domingo, 31 de março de 2013

MÁRIO QUINTANA - O Tempo passa...


A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, 
eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho 
a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.


sábado, 30 de março de 2013

ARTHUR SCHOPENHAUER - A INTUIÇÃO É MAIS FORTE QUE A RAZÃO


Devemos sempre dominar a nossa impressão perante o que é presente e intuitivo. Tal impressão, comparada ao mero pensamento e ao mero conhecimento, é incomparavelmente mais forte; não devido à sua matéria e ao seu conteúdo, amiúde bastante limitados, mas à sua forma, ou seja, à sua clareza e ao seu imediatismo, que penetram na mente e perturbam a sua tranquilidade ou atrapalham os seus propósitos. 

Pois o que é presente e intuitivo, enquanto facilmente apreensível pelo olhar, faz efeito sempre de um só golpe e com todo o seu vigor.


Ao contrário, pensamentos e razões requerem tempo e tranquilidade para serem meditados parte por parte, logo, não se pode tê-los a todo o momento e integralmente diante de nós. Em virtude disso, deve-se notar que a visão de uma coisa agradável, à qual renunciamos pela ponderação, ainda nos atrai. 

Do mesmo modo, somos feridos por um juízo cuja inteira incompetência conhecemos; somos irritados por uma ofensa de carácter reconhecidamente desprezível; e, do mesmo modo, dez razões contra a existência de um perigo caem por terra perante a falsa aparência da sua presença real, e assim por diante.


Em tudo se faz valer a irracionalidade originária do nosso ser.

quarta-feira, 27 de março de 2013

MIGUEL FALABELLA - Tempos verbais


Clarice Lispector diz que a palavra mais importante da língua portuguesa tem um som de letra: é. E ela tem razão. Não é preciso muito mais para definir-se o momento. É justo. Seco. Bom o bastante para o aqui e agora, sem os temores do será, ou a nostalgia do era que, com o passar dos anos, vai-se fortalecendo e embaralhando a noção de tempo. As rugas que vamos descobrindo na superfície são as pontas de profundos icebergs e, ao tentar mapeá-los, frequentemente, trocamos o é por sua forma no pretérito. Na maturidade, aquilo que era vai ganhando cada vez mais espaço, até que um dia cruzamos a tênue linha que delimita o tempo e avançamos sem medo na direção do passado.

As tempestades da alma, tão comuns na meia-idade, na verdade, são vislumbres do futuro e a bonança, que se segue a elas, sopra o vento das saudades sazonais, que chegam inexoráveis, instalam-se sem aviso prévio, tomam conta de tudo e não têm data marcada para a partida.

Nesses últimos dias, por exemplo, de baixas temperaturas em São Paulo, muitos ensaios e muita correria, o vento trouxe meu pai de volta. Talvez porque a última vez em que tenhamos ficado juntos foi nesse apartamento. Ele dormiu comigo e lembro que conversamos até às tantas; ele me contou novamente o meu nascimento, uma história que ele adorava repetir.

As crianças de olhos azuis nascem com os olhos muito claros e, por um momento, papai acreditou que eu fosse cego. Tio Olavo, que fazia todos os partos da família, dissipou-lhe os medos, mas a história, que ele me contou mais uma vez, na última vez em que estivemos juntos, valeu-me o apelido familiar de olho branco. Curiosamente, aquele homem que era o arquétipo do carioca da gema, que adorava andar de peito nu pela praia da infância, ficou para sempre guardado neste meu apartamento de concreto, que hoje resolveu engolir a noite gelada e sem estrelas.

A cama e o colchão ainda são os mesmos. Eu tento adivinhar-lhe a forma, ao meu lado, naquela noite de alguns anos atrás. Ele ficou viúvo muito cedo e nunca conseguiu superar a perda do amor da sua vida. Foram essas as suas palavras, no corredor do hospital, quando mamãe avançou decidida para o passado. Nunca mais pensou nas coisas do amor, mas, como ainda era jovem, nós fizemos de tudo para que ele se interessasse por alguém. Finalmente, ele arranjou uma namorada e manteve com ela um relacionamento por alguns anos. Um dia, ele almoçava comigo e falávamos dela, quando eu perguntei, assim como quem não quer nada, se ele estava feliz, se gostava daquilo que estava vivendo.

- Você gosta dela, pai? - eu perguntei, atrás da intimidade que, hoje eu sei, tanto eu quanto ele buscamos desesperadamente um no outro.

Papai me olhou, surpreso com a objetividade da minha pergunta, e respondeu sem alterar o tom.

- Ela me dá lanche - ele disse, e deu o assunto por encerrado.

A resposta lacônica virou piada entre os irmãos, mas hoje, escrevendo nessa noite cada vez mais fria, eu entendo a justeza daquela frase. Ela me dá lanche é apenas mais uma tradução do é de Clarice que abriu a crônica. Simples e definitivo. Como a saudade é.
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ROSELY SAYÃO - Sobre rankings escolares

-->Qual a utilidade de um ranking de escolas? Seja fundamentado no numero de alunos que passam no vestibular de determinadas faculdades ou no resultado obtido no Enem, hoje temos várias listas de classificação que destacam nos primeiros lugares algumas escolas e jogam lá para o meio ou para o final da fila tantas outras. Tais listas não têm utilidade alguma e dizem muito pouco – quase nada, para falar a verdade – sobre o valor de uma escola ou de seu modo de funcionar. Mesmo assim, elas são usadas para avaliar a qualidade de ensino praticado, seja a instituição pública ou privada.

Uma conseqüência importante que essas listas provocam, tanto para as escolas que se classificam no topo da lista quanto para as demais, tem a ver primeiramente com elas mesmas. As que se situam no topo das listas acreditam que o resultado obtido é a prova de que estão no caminho certo e que, portanto, não precisam rever seus métodos tampouco suas práticas. As demais ficam pressionadas a atingir resultados melhores e passam a procurar caminhos que lhes permitam atingir tal meta. Ora, o trabalho que uma escola realiza não pode ser reduzido ao êxito escolar de seus alunos avaliado dessa maneira.

É que a instituição escolar não funciona como uma empresa, que precisa ser eficiente a qualquer custo. Como uma estrutura social importante, ela tem finalidades bem mais preciosas que não podem ser medidas de imediato, mas só uma ou duas décadas após o aluno sair da escola. É que, além da transmissão do saber – que exige disciplina, método, precisão e rigor, por exemplo, e isso também precisa ser ensinado – a escola tem o objetivo de ensinar o exercício da cidadania e promover a construção da autonomia. E é preciso lembrar que essas atribuições não são feitas separadamente, de modo algum!

Formar o futuro cidadão supõe ensinar e praticar valores coletivos e democráticos, ensinar a viver em grupos heterogêneos, a conviver com a diversidade, a superar preconceitos e estereótipos, a não restringir a vida social apenas a grupos de interesses convenientes, a buscar o bem comum e, principalmente, a usar o saber adquirido e atualizado constantemente em benefício de todos e não apenas próprio ou de poucos. É por isso que só sabemos o efeito que uma escola provocou quando seus alunos efetivamente se tornam cidadãos.

Desse modo, pouco importa as escolas de ensino fundamental e médio que freqüentaram os alunos que entraram em determinadas faculdades, por exemplo. Isso mostra apenas que algumas escolas instruem bem seus alunos em relação a determinadas disciplinas do conhecimento e execução de tipos de provas de avaliação. Mas, e as outras atribuições?

Queremos saber algo mais significativo a respeito do trabalho de uma escola? Vamos procurar saber em que trabalham e como anda a vida profissional dos alunos que lá se formaram uma década atrás, por exemplo. Será que trabalham apenas em busca de uma vida pessoal confortável, ou querem mais do que isso? Quando vemos uma atuação indigna de um político, seria interessante saber qual escola ele freqüentou no início da vida, não é mesmo? Afinal, é na escola que se aprende a viver politicamente e é na maturidade que a formação adquirida na escola ganha oportunidade de se expressar com consistência. Mas, não nos esqueçamos da liberdade na vida adulta: por melhor que tenha sido a formação escolar básica de uma pessoa, ao ganhar autonomia ela faz suas próprias escolhas.

O fato é que são raras as escolas de ensino fundamental e médio que têm dado conta de suas três importantes funções com seus alunos e não há ranking algum que consiga ocultar esse fato e essa questão é um problema de todos nós e não apenas de quem tem filhos em idade escolar ou trabalha em escola. Afinal, nosso futuro terá as marcas desse tipo de formação.

ARTHUR DA TÁVOLA - As quatro faces da ética


Concreta e objetivamente, concebo o comportamento ético em
quatro níveis que devem operar de modo integrado, integrante e
integrador:
a) a ética do comportamento individual;
b) a ética do comportamento público;
c) a ética das responsabilidades;
d) a ética dos objetivos ou das finalidades.

Um indivíduo irrepreensível no seu comportamento pessoal pode ser paupérrimo no tocante aos objetivos ou finalidades de sua vida.
Pessoas éticas no tocante a seu comportamento público podem exibir incompreensíveis egoísmos ou autoritarismos no comportamento pessoal. E assim por diante.

Não se pode, portanto, tomar o comportamento ético por uma de suas vertentes. Visão evoluída, madura e equilibrada do problema levar-nos-á a buscar a adequada integração entre as várias formas através das quais o comportamento ético se manifesta. Assim:

A ÉTICA DO COMPORTAMENTO INDIVIDUAL: tanto regula os atos individuais externos como as formas psicológicas e interiores de tratar e conceber a individualidade, o ser, a espiritualidade. Exige intenso e diário trabalho interior e seus problemas e conflitos em geral aparecem sobre a forma de enigma.

A ÉTICA DO COMPORTAMENTO PÚBLICO: cabe a pessoas direta ou indiretamente relacionadas com a coletividade. Ela junta os padrões da ética de comportamento individual com os aspectos legais, regulamentares e a subordinação sempre crítica (e reflexiva) aos postulados do bem comum.

A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE : é de difícil caracterização verbal. Implica na energia necessária ao cumprimento dos deveres e tarefas pessoais ou públicas, compatíveis com o nível de responsabilidade característicos de cada vida. Exemplos: paternidade, maternidade, chefias, postos de mando ou condições de influência (políticos, jornalistas, comunicadores, sacerdotes). Há uma ou várias responsabilidades relacionadas com compromissos assumidos ao longo da vida.

A ÉTICA DOS OBJETIVOS: é das mais complexas e profundas. Representa a escala de valores dentro da qual o indivíduo seleciona as finalidades e os objetivos tanto da própria vida quanto de sua ação pública. Representa a subordinação aos grandes princípios da vida: a liberdade, a fé, a justiça, o amor. Quanto maior a compreensão temos, maior a escala dos compromissos éticos com as finalidades e objetivos de cada vida.

NELSON MOTTA - O poder do capacete

Qualquer pessoa que exerce atividade de risco usa capacete. De metal, de fibra ou de plástico, sempre coloridos, eles protegem pilotos de carros, motos e aeronaves, operários de usinas, minas, fábricas e construções, além de militares, policiais e bombeiros. É um símbolo forte de trabalho, de ação e de perigo, e até mesmo de coragem, porque pressupõe os riscos de quem o usa.

Depois do cocar de penas que os caciques indígenas oferecem aos caciques políticos, e que eles hesitam em colocar na cabeça pela crença de que traz má sorte, é com o capacete de segurança que eles ficam mais engraçados, visitando obras, fábricas e usinas.

Até o fechamento desta edição, não havia registro de nenhum caso de um político que tenha sido salvo de algum dano na cabeça pelo capacete. Aliás, jamais aconteceu qualquer acidente com alguém nessas inaugurações e visitas.

O pessoal que pega no pesado nas obras e corre riscos reais é que precisa usar, mas, quando os caciques os visitam, tudo vira um teatrinho, sem nenhuma atividade que possa provocar riscos ou sustos. Mesmo assim eles não dispensam o capacete, apesar do paletó e da gravata. E ficam todos com aquela cara ... reparem só.

Respeitáveis homens públicos, grandes estadistas, líderes carismáticos, ninguém resiste ao ridículo com aquele penico colorido encarapitado no cocuruto, sempre parecendo não lhes caber direito na cabeça. Talvez o problema não seja o tamanho dos capacetes, que os há para cabecinhas e cabeçorras, mas a falta de prática dos usuários. Mulheres então, coitadas ...
Estas são imagens clássicas dos políticos no poder, lançando, tocando e inaugurando as suas obras.

Não há campanha eleitoral sem elas. Não há politica no Brasil sem ele, o capacete.

quarta-feira, 20 de março de 2013

VÍDEO PALESTRA - MÁRIO SÉRGIO CORTELLA - Não nascemos prontos

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THIAGO DE MELLO - A ARTE DE AMAR


Não faço poemas como quem chora,
nem faço versos como quem morre.
Quem teve esse gosto foi o bardo Bandeira
quando muito moço; achava que tinha
os dias contados pela tísica
e até se acanhava de namorar.
Faço poemas como quem faz amor.
É a mesma luta suave e desvairada
enquanto a rosa orvalhada
se vai entreabrindo devagar.
A gente nem se dá conta, até acha bom,
o imenso trabalho que amor dá para fazer.

Perdão, amor não se faz.
Quando muito, se desfaz.
Fazer amor é um dizer
(a metáfora é falaz)
de quem pretende vestir
com roupa austera a beleza
do corpo da primavera.
O verbo exato é foder.
A palavra fica nua
para todo mundo ver
o corpo amante cantando
a glória do seu poder.


HOMENAGEM À EMÍLIO SANTIAGO - SHOW COMPLETO AO VIVO

EMÍLIO SANTIAGO

 
Rio de Janeiro
06/12/1946

Rio de Janeiro
20/03/2013

terça-feira, 19 de março de 2013

RAUL SEIXAS ATROPELADO POR UMA ONDA DURANTE RESSACA NO LEBLON - 1976

O mar também queria Tocar Raul!



ARNALDO JABOR - Crônica do Amor

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?
Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?
Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim.
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.

segunda-feira, 18 de março de 2013

OS HOMENS PODEM MESMO MOSTRAR AS SUAS FRAGILIDADES? - Solange Bittencourt Quintanilha

No passado, o homem tinha um poder absoluto nas esferas públicas e profissionais, confirmando seu poderio econômico. Ele também se mostrava onipotente, intransponível, parecendo ser o todo poderoso que não tinha nenhum temor.
De onde vinha esse homem desconhecido, misterioso, distante, aparentemente frio? 
Tudo começa lá no início, em como foi a educação das crianças. Como era esse lar? Era harmonioso? Os pais expunham o seu amor e carinho? Tanto os meninos quanto as meninas recebiam beijos e abraços? Havia diálogo, espaço para expressar todas as emoções, inclusive raivas, mágoas, decepções? O respeito existia para todos? Porque é lá que as crianças aprendem a pensar, sentir, se comunicar, poder confiar ou não nas pessoas...
Acompanhamos ao longo dos tempos como foi repressora a educação dos meninos, bem diferente das meninas, e é claro que isso só contribuiu para anestesiar, dificultar imensamente a sensibilidade dos homens para lidar com as emoções e para entrar em contato com os seus sentimentos.
Quando olhamos para trás, lembramos de que quase sempre ouvíamos os pais falando para seus filhos:
- que não deviam chorar, pois isso era coisa de “maricas”; - que quando apanhassem na escola, também deviam bater e não chorar; - se começassem a chorar, iam engolir o choro ; - em alguns casos mais extremos, era dito: “E se vier para casa chorando porque apanhou, ainda vai tomar uma surra”;
A única emoção mais ou menos tolerada era a raiva, a agressividade, porque isso era sinal que o filho era macho.
Com as mulheres, era exatamente o oposto. Se elas choravam em quaisquer ocasiões, como num casamento, por exemplo, era dito: “ Que lindo, como ela é sensível “. Assim, as emoções vivem no plano de fundo da vida de um homem e no primeiro plano da vida de uma mulher. Enquanto as mulheres parecem estar naturalmente mais cientes das suas emoções, os homens têm que tentar conhecê-las, compreendê-las para conseguir lidar de verdade com elas. E é por isso que eles têm uma tendência de racionalizar, compartimentalizar e intelectualizar.
Um aspecto muito importante também, que se diferenciava totalmente na educação das meninas era quanto à sexualidade. A preocupação e o incentivo dos pais para com os meninos eram enormes. O esperado era que eles fossem machos, que beijassem muitas meninas, tivessem uma grande quantidade de experiências sexuais, fossem os verdadeiros garanhões.
No interior de cada homem ainda persiste uma vulnerabilidade, um medo secreto de que lhe falte competência e coragem, dificuldade de admitir que está em crise, sofrendo e que precisa de ajuda, porque tem vergonha. Quando ele se sente perdido, se fecha, recua, pois não sabe o que fazer com suas angústias, suas inseguranças...
Há algumas décadas atrás, o movimento feminista começou reivindicando novos espaços de atuação para as mulheres, gerando uma grande revolução social, e trazendo novos parâmetros em todas as esferas na vida de ambos. A insatisfação delas era muito grande com a total falta de perspectivas, com a submissão absoluta ao marido (onde os direitos eram só deles), na inexistência de realizações pessoais... Elas hoje estão competindo no mercado de trabalho, financeiramente, com uma liberdade sexual adquirida através do surgimento da pílula anticoncepcional, mas também da independência financeira. São mulheres mais vividas, com inúmeras experiências afetivas e sexuais, e mais exigentes.
E ai encontramos um novo “ HOMEM “ que tem que conviver com todas essas mudanças dentro e fora de casa, que se sente perdido, assustado com essa nova mulher, porque ainda não sabe bem qual é a sua posição, quais são as novas regras, o que ele ganhou ou perdeu com todas essas transformações, se perguntando: “ Como? Eu não sou mais o chefe da casa?” Acho que esse questionamento muitas delas se fazem hoje também: o que elas perderam e ganharam com todas essas mudanças, porque há um verdadeiro nó nas comunicações.
Hoje, as mulheres acham bonito quando o homem se emociona, pois acham que ele é sensível, qualidade tão valorizada por elas. Vejo muito, tanto no consultório quanto na vida aqui fora, que eles também querem conseguir mostrar suas inseguranças, seus medos, seus anseios, conseguir realmente entrar em contato com seus sentimentos, mas querem encontrar mulheres que não os diminuam ou critiquem por isso, mas pelo contrário, que estejam ao seu lado, que o apoiem, que sejam solidárias, e que os admirem, até por estarem se expondo.
Elas querem encontrar neles um companheiro, cúmplice, com quem elas possam falar sobre suas inseguranças, seus ciúmes, suas dúvidas, seus medos e também querem que eles lhe deem todo o apoio que precisam.
Surge então, o que considero primordial para um possível entendimento entre eles, que é o total conhecimento e a profunda compreensão das reais diferenças que existem entre eles.
Sabemos que não é nada fácil, porque hoje está mais do que provado que homens e mulheres se comunicam de formas totalmente peculiares. Esse é um dos pontos primordiais quando um casal vem buscar ajuda, tentar falar a mesma língua. É muito comum, e me toca profundamente ver um casal em crise, pensando muitas vezes até em separação, mas com um amor ainda muito grande um pelo outro.
É um novo tempo, mudanças radicais de valores, estilos de vida totalmente novos, novas maneiras de se relacionar. É preciso que ambos não se esqueçam disso, para que possam se colocar um no lugar do outro, sabendo que todas essas diferenças dos séculos passados, ( principalmente a educação tão machista dos homens ), não podem magicamente serem apagadas. É difícil para elas também, porque muita coisa nova e desconhecida, elas começaram a viver. Para que as grandes transformações realmente ocorram na vida, é necessário um longo percurso:
- tempo para ver e enxergar, - tempo para pensar e avaliar, - tempo para poder elaborar, - e tempo para poder introjetar de verdade o que foi elaborado.

O respeito e a busca de compreensão com todas essas diferenças é são absolutamente importantes, até porque estamos vivendo exatamente esse novo momento, onde os desencontros estão aparecendo a todo instante, e tanto eles como elas, ainda não sabem bem como se encontrar.
Solange Bittencourt Quintanilha - Psicóloga Clínica,  Psicóloga Médico-Hospitalar, Psicanalista , Psicóloga Motivacional.

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MARÍLIA GABRIELA <> Dr. ÍTALO RACHID - Longevidade, Vida Saudável na Velhice e Corpo Jovem



domingo, 17 de março de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - A Implosão da Mentira


Este poema foi publicado em diversos jornais em 1980. 
Apesar do tempo decorrido, face aos acontecimentos políticos 
que vimos assistindo nesses últimos tempos, ele permanece atualíssimo.


           A implosão da mentira

             Fragmento 1

                                  Mentiram-me. Mentiram-me ontem
                  e hoje mentem novamente. Mentem
             de corpo e alma, completamente.
               E mentem de maneira tão pungente
               que acho que mentem sinceramente.

               Mentem, sobretudo, impune/mente.
               Não mentem tristes. Alegremente
               mentem. Mentem tão nacional/mente
               que acham que mentindo história afora
               vão enganar a morte eterna/mente.

               Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases
               falam. E desfilam de tal modo nuas
               que mesmo um cego pode ver
               a verdade em trapos pelas ruas.

               Sei que a verdade é difícil
               e para alguns é cara e escura.
               Mas não se chega à verdade
               pela mentira, nem à democracia
               pela ditadura.


Fragmento 2

               Evidente/mente a crer
               nos que me mentem
               uma flor nasceu em Hiroshima
               e em Auschwitz havia um circo
               permanente.

               Mentem. Mentem caricatural-
               mente.
               Mentem como a careca
               mente ao pente,
               mentem como a dentadura
               mente ao dente,
               mentem como a carroça
               à besta em frente,
               mentem como a doença
               ao doente,
               mentem clara/mente
               como o espelho transparente.
               Mentem deslavadamente,
               como nenhuma lavadeira mente
               ao ver a nódoa sobre o linho.
                    Mentem com a cara limpa e nas mãos
               o sangue quente.

                  Mentem ardente/mente como um doente
               em seus instantes de febre. Mentem
               fabulosa/mente como o caçador que quer passar
               gato por lebre. E nessa trilha de mentiras
               a caça é que caça o caçador
               com a armadilha.
              
      E assim cada qual
               mente industrial?mente,
               mente partidária?mente,
               mente incivil?mente,
               mente tropical?mente,
               mente incontinente?mente,
               mente hereditária?mente,
               mente, mente, mente.

               E de tanto mentir tão brava/mente
               constroem um país
               de mentir
                                       —diária/mente.



Fragmento 3

               Mentem no passado. E no presente
               passam a mentira a limpo. E no futuro
               mentem novamente.

               Mentem fazendo o sol girar
               em torno à terra medieval/mente.
               Por isto, desta vez, não é Galileu
               quem mente.
               mas o tribunal que o julga
               herege/mente.

               Mentem como se Colombo partindo
               do Ocidente para o Oriente
               pudesse descobrir de mentira
               um continente.
               Mentem desde Cabral, em calmaria,
               viajando pelo avesso, iludindo a corrente
               em curso, transformando a história do país
               num acidente de percurso.


Fragmento 4

               Tanta mentira assim industriada
               me faz partir para o deserto
               penitente/mente, ou me exilar
               com Mozart musical/mente em harpas
               e oboés, como um solista vegetal
               que absorve a vida indiferente.

               Penso nos animais que nunca mentem.
               mesmo se têm um caçador à sua frente.
               Penso nos pássaros
               cuja verdade do canto nos toca
               matinalmente.
               Penso nas flores
               cuja verdade das cores escorre no mel
               silvestremente.

               Penso no sol que morre diariamente
               jorrando luz, embora
               tenha a noite pela frente.


Fragmento 5

               Página branca onde escrevo. Único espaço
               de verdade que me resta. Onde transcrevo
               o arroubo, a esperança, e onde tarde
               ou cedo deposito meu espanto e medo.

               Para tanta mentira só mesmo um poema
               explosivo-conotativo
               onde o advérbio e o adjetivo não mentem
               ao substantivo
               e a rima rebenta a frase
               numa explosão da verdade.

               E a mentira repulsiva
               se não explode pra fora
               pra dentro explode
                            implosiva.