e passei a falar palavras estranhas, como "rocambole". E porque reconheci a voz do meu amigo e colega de faculdade, um grande piadista por sinal, Paulo Sharlack. Que sucede a voz do meu amigo e colega do colegial, Maurício Pereira, que dá as boas-vindas do SAC. Não resolvi o problema naquela tarde. Mas matei as saudades de ambos.

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MARCELO GLEISER - Abduções por extraterrestres

Poucos sabem, mas o primeiro caso que ganhou 
notoriedade internacional ocorreu no Brasil, em 1957

Talvez poucos leitores saibam que o primeiro caso de abdução por seres extraterrestres que ganhou notoriedade internacional tenha ocorrido no Brasil, em 1957. É a história de Antônio Villas Boas, um fazendeiro do oeste de Minas que conta que, na noite de 16 de outubro, enquanto arava o campo, foi sequestrado contra a sua vontade por ETs medindo em torno de 1,5 metro.

A história tem três pontos interessantes: 1) ocorreu antes do famoso caso americano da abdução de Betty e Barney Hill, em 1961; 2) Antônio teve relações sexuais com uma atraente fêmea de cabelos brancos, pelos púbicos vermelhos e olhos azuis no formato dos de um gato, que o seduziu para se reproduzir com um terrestre; 3) Antônio exibiu queimaduras que, ao serem examinadas por um médico, mostraram-se clinicamente semelhantes às provocadas por materiais radioativos.

O que levou muitos, especialmente no exterior, a acreditar na história é que consideravam improvável que um "humilde" fazendeiro fosse capaz de elaborar uma narrativa tão complexa. Na verdade, Antônio não era assim tão humilde: além de a sua família possuir muitas terras, formou-se em advocacia, que praticou até sua morte em 1992.

A maioria dos cientistas nega que abduções sejam relatos reais, considerando-as, quando não pura invenção, produto de estados psicológicos anormais, causados por tendências a fantasiar, estados auto-hipnóticos, síndrome de falsa memória, paralisia durante o sono ou algum tipo de psicopatologia.

O pesquisador americano Peter Rogerson questionou a veracidade do relato de Villas Boas, argumentando que um artigo sobre abduções havia sido publicado na popular revista "O Cruzeiro" em novembro de 1957; segundo ele, a história de Villas Boas começou a ganhar impulso apenas no início de 1958. Fora isso, argumentou que Villas Boas havia sido influenciado pelas narrativas sensacionalistas do ufólogo George Adamski, populares nos anos 50. Infelizmente, Adamski foi desmascarado como um farsante.

A maioria das narrativas de abdução tem elementos em comum com a de Villas Boas: sequestro para uma nave alienígena, exames médicos sobre reprodução ou de natureza sexual, marcas misteriosas deixadas no corpo. Existem mitologias datando de milhares de anos, por exemplo, na Suméria, em torno de 2400 a.C., na qual um demônio em forma masculina (incubo) ou feminina (súcubo) seduz um humano durante o sono. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino escreveram sobre demônios que seduzem humanos. Exemplos semelhantes ocorrem no folclore de várias partes do mundo.

A estrela mais próxima da Terra está a aproximadamente 4 anos-luz daqui. Nossa espaçonave mais rápida demoraria uns 100 mil anos para chegar lá. Se ETs vieram aqui, teriam que ter tecnologias para fazer viagens interestelares e não serem detectados, visto que relatos de abdução atingem os milhares.

Os ETs parecem ter sérias dificuldade de entender nosso sistema reprodutor, dada a sua insistência nos mesmo experimentos. O paleontólogo J. William Schopf escreveu que "asserções extraordinárias necessitam de provas extraordinárias". No caso das abduções, explicações mais ordinárias dominam a ausência de provas extraordinárias.


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NELSON MOTTA - O lado escuro da força

Qualquer assunto ou pessoa que vá ao ar tem logo dois lados 
trocando insultos e acusações, dividindo o que poderia ser multiplicado

O avô do Jabor era uma figuraça. Quando o neto lhe contava entusiasmado uma boa novidade, o velho logo o advertia: “Cuidado, Arnaldinho, nada é só bom.” Sim, tudo também tem um lado ruim, o das coisas boas que vão ter fim. A máxima do velho antecipava o irônico paradoxo da era digital: nunca na história deste planeta houve algo tão bom para aproximar as pessoas — e nada que as dividisse tanto — como a internet, onde todos se encontram e cada um pode mostrar, escondido pelo anonimato, o seu pior.

Chico Buarque, que um dia já foi chamado de maior unanimidade do Brasil, disse que sempre acreditou que era amado, até descobrir, na internet, que era odiado. Qualquer assunto ou pessoa que vá ao ar tem logo dois lados trocando insultos e acusações, dividindo o que poderia ser multiplicado. No pesadelo futurista, a diversidade e a diferença são soterradas pela ignorância e o ódio irracional, que impedem qualquer debate produtivo, assim como os black blocks impedem qualquer manifestação pacifica.

Na última semana li vários editoriais de jornais e artigos de diversas tendências sobre o mesmo tema: a internet como geradora e ampliadora de um virulento e empobrecedor Fla x Flu, ou pior, de um PT x PSDB em que todos saem perdedores. E como disse o Pedro Dória: só vai piorar. Todas as paixões e excessos que são permitidos, e até divertidos e catárticos, nas discussões de futebol só produzem discórdia, mentiras e mais intolerância no debate politico e cultural. Simpatizantes de qualquer causa ou ideologia só leem os que dizem o que eles querem ouvir, nada aprendem de novo, chovem no molhado.

Mas até esse lado ruim também tem um lado bom, de revelar as verdades secretas, expondo os piores sentimentos de homens e mulheres, suas invejas e ressentimentos, sua malignidade, que nenhum regime político pode resolver. Sem o crescimento da consciência individual, como melhorar coletivamente?

Como Freud explicaria no seu Facebook, os comentários odiosos revelam mais sobre quem comenta do que sobre o odiado. Ou, como já dizia a minha avó, a boca fala (e agora digita) as abundâncias do coração.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O NOVO GERENTE DO HOTEL – Fernando Saint-Clair

Depois de anos de sacrifícios, finalmente a grande chance estava bem a sua frente. Falava 5 idiomas, havia estagiado e trabalhado em praticamente todas as funções nas melhores redes de hotéis do país. Estava pronto. Havia quatro anos que, mesmo sendo o sub, era ele quem realmente conduzia aquele hotel. Conhecia cada apto, cada canto, cada funcionário. E todos gostavam dele. Tinha foco e ambição, mas era profundamente humano. Um bom colega e amigo. Todos achavam que seria um ótimo gerente para todos. Os funcionários estavam satisfeitos com a novidade. Confiavam nele.

Durante dias, toda vez que cruzava com algum funcionário mais expansivo, a pergunta era sempre a mesma:
  • E aí patrão...já virou presidente?
  • Não...vamos aguardar...
  • Tô esperando pra comemorar.
  • Obrigado... dizia com a ansiedade redobrada.
E realmente, estava demorando mais do que ele havia calculado. Já havia sido convidado, aceitara, haviam fechado as condições de remuneração e a única coisa que faltava era o Sr. Amaury se aposentar para que tudo se realizasse.

Nesse dia, a ansiedade ficou quase insuportável quando viu, ao chegar ao hotel, o Sr. Amaury se despedindo dos funcionários.
  • É hoje! Pensou.
Ao se aproximar dele o Sr. Amary, sempre tão simpático e um dos grandes responsáveis pela indicação dele para o cargo, limitou-se a dar-lhe um aperto de mão muito furreca e sequer olhou-lhe nos olhos. Achou estranho.

Foi direto para sua sala pensando que alguma coisa estava estranha. A manhã acabou, chegou a hora do almoço e ele não fora chamado por ninguém. Nem as reclamações diárias aconteciam. Porque não o chamavam logo para que ele pudesse assumir. Ligou para a mulher para aliviar um pouco a tensão. Quando ela atendeu, ele também a achou estranha.
  • Alô, oi amor?
  • Oi...já leu o jornal né?
  • Que jornal...li o quê?
  • Calma amor, não é tão ruim assim...mantém a calma pra não perder a cabeça.
  • Fala logo mulher...não li o quê?
  • Sabe aquele político condenado pelo mensalão...que vai cumprir pena em regime semiaberto mas é obrigado a trabalhar para poder sair?
  • Sim...o que eu tenho a ver com isso?
  • Pois é, ele vai pagar a pena sendo o novo gerente do SEU hotel...e ganhando o dobro do que te ofereceram.
Ele desligou o telefone e pensou:
- Pra eles isso é condenação...

*Qualquer semelhança é de propósito.