quinta-feira, 31 de maio de 2012

CULT MOVIE - O HOMEM QUE COPIAVA - FILME COMPLETO



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VÍDEO: CULT MOVIE - ASSALTO AO BANCO CENTRAL - FILME COMPLETO



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FERREIRA GULLAR - Presença de CLARICE

MEU primeiro encontro com Clarice Lispector foi numa tarde de domingo na casa da escultora Zélia Salgado, em Ipanema, creio que em 1956. Eu havia lido, quando ainda vivia em São Luís, o seu romance "O Lustre", que me deixara impressionado pela atmosfera estranha e envolvente, mas a impressão que me causou sua figura de mulher foi outra: achei-a linda e perturbadora. Nos dias que se seguiram, não conseguia esquecer seus olhos oblíquos, seu rosto de loba com pômulos salientes.

Voltei a encontrá-la, pouco tempo depois, no "Jornal do Brasil", durante uma visita que fez à redação do "Suplemento Dominical". Conversamos e rimos, mas não voltamos a nos ver num espaço de uns dez anos. De fato, só voltei a encontrá-la logo após voltar do exílio, em 1977. Ela ligou para minha casa: queria entrevistar-me para a revista "Fatos e Fotos", para a qual colaborava naquela época.

Clarice já era então uma mulher de quase 60 anos, marcada por acidente que resultara em sérias queimaduras que lhe deixaram marcas na mão direita. Já quase nada tinha da jovialidade de antes, embora continuasse perturbadora em sua natural dramaticidade. Depois de ouvir dela algumas palavras carinhosas, decidi revelar-lhe como me fascinara em nosso primeiro encontro.
-Você era linda, tão linda que saí dali apaixonado.
-Quer dizer que eu "era" linda?
-E ainda é, apressei-me em afirmar...

Terminada a entrevista, despedimo-nos carinhosamente, mas no dia seguinte ela ligou de novo. Queria encontrar-me para conversar. Fui até sua casa, no Leme, e de lá fomos caminhamos até a Fiorentina, que ficava perto.
Lembro-me que Glauber Rocha, vendo-nos ali, veio sentar-se em nossa mesa e começou a elogiar o governo militar. Clarice me olhava para com espanto, sem entender. Ele, depois daquele discurso fora de propósito, mudou de mesa.
-Ele veio provocar você, disse Clarice. Com que intenção falou essas coisas?
-Glauber agora cismou de defender os milicos. É piração.
Depois dessa noite, voltei a vê-la num encontro que ela promoveu em sua casa com alguns amigos, entre os quais Fauzi Arap, José Rubem...

Foi a última vez que a vi. A roda-viva daqueles tempo me arrastou para longe dela, em meio a problemas de toda ordem, crises na família, filhos drogados, clínicas psiquiátricas. De repente, soube que ela havia sido internada num hospital em estado grave. Localizei o hospital, telefonei para o seu quarto e acertei com a pessoa que me atendeu ir visitá-la no dia seguinte. Mas, ao chegar à redação do jornal, antes de sair para a visita, a telefonista me passou um recado: "Clarice pede ao senhor que não vá vê-la no hospital. Deixe para visitá-la quando ela voltar para casa". E se ela não voltasse mais para casa? Dobrei o papel com o recado e guardei-o no bolso, desapontado.
Àquela noite, quando contei o ocorrido a minha mulher, ela explicou: "Clarice, vaidosa como era, não queria que você a visse no estado em que estava". Pode ser, mas, de qualquer forma, até hoje lamento não ter podido vê-la uma última vez.

Dois ou três dias depois do recado, ela morria. Ao sair do banho, pela manhã, alguém me informou: "Clarice Lispector morreu". De viagem marcada para São Paulo, entrei num táxi que me levou pela lagoa Rodrigo de Freitas. Não poderia ir a seu sepultamento. O táxi corria dentro de uma manhã luminosa, enquanto a brisa balançava alegremente os ramos das árvores. Clarice morrera e a natureza o ignorava. No avião, escrevi um poema falando nisso. Que mais poderia fazer?

Alguns meses atrás, quando aceitei fazer a curadoria da exposição sobre ela, no Museu da Língua Portuguesa, todas essas lembranças me acudiram. Ia ser bom voltar a pensar nela, reler seus livros, pois é neles e só neles que é possível reencontrá-la agora e nunca naquele saárico túmulo do Cemitério Israelita do Caju, aonde certo dia, sob sol escaldante, fui, com Cláudia Ahimsa, visitá-la. Não havia Clarice nenhuma sob aquela laje de pedra, sem flores. E não havia porque, de fato, o que Clarice efetivamente foi, o que fazia dela uma pessoa única e exasperada, era sua patética entrega ao insondável da existência -e a necessidade de escrever, de tentar incansavelmente dizer o indizível, mas certa de que, ao torná-lo dizível, o dissiparia.

Não obstante, isso era tudo o que valia a pena fazer na vida, conforme afirmou: "Quando não escrevo, estou morta".

Em compensação, quando a lemos, ressuscita.


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NÃO FUI TRABALHAR - Lucas SC.

Chove, é outono. 
As gotas de chuva escorrem pelo vidro da janela.
Não fui trabalhar, simplesmente não fui. 
Acordei mais tarde. 
Li o jornal sem pressa. Hoje o dia vai ser meu, só meu. 
Vou ler meia notícia, parar, olhar o vazio, 
sem pensar em absolutamente nada.
O tic-tac do relógio é o único som ambiente. 
O telefone mudo, o violão num canto, 
os classificados do jornal no chão da sala, e eu sentado, vazio, cinzento.
A chuva cai mais forte, 
já li todo o jornal, o vazio aumenta, a cabeça pensa; 
sinto o gosto da tua ausência. É inevitável.
Hoje não fui trabalhar. 
A saudade é a mesma, a única diferença é que chove, 
e eu não fui trabalhar. 


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UMA ILHA CERCANDO O MAR POR TODOS OS LADOS - Gabriel Carneiro

Um homem é o resultado de todas as mulheres que amou (e vice-versa),
de cada uma trás algo que se incorporou à alma dele.
Por isso, uma mulher pode deixar um homem, 
mas um homem nunca deixa uma mulher. 
Essa é a triste realidade.
Recohecer o perfume por trás do perfume,
o prazer por trás do suspiro, a falta do ar...
Pessoal e intranferível.
Única e insubstituível.
Uma ilha, cercando nosso mar por todos os lados...
Aos homens, só resta se afogar e morrer de amor, 
porque só existe essa salvação.
Só resta uma coisa a saber:
Só se aprende a amar com as mulheres, 
porque só elas sabem amar.
Enquanto tentarmos entender o amor, a paixão e todas as variáveis existentes com a racionalidade masculina, continuaremos a discurtir com nossas amadas por coisas absolutamente sem importancia para elas e elas a discutir coisas absolutamente sem importancia para nós.
O grande problema é que é muito dificil conseguir essa sensatez toda no auge de uma discussão. 
Mas, Que tal parar um pouquinho e ouvir o que o outro está falando?

- Ah, mas primeiro eu...eu começo!!!!
- Você começa porque?!!!


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quinta-feira, 24 de maio de 2012

MANOEL CARLOS - De médico e de louco

Marcamos no Café Severino a comemoração pelo retorno do Gustavo ao nosso grupo. Nosso amigo de muito tempo, Tavinho andou arredio, devido a um turbulento divórcio que enfrentou por mais de um ano e que o deixou deprimido. Com isso, afastou-se de tudo e de todos, indo morar um largo tempo em Petrópolis. Agora, dissipadas as negras nuvens da turbulência e já vivendo novamente em paz, eis que ele retornava a nós e ao nosso reino. Não é a primeira vez que um divórcio penaliza algum membro do nosso grupo. Afinal, todos nós já cruzamos a faixa dos 60 anos e contabilizamos mais de um casamento, à exceção de alguns poucos, como Carla e Gabriel, ambos na casa dos 30. Eles fazem parte da nova geração de frequentadores da nossa roda de vinho e grana padano. Gosto dessa presença jovial, pois impede que as reuniões fiquem lacrimosas, cheias de recordações, e que os assuntos mais frequentes sejam os incômodos na lombar e na cervical, além do medo do diabetes e a comparação entre os níveis de colesterol e glicose. Com a mocidade, fala-se da vida, não de doença e morte.

Mas nessa tarde, mesmo com a presença deles, o assunto perigoso voltou a imperar, enquanto nós cinco esperávamos a chegada da turma toda, inclusive do festejado Gustavo.

Minha glicose está em 105 — anunciou o Raul.

É alta. Você já está diabético — sentenciou Alfredo, que é um assumido hipocondríaco.

Pré-diabético — corrigiu Raul, já um pouco irritado.

Acima de 99… — tentou argumentar o Alfredo, com um sorriso maldoso.

Raul cortou:

Ah, não vai atacar de médico, que você, até onde eu sei, é funcionário aposentado da Caixa Econômica.

E tentou encerrar a discussão:

O importante é a saúde como um todo. O fundamental é sentir-se saudável. E é como eu me sinto. Caramba! Você só sabe falar em doença!

Alfredo contra-atacou:

Só me diz uma coisa: o seu colesterol quanto está?

Olhei o Raul e percebi que ele estava a ponto de apelar. Antes que eu pudesse fazer alguma coisa, o Alfredo puxou da carteira os resultados do seu último hemograma, propondo um sinistro desafio:

Vamos comparar os nossos hemogramas! Você tem o seu aí?

Claro que não. Não sou louco como você!

Pelo menos sabe de cor os principais índices?

E enumerou alguns:

Eritrócitos, hemoglobina, leucócitos e plaquetas. Vai, me diz. Aposto que você está anêmico!

Raul saltou da cadeira. Houve uma inquietação no café, já se prevendo uma luta de moleques entre homens da terceira idade, o que seria, no mínimo, ridículo.

Chega — bradou ele, batendo com a palma da mão na mesa.

Calma — disse eu. — Estamos aqui para festejar. Daqui a pouco chega todo mundo e vocês…

Mas Raul emendou, virando-se para o Alfredo, o indicador quase encostando no rosto do amigo:

Que você seja hipocon­dría­co, não tenho nada com isso. Que veja em você todas as doenças, imaginárias ou não, o problema é seu. Mas colocar doenças nos outros, aí não está certo!

E voltou a sentar-se, bufando. Um tempo de silêncio. Olhei o casal jovem. Gabriel passava os olhos num jornal, indiferente à contenda, e Carla olhava a cena, sorrisinho maroto nos lábios. Percebendo que a reunião estava agonizando por sua culpa, Alfredo amenizou:

Me desculpem. Acho que exagerei. Vou embora. Vou ver um carro para comprar, que o meu já está num bagaço de dar pena. Rateando. Como um coração a ponto de enfartar. Quem é que tem uma sugestão para me dar? Pensei numa Pajero esporte…

Foi quando Carla, sempre tão tímida e até um pouco cerimoniosa, cortou em cima, numa voz suave e com os olhos brilhando:

Por que você não compra uma ambulância?

A gargalhada foi geral, contaminando o Raul e o próprio Alfredo. Nesse mesmo momento, começaram a chegar os velhos amigos, com Gustavo à frente, sorridente, feliz.

E fez-se a paz no reino do Café Severino.


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terça-feira, 22 de maio de 2012

ARNALDO ANTUNES - Dois poemas

MANCHA
toda mancha
tem o desenho de uma
poça
com o contorno de uma
rocha
toda mancha
roxa
na pele
ou no papel
onde uma gota
de sangue
se derrama
no lenço
ou no lençol
da cama
como
mangue
ou ilha
numa foto
aérea
quase
esfera
filha
imprecisa
de orla
que o
acaso
forja
fora
do destino
sibilino
:
forma.

**********

EXTRAIR
ex
trair
do tempo improvável, do improvável,
de suas maquinações, ações,
do ato regular que se dissipa em método, todo
hábito que habito, repito,
da meta inalcançável que me fita, cripta
do incontável número dos dias vividos, idos,
da inumerável cota dos dias por vir, ir,
da engrenagem que não pára, dispara,
sacode o chão que piso, piso
de um ônibus em movimento, momento
em que me agarro ao cilindro de metal do alto
-
a vida
-
não a que resta ainda, indo,
mas a que transborda de cada ar expirado, inspirado,
até que arrebente, vente.


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FERREIRA GULLAR - Às vezes

Quando alguém me pergunta se sou o poeta Ferreira Gullar, 
eu respondo: "Às vezes"

Vou tratar hoje aqui de um assunto estritamente pessoal, mas na certeza de que, de uma maneira ou de outra, dirá respeito a muita gente: meu nome. E basta mencioná-lo para começar a confusão, já que são vários e, com frequência, escritos de maneira errada, a começar pelos bancos.

Explico: por mais que me empenhe, não consigo que, nos extratos, nos talões de cheque, venha escrito corretamente: em vez de José de Ribamar Ferreira, vem José Ribamar Ferreira. E isso já deu problema com o Imposto de Renda.

Ontem mesmo, ao receber novo talão de cheques, estava lá o Ribamar sem o "de".
A culpa, obviamente, é de meus pais que, dentre os muitos filhos que tiveram, escolheram logo a mim para o nome do santo mais popular da cidade de São Luís: São José de Ribamar.
No começo, não houve problema, já que em casa me chamavam de Zeca e, na rua, de Periquito. O problema apareceu quando me tornei poeta e passei a publicar poemas nos jornais.

Assinava-me Ribamar Ferreira e só então me dei conta de que muitos outros poetas eram, como eu, também Ribamar e o usavam com seu nome literário.
Não gostei, mas segui em frente, até que um poeta que assinava Ribamar Pereira publicou um poema ruim, em "O Imparcial", que saiu com meu nome.
Cioso de meu prestígio literário -praticamente inexistente-, vali-me da condição de locutor da rádio Timbira para avisar o público em geral de que o tal poema "As Monjas" não era da minha autoria e, sim, do senhor Ribamar Pereira.

A partir de então, decidi mudar de nome e passei a assinar Ferreira Gullar. É que um dos sobrenomes de minha mãe é Goulart e, eu, para evitar futuras coincidências, mudei-lhe a grafia, certo de que não haveria ninguém com nome semelhante em todo o planeta.
Disso me livrei, mas não de outros equívocos. Faz algumas semanas, recebi um jornal de uma pequena cidade do interior, anunciando a criação de um prêmio literário Ferreira Goulart. Agradeço, sinto-me honrado, mas desconfio de que exista algum espírito mau que se diverte em me sacanear.
Devo admitir, no entanto, que tenho alguma culpa nesse cartório, já que, ao longo da vida, adotei diversos nomes.

Por exemplo, quando estava na clandestinidade e precisava ganhar a vida, assinava artigos na imprensa alternativa com o nome de Frederico Marques (Frederico, de Engels; e Marques, de Marx), para enganar e sacanear a repressão.
Foi mais ou menos por essa época que o PCB me pediu que escrevesse um poema para a campanha pela libertação de Gregório Bezerra, e fiz um cordel, que intitulei "História de Um Valente" e assinei José Salgueiro (este, por ser o nome de minha escola de samba preferida).
Mas aí os militares invadiram minha casa à minha procura, prenderam a Thereza, depois soltaram.
Decidimos que era melhor eu ir para a União Soviética até que o processo aberto contra mim fosse julgado.

Fui e lá, no Instituto Marxista-leninista, como todos os alunos eram clandestinos, tive de mudar de nome outra vez e passei a me chamar Cláudio.
Acontece que eu havia escrito, com Vianinha, o roteiro do filme "Em Família", que foi então premiado no festival de Moscou.
E tive que assistir à exibição, no auditório do instituto, desse filme, sem poder dizer a ninguém que aquele Ferreira Gullar que aparecia nos créditos era eu. Fiquei rindo para mim mesmo, no escuro.

De Moscou, fui para Santiago do Chile; de lá, para Lima e depois para Buenos Aires, onde vivi os derradeiros anos de meu exílio.
Naqueles países, não precisei usar de nome falso. Finalmente, voltei para casa, fui preso por alguns dias, mas logo me deixaram em paz.
Como tinha sido pelo Superior Tribunal Militar, pedi, apenas por precaução, uma cópia da sentença de absolvição e, para minha surpresa, o José de Ribamar absolvido não era eu, era outro.

É confusão demais, não acha?
E outro dia, ia eu pelo calçadão da avenida Atlântica quando alguns jovens se aproximam de mim.
-É o Goulart de Andrade!
-Nada disso. É o Paulo Goulart!
Por essa e outras é que, quando alguém me pergunta se sou o poeta Ferreira Gullar, respondo: - "Às vezes".

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FERNANDA YOUNG - Sobre a Solidão

Entender é trancar-se dentro da palavra.
Quem não sabe, quem não sabe, quem não quer saber de nada gruda a língua no céu da boca, não escuta e finge que não vê.
Entender é um outro nível da ignorância. Bastaria um toque se fôssemos livres.
Não é preciso nenhum livro para quem pode não ler.
Se quisermos, amiga, não entendemos nada...
Tem quem prefira os beijos às palavras.
Tem quem não viva sem um off dizendo não, o tempo todo.
Tem gente de tudo o que é tipo.
Só não devemos viver sem o sentido, sem a realidade, o objeto, o eu e o você.
Somos infelizes. Jamais sobreviveríamos à liberdade de leves e inconseqüentes ações.
-Vamos, vamos logo subir essa escada que leva o amor ao último andar.
Estamos descalços e o mármore gela os nossos pés. Sobe pelo corpo o tremor do castelo que desmorona.
Então vamos, segura firme no corrimão. Respire fundo. Subir tão alto dá vertigem e olhar para trás deixaria-nos cegos.
Os erros são medusas intransigentes, arrancam as nossas lembranças boas e tatuam os desaforos e mágoas.
Por isso, Marche! Ainda estou contigo. Para ir até o fim da paixão deve-se estar acompanhado. Sinta o meu perfume enquanto o vento do tempo sopra esse bafo de mudança. Se quiser, dou-lhe o braço. Entraremos no salão da grande dança. A quadrilha dos desafortunados só começa quando o poeta recita a dor de um adeus. Pronto. Mais alguns passos e poderemos nos soltar no espaço. Livres. Serenos. E tristes. Vamos logo. Não há mesmo como evitar a covardia. Não há coragem para se ir até o fundo.
É isso, meu amor, agora só mais um degrau e você estará – de novo – em paz com o seu coração vazio. Por isso, vamos!
O nada não inspira, não treme os sexos, não dá calafrios, nem ciúmes; Não cria o ódio, nem teme o abandono. Ali você poderá descansar sem culpa, remorsos, sonhos estúpidos.
Amar proibido é muito. Causa tanto estrago...
E por isso, por tudo isso, vamos!
No final devo pedir perdão por tê-lo tocado.
Agora pode largar a minha mão. Pode partir.
Lembre-se ou esqueça-se de mim.
Coração quebrado tem cura: a paz de não precisar mais aguardar a perfeição que não existe.
-Não estou mais agüentando.
A ansiedade –não mais aquela por bombons – poderá me estourar a veias. É o pior momento, esse, meio excitado, meio cansado, quando eu espero que campainhas toquem. Anunciando mudanças... e elas tocam, mas é somente um rapaz que me diz sobre uma encomenda ou um engano ou uma ligação familiar. Nada de mudanças. As mudanças, minha cara, só nas cores do cabelo, nas roupas e nos dias da regra mensal.
Não! Não queiram que eu acredite que tudo o que vivo será eterno, igualmente bom, para o resto dos meus dias. Não posso viver com o igual, não posso sobreviver ao certo, não quero morrer com certezas.
- Então vá se foder! E estrague logo esse lindo!
Receio da confusão o estresse, do medo à apatia das impulsivas atitudes, mágoas. Escuto música as alturas, quero somente amortecer os erros. E mudar de idéia. Quem sabe o porque do quê?
- O que você está falando, mulher? – Nada, nada... é só a vida enchendo o saco com surpresas. Queria ser do século XVII, arfar o peito e ajoelhar num confessionário de madeira de lei... e eu não entendo porra nenhuma de madeira, entendo de culpas. Mas é negra a solidão de quem escreve...
Na casa dos meus avós tinha móveis negros, não tenho mais ninguém para mexer gavetas e tomar coca cola pequena no gargalo.


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MARCIA TIBURI - O Amor: promessa e Dúvida

Amor é uma palavra que precisamos hoje usar com cuidado. Para os poetas é uma palavra bonita, para os conquistadores sexuais ou religiosos, é estratégica. De outro lado, é sincera tanto quanto é confusa, para muitos amantes que, adolescentes ou maduros, se perdem em suas promessas. Não há amor sem promessa de felicidade, já dizia Sthendal, escritor do século XIX. Amantes são aqueles que vivem em nome do amor, que o praticam à procura de um ideal de felicidade que só o amor parece realizar. Quem acredita nisto pode bem ser chamado de romântico.


Para os descrentes, porém, os que desistiram de amar, amor não passa de uma palavra em desuso. Algo nela pode soar a pieguice ou sentimentalismo. Melhor deixá-la de lado, pensa o decepcionado. Mera máscara sem rosto, rememoração do ressentimento de não se ter mais a realização da promessa na qual acreditara, o amor, para muitos, está fora da ordem. E, por isso, fora de moda e mesmo algo banal.

AMAR O AMOR, DUVIDAR DO AMOR
Além daquele que olha o amor com a dor que lhe restou há alguém que ainda crê no amor, ainda que seja seu crítico. Talvez o amor não tenha sido a parte feliz de sua sina e é melhor analisá-lo racionalmente como qualquer objeto. Nele pesa a voz de ilusão do amor interna a uma promessa ideal. Algo que faz duvidar dele. Ainda que ao duvidar se esteja buscando chegar, de algum modo, perto do amor. Só a dúvida poderia nos levar a ter esperança de, algum dia, chegar à certeza. O que há de mais certo sobre o amor, é, todavia, que ele é plenamente incerto. Mesmo assim pensar nele é uma prazer mais que romântico.

Neste caso, como palavra, o amor é menos substantivo e mais verbo. Intransitivo, o que simplesmente é e não se conjuga, como no título do romance escrito em 1923 por Mário de Andrade “Amar, verbo intransitivo”. Ama-se o amor, mais do que alguém que amar. Quer-se amar, amar é preciso, mais do que saber o que é o amor. Definir o amor é o que menos importa. Neste título, porém, há uma definição do amor, a de que ele é um sentimento que se vive, não importa quando, nem onde, nem em relação a quê.

Talvez o amor sobre o qual tanto falamos esteja hoje longe de nós à medida que confundimos a riqueza da expressão amor com a paixão. Falta-nos atenção ao amor quando o confundimos com a simples paixão que é o desejo autoritário e desenfreado por alguma coisa ou pessoa. É como se o amor fosse algo que nos toma e que não podemos compreender, quando muito ter sorte com ele, ou aceitar o sofrimento, a dor com cuja rima já não podemos deixar de vê-lo.

AMOR PLATÔNICO
O amor está presente no nascimento da filosofia. No período clássico da Grécia antiga, o amor é uma das questões mais importantes. Podemos dizer que a filosofia começa com a descoberta do amor. O amor é o que nos faz pensar. Na base do amor está o espanto, o encantamento. Para os filósofos antigos, o amor não é uma palavra complexa, mas três: eros, philia, ágape. Cada uma delas tenta designar um sentimento que é bem maior que a palavra com a qual é expresso. O sentimento nunca é simples, a palavra que o batiza também não.

Eros é o amor como desejo. Na obra de Platão trata-se de um sentimento que compõe a própria filosofia, o modo como se pode pensar. Não apenas desejo do belo, do corpo de outro, anseio de alegrias carnais, mas, sobretudo, é o sentimento que compõe o desejo de saber o que está para além do corpo. Quando se ama alguém, do ponto de vista platônico, se ama o que está além do que se vê. Se ama, inclusive, o que não se vê. Por isso, a curiosa expressão “amor platônico” tem uso corrente em nosso vocabulário. Com ela procuramos expressar o amor que vive de ser teoria sobre si mesmo. Ele se auto-alimenta. É uma espécie de amar como verbo intransitivo. Um amor sem prática, pura admiração, pura contemplação. Contemplação, ver algo, é o termo pelo qual se traduz a palavra “teoria”. Podemos dizer que o amor platônico é um amor teórico, um amor que se compraz em ver, olhar, pensar no que se vê. O que se vê, porém, não corresponde ao olho do corpo, mas ao olho da alma.

ALÉM DO AMOR
Filia” significa amizade. Filosofia (Philia+Sophia) é uma espécie de amizade pela sabedoria. A amizade é próxima do desejo, pois ambos querem chegar os memso lugar que é o bem. Apenas é um pouco diferente de Eros, pois na Philia a racionalidade exerce sua força. Ela designa um passo além do desejo enquanto este é fortemente platônico e contemplativo. Na amizade constitui-se um laço que vai além do contemplativo ainda que dele precise, que ele permaneça em sua base.

De um amigo queremos ficar perto por admiração e respeito. Ao mesmo tempo a amizade envolve a noção de companheirismo, de estar junto do outro. O amigo é o que se une ao outro em nome de algo comum. Quando a palavra filosofia foi forjada no século V a.C. na escola pitagórica, ela se referia ao grupo de filósofos reunidos na prática de uma vida contemplativa, uma vida em nome da sabedoria. A filosofia era uma prática de vida que se realizava entre amigos.

Ágape era o amor que se tinha por tudo o que existia. Era o amor desinteressado, o amor pela vida. Sobretudo, Ágape define uma amor pela natureza, é o amor altruísta. Amor que envolve uma determinada compreensão do mundo como morada do humano dentro do cosmos, como ordem da natureza e da cultura. Os gregos acreditaram no amor como uma potência essencial a tudo o que existia, assim como o cristianismo primordial. Como poderíamos hoje retirar o amor da banalização à qual foi lançado e restituir seu sentido maior, aquele que leva à liberdade humana? A resposta a esta pergunta exige o próprio amor.


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NELSON MOTTA - Nomes próprios

Como expressão de afeto e intimidade, os apelidos dizem mais das pessoas do que seus próprios nomes. Como maledicência, às vezes geram obras-primas de humor e crítica social. O ex-deputado alagoano Cleto Falcão, que as más línguas diziam ser meio agatunado, foi apelidado de Clepto Falcão. E o ex-governador mineiro Hélio Garcia, que seria muito chegado aos copos, de Ébrio Garcia. Brasília gargalhou quando o baixinho Celso Amorim, por sua mania de grandeza, foi alcunhado de Megalonanico. No Paraná, todos sabem que o ex-governador Requião é chamado de Maria Louca, mas há controvérsias sobre a sua origem. Garotinho surrupiou o apelido de um famoso locutor esportivo carioca.

ACM alcunhou, com sucesso, Michel Temer de "mordomo de filme de terror". Grande mestre do uso político de apelidos, Brizola provocou gargalhadas e estragos eleitorais chamando Lula de "sapo barbudo", Moreira Franco de "gato angorá" e Collor de "filhote da ditadura". Em diálogos entre corruptos gravados pela PF, Sarney é chamado de "madre superiora". Faz sentido.

"Rei", só existem dois, Roberto Carlos e Pelé, e "Bruxo" também: Machado de Assis e Golbery do Couto e Silva. Como siglas, só três sobrevivem: JK, ACM e FHC.

Grandes craques têm sempre apelidos, Pelé, Zico, Tostão, Didi, Fenômeno, ninguém pode bater um bolão como Castro, Góis ou Motta. Dunga teve que superar o apelido ridículo para ser um campeão, assim como Pato e Ganso. Popó nocauteou Acelino. Fofão não seria uma estrela do vôlei como Hélia Pinto.

Tim teria o mesmo sucesso como Sebastião Maia? Cartola seria famoso como Angenor de Oliveira? Lulu Santos seria um popstar como Luiz Maurício? Ninguém imagina Lobão cantando, falando e fazendo o que faz se fosse só João Luiz. Gay e transgressivo, Cazuza não poderia ser um ídolo do rock como Agenor Araújo. Paulinho Boca de Cantor, Gato Félix, Bolacha e Baby Consuelo, batizada como Bernardete, só poderiam ser dos Novos Baianos.

Um dos apelidos recentes mais criativos é o aparentemente inofensivo Estebán, que é como a oposição venezuelana chama Hugo Chávez. É a abreviação de "este bandido".

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CLÁUDIA LAITANO - Como nascem os pais

Observando casais com bebês recém-nascidos ou por chegar, é possível perceber como as mães tendem a ser parecidas umas com as outras, enquanto os pais seguem um padrão mais errático de comportamento, variando do envolvimento absoluto à mal disfarçada indiferença.

Mães de primeira viagem costumam ser muito pragmáticas – e previsíveis. Não que o lado subjetivo da maternidade não cobre algum reordenamento mental, mas são tantas as questões práticas a enfrentar naquelas primeiras semanas – alimentar, aquecer, aninhar –, que o resto parece ficar em segundo plano. O pai, por sua vez, é sempre uma revelação, um mistério a ser decifrado na medida em que a nova condição se impõe.

A forma como um homem lida com a paternidade é uma espécie de consolidação de uma mistura imponderável de uma série de variáveis, que vão da ideia de pai ideal que ele construiu ao longo da vida (ou não) ao investimento amoroso na mulher que está lhe dando um filho. Há pais quase mães, assim como há pais quase tios de segundo grau. Ambos orbitam no âmbito da “normalidade”, ou seja, um pai que nunca trocou uma fralda pode ser tão aceitável (ou estranho) quanto um pai que parou de trabalhar para cuidar do filho.

Nos casos de uma paternidade não desejada, ao homem é dada a opção de decidir se será um pai de fato ou de dever, já que a lei obriga que pague as contas de um filho comprovadamente seu – mas não mais do que isso. Em um país com uma arraigada cultura de abandono de filhos, o teste de DNA foi um avanço e tanto.

São tantas as histórias de pais que somem deixando para trás filhos nascidos dentro ou fora de um casamento, que é impossível a gente não se perguntar por que isso é tão comum aqui e não tanto em outros países com condições sociais e econômicas parecidas com as nossas.

Curiosamente, o mesmo país que naturalizou o “pai desconhecido” não quer nem ouvir falar em uma legislação que contemple a interrupção de uma gravidez indesejada. Na prática, a ambígua moralidade brasileira dá o seguinte recado para o mundo: mulheres têm a obrigação de ser mães, querendo ou não, enquanto os homens têm apenas o dever de pagar as contas – e isso se a lei os alcançar.

A decisão inédita do STJ de condenar um pai por “abandono afetivo” da filha, anunciada esta semana, abre a possibilidade de discutirmos as letras miúdas do contrato de paternidade. Pais podem dar bronca ou não, podem ensinar o filho a andar de bicicleta ou não, podem sustentar a família ou não. A paternidade ideal, ou possível, sempre será uma construção individual, tanto quanto a maternidade. Mas os compromissos de um pai ou de uma mãe com um filho nunca vão ser apenas materiais. Como lembrou a ministra Nancy Andrighi ao dar sentença esta semana, “amar é faculdade, cuidar é dever”.



ROSELY SAYÃO - Separados pelos pais

Toda criança tem o direito de conviver igualmente com seus pais, 
estejam eles juntos ou não.

Nos últimos dias, vários leitores pediram esclarecimentos a respeito da síndrome de alienação parental. O tema foi introduzido pelas notícias que a imprensa publicou a respeito do garoto Sean Goldman.
Só para relembrar o caso: o garoto, filho da união de uma brasileira com um norte-americano, morou nos Estados Unidos com os pais até que a mãe o trouxe para o Brasil e aqui ficou com ele, decidida a se separar do pai do menino. Aqui, ela construiu um novo relacionamento, engravidou e morreu quando sua filha nasceu.

O pai do garoto iniciou um movimento nos Estados Unidos para ter a guarda do filho e conseguiu. Agora com 11 anos, Sean mora com o pai. A irmã por parte de mãe e avós maternos moram no Brasil e estão sem contato com o menino desde sua partida.

Recentemente, o garoto deu uma entrevista a uma emissora de televisão dos Estados Unidos. Sua participação teve repercussões em nosso país e a expressão voltou a ser tema de conversas.

Síndrome de alienação parental é um termo que passou a ser usado a partir dos anos 80 para identificar a situação vivenciada pela criança que, por interferência da mãe ou do pai, sofre prejuízo no relacionamento com um deles. Isso acontece principalmente após o rompimento da união que gerou essa criança. No Brasil, a síndrome de alienação parental foi regulada pela lei número 12.318 de 26 de agosto de 2010.

Precisamos reconhecer: essa situação não é incomum. Aliás, é cada vez mais frequente em um mundo em que os casamentos, os rompimentos e os recasamentos ocorrem em intervalos de tempo cada vez menores.
Por que será que é tão difícil para dois adultos que um dia se relacionaram com intimidade permitir que o filho, fruto desse relacionamento, se relacione com seus dois pais igualmente?

Um dos motivos pode ser a imaturidade. Crescemos o suficiente para escolher ter um filho sem ter de manter a união que gerou a criança, mas ainda não crescemos o suficiente para arcar com todas as consequências dessa nossa escolha.

Ter um filho é para sempre. O filho cresce, assume sua própria vida, mas será para sempre o filho de alguém. E isso significa que, para sempre, carregaremos as consequências dessa nossa escolha. E hoje é difícil, muito difícil, reconhecer o significado dessa expressão "para sempre", não é verdade?
Outro motivo pode ser nosso egoísmo. Ficamos tão envolvidos com nossos sentimentos, mágoas e ressentimentos que somos guiados por eles e isso nos leva a esquecer totalmente da criança. Temos pouca -quando não nenhuma- disponibilidade para renunciar ao que sentimos para priorizar a criança que nada tem a ver com o rompimento da relação de seus pais.

Toda criança tem o direito de conviver com seus pais e as famílias de origem deles, estejam seus pais juntos ou não. Toda criança deve ter a oportunidade de, ela mesma, construir, aos poucos, a imagem de seu pai e de sua mãe como consequência de sua relação direta com ambos.

Toda criança deve ter garantido os direitos de construir sua identidade familiar, de aprender a conviver com famílias diferentes, de não ser levada, sob pressão emocional, a tomar o partido de um de seus pais.
São raros, bem raros, os casos em que o pai ou a mãe não deve ter contato com o filho para a segurança e a proteção dele. Por isso, devemos nos lembrar de que o que protege e dá segurança a uma criança é ela saber que pode contar sempre com seus pais, mesmo que eles estejam separados.

HÉLIO SCHWARTSMAN - Toda forma de amor vale a pena

Aceito a provocação de meu colega João Pereira Coutinho e, já que Obama não vai fazê-lo, defendo hoje a poligamia e outras variações mais extravagantes do amor.

Tenho uma proposta que resolve de vez toda a novela em torno do casamento gay e questões correlatas: basta o Estado pular fora do ramo das núpcias e reconhecer apenas uniões civis, sejam elas entre homem e mulher, pares do mesmo sexo e as múltiplas possibilidades combinatórias.

O problema de fundo é que o casamento hoje reúne duas funções totalmente distintas: uma contratual, com consequências jurídicas, e outra de reconhecimento social, com implicações para o status das pessoas. Do ponto de vista do Estado, apenas a primeira, que envolve assuntos como sucessão, guarda de filhos e direitos previdenciários, tem relevância, mas é a segunda que responde pela maior parte das desavenças.

A dupla função tem razões históricas. Antigamente, o casamento funcionava como uma espécie de licença para fazer sexo e ter filhos. Só que, com a ampliação dos direitos individuais, que teve início em fins do século 18, essa função social se tornou anacrônica. Ao menos no Ocidente, o sexo consensual entre adultos é um direito inquestionável que independe de licença prévia. Eliminar a ambiguidade, fazendo com que o poder público se atenha aos aspectos jurídicos das uniões e deixando o casamento para instituições de direito privado, resolveria o "imbróglio".

Todos estariam livres para praticá-lo da forma que quisessem. Os católicos, por exemplo, continuariam a oferecê-lo só a pares heterossexuais e em caráter indissolúvel, enquanto a ABGLT poderia criar os rituais que desejasse para contemplar os homossexuais. Quanto aos polígamos, que mantêm um(a) ou mais amantes (o que não é ilegal, frise-se), desde que inventemos uma fórmula jurídica para não onerar demais a Previdência, também eles poderiam finalmente gozar das delícias do casamento.

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segunda-feira, 21 de maio de 2012

MARTHA MEDEIROS - Não canse quem te quer bem

Uns mais, outros menos, todos passam dos limites 
na arte de encher os tubos.

Foi durante o programa Saia Justa que a atriz Camila Morgado, discutindo sobre a chatice dos outros (e a nossa própria), lançou a frase: Não canse quem te quer bem. Diz ela que ouviu isso em algum lugar, mas enquanto não consegue lembrar a fonte, dou a ela a posse provisória desse achado.

Não canse quem te quer bem. Ah, se conseguíssemos manter sob controle nosso ímpeto de apoquentar. Mas não. Uns mais, outros menos, todos passam do limite na arte de encher os tubos. Ou contando uma história que não acaba nunca, ou pior: contando uma história que não acaba nunca cujos protagonistas ninguém ouviu falar. Deveria ser crime inafiançável ficar contando longos causos sobre gente que não conhecemos e por quem não temos o menor interesse. Se for história de doença, então, cadeira elétrica.

Não canse quem te quer bem. Evite repetir sempre a mesma queixa. Desabafar com amigos, ok. Pedir conselho, ok também, é uma demonstração de carinho e confiança. Agora, ficar anos alugando os ouvidos alheios com as mesmas reclamações, dá licença. Troque o disco. Seus amigos gostam tanto de você, merecem saber que você é capaz de diversificar suas lamúrias.

Não canse quem te quer bem. Garçons foram treinados para te querer bem. Então não peça para trocar todos os ingredientes do risoto que você solicitou – escolha uma pizza e fim.

Seu namorado te quer muito bem. Não o obrigue a esperar pelos 20 vestidos que você vai experimentar antes de sair – pense antes no que vai usar. E discutir a relação, só uma vez por ano, se não houver outra saída.

Sua namorada também te quer muito bem. Não a amole pedindo para ela posar para 297 fotos no fim de semana em Gramado. Todo mundo já sabe como é Gramado. Tirem duas, como lembrança, e aproveitem o resto do tempo.

Não canse quem te quer bem. Não peça dinheiro emprestado pra quem vai ficar constrangido em negar. Não exija uma dedicatória especial só porque você é parente do autor do livro. E não exagere ao mostrar fotografias. Se o local que você visitou é realmente incrível, mostre três, quatro no máximo. Na verdade, fotografia a gente só mostra pra mãe e para aqueles que também aparecem na foto.

Não canse quem te quer bem. Não faça seus filhos demonstrarem dotes artísticos (cantar, dançar, tocar violão) na frente das visitas. Por amor a eles e pelas visitas.

Implicâncias quase sempre são demonstrações de afeto. Você não implica com quem te esnoba, apenas com quem possui laços fraternos. Se um amigo é barrigudo, será sobre a barriga dele que faremos piada. Se temos uma amiga que sempre chega atrasada, o atraso dela será brindado com sarcasmo. Se nosso filho é cabeludo, “quando é que tu vai cortar esse cabelo, guri?” será a pergunta que faremos de segunda a domingo. Implicar é uma maneira de confirmar a intimidade. Mas os íntimos poderiam se elogiar, pra variar.

Não canse quem te quer bem. Se não consegue resistir a dar uma chateada, seja mala com pessoas que não te conhecem. Só esses poderão se afastar, cortar o assunto, te dar um chega pra lá. Quem te quer bem vai te ouvir até o fim e ainda vai fazer de conta que está se divertindo. Coitado. Prive-o desse infortúnio. Ele não tem culpa de gostar de você.


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