quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A CULTURA DA INDIFERENÇA - Christian Ingo Lenz Dunker

O amor não acaba no momento em que passamos a odiar o outro, 
mas quando nos tornamos indiferentes a ele; 
aí surge o narcisismo de alta periculosidade.

O livro Cultura do narcisismo escrito por Christopher Lash em 1979 é um clássico. O autor descreve o modo de vida americano nos anos 70, retratando uma sociedade na qual a participação na esfera pública entrava em declínio e as pessoas enfrentavam dificuldades para reconhecer sua própria história. O livro é premonitório em vários sentidos: apresenta o horror à velhice, à feminilização da cultura, à autoridade burocrático-permissiva, à educação como mercadoria, à autopromoção por meio de “imagens de vitória” e ao paternalismo sem pai.

O texto de Lash mostra como o que era diagnosticado como patologia narcísica ou limítrofe nos anos 50 torna-se uma espécie de “normalidade compulsória” depois de duas décadas. Para que alguém seja considerado “bem-sucedido” é trivialmente esperado que manipule sua própria imagem como se fosse um personagem, com a consequente perda do sentimento de autenticidade, dramatizando a vida em forma de espetáculo, com o correlativo complexo de impostura ou olhar para o trabalho como se ele fosse uma maratona olímpica e, a pessoa, um herói predestinado.

Mas havia um capítulo subtraído da descrição de Lash ao qual o psicanalista Jurandir Freire Costa se refere, tendo em vista o caso brasileiro: a violência. Ao contrário do narcisismo americano que produzia sentimentos de vazio, isolamento e solidão, o narcisismo à brasileira é capaz de inverter inadvertidamente a docilidade em violência. Seria preciso voltar a três hipóteses sobre a brasilidade para entender este fenômeno.

Para Sérgio Buarque de Holanda nossa contribuição aos costumes universais está na cordialidade com a qual combinamos vícios públicos e benefícios privados. Nosso “manejo” da lei explica a dificuldade de reconhecer problemas comuns e de engendrar verdadeiras transformações. Daí a formação de uma docilidade que nada mais é do que resignação, ressentimento e conformidade. Para os modernistas como Oswald e Mário de Andrade, nossa violência é um caso exagerado de complexo canibal de devoração do Outro. Nosso consumo do estrangeiro é ao mesmo tempo violência e submissão, impotência e desmesura, caráter e autoironia. Finalmente, para Gilberto Freire violência e docilidade convivem bem em razão das inversões propiciadas pela sexualidade, na qual o mais fraco pode dominar o mais forte para em seguida ser submetido vingativamente por este.

Se o narcisismo nada mais é que a patologia normal do amor, percebe-se que as três hipóteses sobre a gênese de nossa violência narcísica respondem por três maneiras distintas de negar o amor como paradigma da relação de reconhecimento: invertendo-o em ódio invejoso dirigido ao dominador, como mostra Freire em Casa grande e senzala, projetando-o no Outro plenipotente a ser expoliado, conforme o Manifesto antropofágico, de Osvald de Andrade, ou mimetizando desamparo diante daquele que é o dono da lei, como em Raízes do Brasil, de Buarque de Holanda. Freud dizia que o amor é uma pulsão especial porque ela admite três e não apenas uma negação, como a maior parte das pulsões. Amar opõe-se a ser amado, como no canibalismo-­cordial, mas também a odiar como na dominação-cordial.

Contudo, a oposição real se dá entre amor e indiferença. O amor não acaba quando odiamos o outro ou quando queremos lhe fazer o mesmo que nos fez, mas quando nos tornamos indiferentes. Este é o narcisismo de alta periculosidade, pois passa da docilidade à violência baseado apenas na experiência de admitir ou negar a existência do outro. Na cordialidade, na antropofagia ou na dominação sexual a existência do outro está prevista, bem como as alternativas de reconhecimento. Algo diferente se passa quando nossa cultura da indiferença é forçada a reconhecer aqueles que, até então, não existiam. E isso sempre será percebido como violência. Mas de quem?





A FUNÇÃO SOCIAL DA CULPA

Estratégias de culpabilização contribuem para a interiorizar normas sociais, 
mas podem dificultar o amadurecimento emocional

Algumas pessoas parecem verdadeiros mestres na arte de fazer com que os outros se sintam culpados. “E para isso empregam estratégias cognitivas complexas, ainda não suficientemente estudadas no âmbito psicossocial”, diz a doutora em psicologia com formação em filosofia Maria Miceli, pesquisadora do Instituto de Ciência e Tecnologia da Cognição (ISTC), na Itália.

Após dedicar vários estudos ao tema, ela acredita que se considerarmos que o sentimento de culpa tem papel social, favorece o desenvolvimento moral e de responsabilidade. No âmbito pessoal, quando apontamos o responsável por algo ruim aparentemente nos preservamos, colocamos o “mal” fora de nós. “Num nível mais amplo, estratégias de culpabilização contribuem para o aprendizado e interiorização de normas sociais, além de funcionar como instrumento para exercitar o próprio poder sobre o outro”, afirma Maria Miceli.

Para atingir esse objetivo são empregados diversos mecanismos: pode-se passar de uma constatação (“fiquei doente”, caso em que a acusação se refere à ausência de resposta a um pedido de ajuda) para uma acusação direta (“você me fez ficar doente”, passando por “se eu não fosse obrigado a fazer tudo sozinho, não teria adoecido”). Ou então agredir o outro com uma repreensão explícita (“você tem consciência do que me fez?”) e até repreender em termos hipotéticos (“se tivesse feito isto eu te odiaria”), por exemplo. Em muitas famílias e até empresas cultiva-se a cultura do “bode expiatório”: alguém, nem sempre a mesma pessoa em todas as ocasiões, tem de arcar com o peso do erro.

Na tradição judaica, durante a cerimônia do Yom Kippur, animais eram sacrificados no templo ou deixados só na natureza, sem água ou alimento. Simbolicamente, seu sofrimento expiaria os pecados dos homens – daí o uso do termo quando uma única pessoa é culpabilizada por todo o grupo. “O problema desse tipo de conduta é que quase sempre ela impede possibilidades de diálogo e reflexão, dificultando o esclarecimento e o amadurecimento emocional”, observa Maria Miceli.
Revista Mente & Cérebro





O AMOR SE ESCONDE – Edmir Silveira


Eu te conheço, antes mesmo de te conhecer, em meus desejos.
Você é sempre linda, mas eu nunca consigo ver seu rosto.

A cada sonho apareces diferente.
Mas seu olhar te revela e me hipnotiza de novo,
misturando carinho, tesão e amor,
em doses muito, muito precisas.

Sua pele sempre parece feita de tudo,
um pouco de carne, um pouco de veludo,
um raio de sol, um raio de lua,
É a felicidade sorrindo, a alegria nua

Você é o alimento dos meus sonhos.
Me faz sentir tudo que os sentidos podem alcançar.
O seu cheiro, o som da sua voz, o toque na sua pele, o gosto do seu desejo.

Te reconheço pelo olhar, seja com cabelos louros, castanhos ou escuros.
Te reconheço pelo cheiro do seu couro cabeludo.
Reconheço cada parte de você inteira, em cada novo corpo.
Te redescobrindo sempre. Te amando sempre.

Mas, de repente você some, desaparece sem avisar,
deixando no seu lugar, onde você existia,
uma pessoa que não conheço. A casca do amor.

Mas, sempre reapareces de novo, perfeita, e cada vez diferente.
Com outro nome, com outros corpos, outros cabelos e outros olhos.
E durante algum tempo você permanece ao meu lado.
É quando sou feliz. É quando amo. É quando vivo.

Amei todos os seus nomes, todos os seus corpos e todas as suas vozes.

Mas, agora, chegou a hora de nos conhecermos sem máscaras,
para nunca mais desaparecermos um do outro.
Estou cansado de te perder.


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E. E. CUMMINGS - Eu Carrego Você Comigo


Carrego seu coração comigo
Eu carrego no meu coração
Nunca estou sem ele
Onde quer que vá, você vai comigo
E o que quer que faça
Eu faço por você
Não temo meu destino
Você é meu destino, meu doce
Eu não quero o mundo por mais belo que seja
Você é meu mundo, minha verdade.

Eis o grande segredo que ninguém sabe.
Aqui está a raiz da raiz
O broto do broto e o céu do céu
De uma árvore chamada VIDA
Que cresce mais que a alma pode esperar
ou a mente pode esconder
E esse é o pródigo que mantém
as estrelas à distância.

Eu carrego seu coração comigo
Eu o carrego no meu coração.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

PABLO NERUDA - Querer


Não te quero senão porque te quero 
E de querer-te a não querer-te chego 
E de esperar-te quando não te espero 
Passa meu coração do frio ao fogo.

Te quero só porque a ti te quero, 
Te odeio sem fim, e odiando-te rogo, 
E a medida de meu amor viageiro 
É não ver-te e amar-te como um cego.

Talvez consumirá a luz de janeiro 
Seu raio cruel, meu coração inteiro, 
Roubando-me a chave do sossego.

Nesta história só eu morro 
E morrerei de amor porque te quero, 
Porque te quero, amor, a sangue e a fogo.




MARTHA MEDEIROS - Poesia - Tristeza é quando


Tristeza é quando chove
quando está calor demais
quando o corpo dói
e os olhos pesam tristeza
é quando se dorme pouco
quando a voz sai fraca
quando as palavras cessam
e o corpo desobedece
tristeza é quando não se acha graça
quando não se sente fome
quando qualquer bobagem nos faz chorar
tristeza é quando parece que não vai acabar.


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CHARLES CHAPLIN - Sem Mais Lágrimas


Chorar não resolve, falar pouco é uma virtude, 
aprender a se colocar em primeiro lugar não é egoismo.

Para qualquer escolha se segue alguma consequência,
vontades efêmeras não valem a pena,
quem faz uma vez, não faz duas necessariamente,
mas quem faz dez, com certeza faz onze.

Perdoar é nobre, esquecer é quase impossível.
Quem te merece não te faz chorar, quem gosta cuida,
o que está no passado tem motivos para não fazer parte do seu presente,
não é preciso perder pra aprender a dar valor, e os amigos ainda se contam nos dedos.

Aos poucos você percebe o que vale a pena, o que se deve guardar pro resto da vida, 
e o que nunca deveria ter entrado nela.

Não tem como esconder a verdade, nem tem como enterrar o passado,
o tempo sempre vai ser o melhor remédio,
mas seus resultados nem sempre são imediatos.


A SOLIDÃO DO HOMEM – Lucas SC

Há muito a mulher já está em seu devido lugar, ou seja, em igualdade de condições com o homem. Justo, muito justo. Fora as óbvias diferenças e as não tão óbvias geradas pelas oscilações hormonais nas várias fases da vida feminina, sempre vi as mulheres como iguais, só que mulheres. Tenho irmãs, uma com idade muito próxima e, de quem, sou especial e infinitamente amigo e confidente.

Mas, nesse texto, meu foco somos nós, os homens heteros. Reconhecemos a igualdade, os direitos, as diferenças e tudo mais que veio a reboque. É a evolução humana. É fato.

Agora, gostaria que todas (os) fizessem uma coisa que acho que há muito tempo não fazem, e, se fazem, nem notamos: prestar um pouquinho de atenção na gente. Nos homens. No que sentimos e como nos sentimos.

Vocês sabiam que a gente também sente uma depressão profunda quando nos separamos de vocês?

Vocês sabem o quanto é difícil deixar a filha na casa de vocês, nos domingos à noite e voltar pra casa sozinho?

É, o homem é muito mais solitário que as mulheres. Por vários motivos, culturais principalmente. Mulher chora, liga pra amiga no meio da madrugada, dorme na casa da outra pra fazer companhia, até ao banheiro elas vão juntas!

Homem não. Homem é sozinho. E quanto mais triste, mais sozinho quer ficar. Vocês, mulheres, sabiam que a maioria dos homens tem vergonha de estar triste, deprimido?

Podem se sentir em pleno desespero emocional, mas não ligam pros amigos no meio da noite. Choram sozinhos, quando conseguem romper as próprias barreiras. Nossa, como um choro profundo alivia...

As mulheres tem o trabalho, mil coisas pra fazer todos os dias e quando chegam em casa, cansadas, ainda tem que dar atenção aos filhos. Nunca estão sozinhas.

Se vocês soubessem como faz falta o dia a dia com os filhos, se vocês soubessem como tudo isso preenche a vida...

O ser humano só preenche esse vazio interior com pessoas. Com afeto.
Mulheres, por favor, nos ensinem como se faz isso. Não sabemos.
Nos ensinem a não ter vergonha de assumir nossas dores, nossas dúvidas, nossas inseguranças, como vocês assumem as de vocês e, por isso, são tão melhor resolvidas.

Homem tem vergonha de ser dispensado do trabalho, de ser rejeitado (mesmo que seja só no time da pelada), de ser traído, de estar em crise, de sentir qualquer coisa. E, pior, tem muito mais vergonha ainda de contar que está passando por tudo isso.

Um homem pode ter muitos amigos de muitos anos, de infância, sem que esses amigos saibam absolutamente nada sobre a privacidade, problemas e sentimentos uns dos outros. A imensa maioria é assim.
A maioria vai negar isso, porque até admitir já é bem difícil, porque é admitir a superficialidade das relações entre eles próprios. Mas, é verdade. Que me desculpem os homens, mas eu nunca prometi a ninguém não revelar essas verdades.

Mulheres nos ajudem a compreender qual nosso papel hoje. Perdemos todos os papéis que os antigos, injustos e ultrapassados conceitos nos impunham.

Já estamos cansados de saber o quanto somos dispensáveis na criação dos filhos (não disse que não somos importantes), inclusive com relação as despesas.

Somos dispensáveis em todas as coisas em que éramos ou nos sentíamos imprescindíveis. Então, fomos reduzidos a acompanhantes. Que trocam lâmpadas, carregam coisas pesadas, dirigem carros, fazem companhia, levam ao cinema, as enchem de elogios e fazem sexo.

Às vezes, é assim que, nós homens, nos sentimos. Como se apenas nosso desempenho físico fosse importante. Como vocês, também precisamos sentir carinho, interesse pelo que sentimos, por nossas tristezas e alegrias. Precisamos sentir que vocês nos amam como gente e não só como homens.

Vocês podem não precisar da gente pra quase nada, mas a gente precisa de vocês pra quase tudo.
Principalmente para ser feliz.




ADRIANA CALCANHOTTO - AO VIVO - DO FUNDO DO MEU CORAÇÃO

da séria série: 
"ÀS VEZES É MUITO DIFICIL DIZER O QUE TEM QUE SER DITO".

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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A YOGA ALÉM DA YOGA – Rick Ricardo

A Yoga já está mais do que banalizada no ocidente mas, como todas as artes orientais antigas, quando chegou por aqui, já veio adaptada, empacotada e colocada à venda como apenas mais um programa de exercícios para melhorar a saúde ou como um culto, destinado a atrair "devotos" e, obviamente, "lucro".

A Yoga foi tão reduzida a clichês que tornou-se necessário redefinir, ou melhor, corrigir as distorções iniciais cometidas, para que o seu verdadeiro significado e propósito seja, verdadeiramente, compreendido.

A palavra sânscrito Yoga se traduz como "juntando"ou "unindo", e tradicionalmente é considerada como união com a sua natureza mais profunda (ou como a psicologia junguiana define o "inconsciente").

Fruto de uma tradição milenar, essas práticas foram codificadas pela primeira vez por um estudioso indiano chamado Patanjali, no "Yoga Sutras", escrito por volta do século II AC. No Yoga Sutra, que é o texto fundamental sobre a Yoga, Patanjali sugere que a asana (postura) seja apenas "sentar-se em uma posição que seja firme, mas relaxado" por longos períodos, ou atemporais (como na postura da meditação). Esta é a única descrição de postura (asana) contida no texto.

Os primeiros iogues indianos que foram ensinar no Ocidente já eram pessoas muito ocidentalizadas, como Swami Vivekananda. Além disso, tiveram que apresentá-la em uma forma adaptada para que fosse mais facilmente compreendida pela platéia. Por isso, seus seguidores rapidamente generalizaram o termo "Yoga" como sendo a Hatha Yoga e suas asanas (posturas).

Passou, então, a ser vista como uma forma de exercício, e passou a ser praticada somente no sentido físico. As informações pertinentes aos outros estágios e níveis mentais, ou não-físicos, que podem ser alcançados não foram ensinadas aos praticantes, que assim, não tiveram nenhum acesso à uma parte fundamental da prática.
Yoga é um sistema completo do qual o Hatha Yoga é uma pequena parte, embora importante, não é todo o propósito da Yoga.

Qualquer um pode aprender exercícios físicos mas, quando se entrar no reino não-físico, a menos que façamos uma desconstrução, é simplesmente impossível, porque a mente ocidental até que aceita essa idéia de "experiência pura", mas logo a transforma em ideologia ou crença.
Nas tradições orientais a experiência pura nada tem a ver com ideologia ou crença.

Nós ocidentais, embora tenhamos consciência de que a camada mais profunda da psique existe, nunca nos entregamos totalmente a ela, porque isto seria se deixar levar pelo mundo da loucura. Nós, ocidentais, temos muita dificuldade em ultrapassar os limites da consciência. E, isto é o que separa estes dois reinos.

Um yogui do Himalaia tem uma abordagem diferente. Para ele, a Yoga faz parte de um mundo mitológico. Ele vive toda a sua vida como uma expressão espontânea da livre circulação entre o consciente e o inconsciente. Seu estado normal é a mágica. Então, quando algo de onírico acontece, que nós, os ocidentais chamaríamos de mágica, o yogui do Himalaia chama, simplesmente, de "normal". Eles vivem numa outra dimensão mental, que para nós, ocidentais, é impossível imaginar.

A verdadeira Yoga transforma a psique, a deixa elástica. Quando a mente se expande para além dos níveis do consciente e subconsciente e assume esse fluxo superconsciente, acontece o alvorecer do conhecimento intuitivo.

Independente de qualquer coisa, praticada em parte ou no seu todo, todos os métodos de Yoga nos preparam para, eventualmente, conseguirmos chegar a esse estado de profunda paz interior.

Rick Ricardo - O Monge Ocidental
Exclusivo para o CULT CARIOCA





O TERÇO - FORMAÇÃO ORIGINAL - AO VIVO - TRIBUTO AO SORRISO - 2005 -

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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

IMAGINA NAS OLIMPÍADAS - Ruth De Aquino

O país do circo arrasa! Esqueça 2014, porque 
os prazos foram para o beleléu. Pense em 2016

"Eles tratam a gente igual a gado.” Vanessa Rocha, cozinheira, foi uma das 600 mil vítimas do inferno do transporte no Rio de Janeiro. Um trem descarrilou, bateu num poste de energia e interrompeu todo o sistema sobre trilhos. Durante 11 horas! Sem plano alternativo, sem orientação, a multidão que sai de casa com o dinheiro contado para a passagem de ida e volta se sentiu desrespeitada. O caos se instalou sob uma sensação térmica e emocional de 50 graus.

Vanessa saiu da Zona Oeste do Rio às 4 horas, para chegar ao emprego às 5h30. Às 8 horas, ainda caminhava nos trilhos. Suada. Esgotada. Revoltada. Sem dinheiro para pagar uma passagem de ônibus. Sem informação da SuperVia, empresa que administra os trens do Rio e que ganhou a concessão até 2048. A Odebrecht é dona de 60% da concessionária. De super, a empresa não tem nada. Talvez apenas SuperIncompetente. Vanessa não chegou a ver a cena que revoltou ainda mais os cariocas: o secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes, esbanjando sorrisos com o presidente da SuperVia, Carlos José Cunha, nos trilhos vazios. Riam de quê?

Carlos José Cunha não mexe um músculo facial quando fala sobre descarrilamentos e problemas técnicos. Chegarão novos trens, estamos gastando não sei quantos bilhões, são investimentos “de longa maturação”. A multa, quando é aplicada, nem faz cócegas. O secretário Júlio Lopes sai pela tangente: “Décadas de abandono”. O Rio foi abandonado? Foi. Mas não dá para tratar a multidão como gado.

Muitos trens em decomposição. Sem ar-condicionado. Atrasos constantes. Péssimo sistema de som. Num acidente grave, passageiros ficam parados 40 minutos dentro do trem no calor. Gente passa mal. Jovens incitam ao quebra-quebra. Multidão é obrigada a descer. Alto-fa­lante só diz: “A SuperVia agradece pela preferência”.

Acidentes urbanos acontecem no mundo todo. O problema, tanto no Rio quanto em outras cidades brasileiras, é a falta de um plano imediato de contingência e a falta de informação. Não só nas grandes linhas. Lembra o trenzinho vermelho para o Corcovado? Parou na virada do ano. Durante duas horas, turistas brasileiros e estrangeiros ficaram na mata no escuro. Sem a menor ideia de quando o pesadelo acabaria. Era o reality “Brazil”. Passaram para outro trenzinho usando a luz dos smartphones, porque nem lanterna havia. E o Cristo foi privatizado. Imagina nas Olimpíadas.

Quando há acidentes de carro nas avenidas do Rio – isto é, a cada minuto –, não há, como nas cidades civilizadas, painéis eletrônicos avisando para voltar ou pegar rotas alternativas. Só quem tem acesso ao Google dentro do carro consegue saber o que está bloqueando o trânsito. Para que serve a tecnologia do centro futurista da prefeitura? Imagina nas Olimpíadas.

A espuma espessa e a coloração marrom de nossos mares não fazem mal algum, diz o governo. São apenas algas, um fenômeno típico e sazonal do Rio de Janeiro! Saiu publicada a carinha das algas microscópicas que produzem a espuma nojenta quando o mar bate nas pedras. Biólogos desmentem a versão oficial. Segundo eles, a alga só vira espuma em blocos quando misturada à poluição humana. Na semana passada, vimos uma imagem assustadora: uma cachoeira de esgoto caindo do Morro do Vidigal direto no mar de São Conrado. Autoridades se apressaram a fechar o “cano rompido” e a prometer que o esgoto in natura seria lançado “lá fora”. E de fora não vem para dentro?

Fico pensando nas modalidades esportivas nas águas – mar, lagos, lagoas, baía. Alguém viu as ilhas de cocô nas lagoas da Barra e do Recreio, em fotos aéreas? Para onde foram todos os bilhões e bilhões que iriam despoluir as lagoas e a Baía de Guanabara? Imagina nas Olimpíadas.

Alguém viu o teleférico parado no Morro da Providência? Ficou pronto em maio do ano passado. Custou R$ 75 milhões. Foi concebido para ligar a Cidade do Samba, a Central do Brasil e a Providência. Mas até hoje não saiu do lugar. As gôndolas estão lá há oito meses, como um monumento à incompetência. “É o museu do teleférico, só para a gente ver”, disse Luciana Ribeiro, moradora da Providência, que sobe o morro a pé. O prefeito Eduardo Paes pessoalmente testou o bondinho em dezembro de 2012. A prefeitura esclareceu que está “finalizando o modelo de operação para atender à comunidade”. Imagina nas Olimpíadas.

O alemão Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional, chegou ao Rio no dia da pane na SuperVia. “O que está acontecendo no Rio?”, perguntou. Bach confia que, “se cada dia for utilizado adequadamente, tudo estará pronto” antes dos Jogos.

Nem é preciso imaginar o que vai acontecer na Copa. A gente já sabe. A criatividade anda solta. Aeroporto do Cea­rá poderá ter terminal de lona. O país do circo arrasa! Esqueça 2014, porque os prazos foram para o beleléu. Pense em 2016. Imagina nas Olimpíadas. 

IVAN MARTINS - Os códigos do afeto

Casais fazem coisas estranhas para mostrar que gostam

Tem gente que mia, tem gente que ronrona, tem gente que arrulha, como fazem as pombas. Intimidade tem dessas coisas. Quando você percebe, já está fazendo barulhinhos para o seu amor. Ao telefone, quando ela entra em casa, na cama. Muito antes disso, claro, já vieram os apelidos. Constrangedores, embaraços, irreveláveis. Neste particular, felizmente, nada tenho a declarar. Assim como o Romário, que nunca broxou, eu jamais chamei alguém de Jujubinha, ou coisa que o valha.

Vocês riem, mas eu me pergunto o que essas pequenas esquisitices revelam sobre nossas necessidades afetivas.

Uma delas, que me parece óbvia, é o brutal desejo de exclusividade. Não basta morar com a Joana e transar com ela três, quatro, cinco vezes por semana. Não basta sentar de mão dada com o João no cinema, escolher a camisa que ele vai usar no casamento, ouvi-lo desafinar em falsete embaixo do chuveiro.

A gente inventa um nome que é só nosso, um ruído que só a gente faz, uma intimidade que ninguém nuca teve ou terá com ele ou com ela. Nossos apelidos expressam a vontade de construir um mundo único, onde só caibam dois, onde tudo comece do zero, inclusive o nome de batismo e os balbucios.

Os pequenos jogos de casal também sugerem, para mim, o quanto a gente precisa de reafirmações de carinho. As formas normais de tratamento não são suficientes e os rituais comuns da vida adulta não dão conta. Escondidos, longe dos outros, inventamos maneiras ainda mais meigas de chamar um ao outro.

Sem planejamento e sem vergonha, recorremos a jeitos de falar e de nos comportar que explicitam os nossos sentimentos de um jeito meloso e ridículo, mas que sinaliza, para a outra metade, que estamos nessa com ela, unidos pelo mesmo sentimento. A gente não age como tolo apaixonado para qualquer um.

Para quem olha de fora, esse tipo de comportamento, além de cômico, tem outro traço evidente: ele parece infantil.

Adultos que se chamam de Bubinho e Bubinha estão agindo como crianças que aprendem a falar. Parece uma brincadeira, uma farsa destituída de desejo adulto. Afinal, nada menos erótico que bancar a criança, certo? Na verdade, errado.

Em 1905, o famoso médico austríaco Sigmund Freud escreveu que o erotismo dos adultos começa lá atrás, na infância, e está condenado a carregar sentimentos e memórias infantis. Logo, aquilo que você enxerga como gestos infantilóides na relação dos outros podem ser preliminares que eles inventaram para fazer sexo selvagem. A gente nunca sabe o que acontece na intimidade alheia.

Dito isso tudo, não se sinta mal se você, assim como eu, nunca teve alguém que coaxasse como perereca apaixonada para você. Há outras formas de mostrar amor, desejo e intimidade.

Se a gente estudasse os gestos de qualquer da relação perceberia que eles estão repletos de códigos privados. O tom de voz, a maneira de olhar, tocar ou não tocar os cabelos dela.

Cada uma dessas atitudes sinaliza uma disposição de espírito em relação ao outro. Passamos recados o tempo inteiro, com o nosso corpo inteiro, e não apenas com a voz. Dizemos “gosto e desejo” (ou o contrário disso) 50 vezes por dia. Talvez mais.

Se você não a chama de Totinha, nem ela chama você de Totão, procure em volta no dia-a-dia: vocês devem ter outras formas ainda mais secretas de reafirmar a intimidade.