terça-feira, 31 de janeiro de 2012

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - Estragou a televisão

― Iiiih...
― E agora?
― Vamos ter que conversar.
― Vamos ter que o que?
― Conversar. É quando um fala com o outro.
― Fala o que?
 ― Qualquer coisa. Bobagem.
― Perder tempo com bobagem?
― E a televisão o que é?
― Sim, mas aí é a bobagem dos outros. A gente só assiste. Um falar com o outro,assim, ao vivo... Sei não...
― Vamos ter que improvisar nossa própria bobagem.
― Então começa você.
― Gostei do seu cabelo assim.
― Ele está assim há meses, Eduardo. Você é que não tinha...
― Geraldo.― Hein?― Geraldo. Meu nome não é Eduardo, é Geraldo.
― Desde quando?
― Desde o batismo.
― Espera um pouquinho. O homem com quem eu casei se chamava Eduardo.
― Eu me chamo Geraldo, Maria Ester.
― Geraldo Maria Ester?!
― Não, só Geraldo. Maria Ester é o seu nome.
― Não é não.
― Como, não é não?
― Meu nome é Valdusa.
― Você enlouqueceu, Maria Ester?
― Por amor de Deus, Eduardo...
― Geraldo.
― Por amor de Deus, meu nome sempre foi Valdusa. Dusinha, você não se lembra?
― Eu nunca conheci nenhuma Valdusa. Como é que eu posso estar casado com uma mulher que eu nunca... Espera. Valdusa. Não era a mulher do, do... Um de bigode.
― Eduardo.
― Eduardo!― Exatamente. Eduardo. Você.
― Meu nome é Geraldo, Maria Ester.
― Valdusa. E, pensando bem, que fim levou o seu bigode?
― Eu nunca usei bigode!
― Você é que está querendo me enlouquecer, Eduardo.
― Calma. Vamos com calma.
― Se isto for alguma brincadeira sua...
― Um de nós está maluco. Isso é certo.
― Vamos recapitular. Quando foi que nós casamos?
― Foi no dia, no dia...
― Arrá! Está aí. Você sempre esqueceu o dia do nosso casamento. Prova de quev ocê é o Eduardo e a maluca não sou eu.
― E o bigode? Como é que você explica o bigode?
― Fácil. Você raspou.
― Eu nunca tive bigode, Maria Ester!
― Valdusa!
― Está bom. Calma. Vamos tentar ser racionais. Digamos que o seu nome sejamesmo Valdusa. Você conhece alguma Maria Ester?
― Deixa eu pensar. Maria Ester... 
Nós não tivemos uma vizinha chamada MariaEster?
― A única vizinha que eu me lembro é a tal de Valdusa.
― Maria Ester. Claro. Agora me lembrei. E o nome do marido dela era... Jesus!― O marido se chamava Jesus?
― Não. O marido se chamava Geraldo.
― Geraldo...
― É.
― Era eu. Ainda sou eu.
― Parece...
― Como foi que isso aconteceu?
― As casas geminadas, lembra?
― A rotina de todos os dias...
― Marido chega em casa cansado, marido e mulher mal se olham...
― Um dia marido cansado erra de porta, mulher nem nota...
― Há quanto tempo vocês se mudaram daqui?
― Nós nunca nos mudamos. Você e o Eduardo é que se mudaram.
― Eu e o Eduardo, não. A Maria Ester e o Eduardo.
― É mesmo...
― Será que eles já se deram conta?
― Só se a televisão deles também quebrou.

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ARNALDO JABOR - "Há um 'sub-eu' rolando na internet"


Ando pela rua e as pessoas me abordam: 'Adorei o seu artigo que está circulando na internet! Maior sucesso!' Pergunto, já com medo: 'Que artigo?' 'Esse texto genial que você escreveu, que se chama A Mulher Impulsiona o Mundo: 'É você mulher, quem impulsiona o mundo. É você quem tem o poder, e não o homem. É você quem decide. Bendita a hora em que você saiu da cozinha.' Não me agüento e digo: 'Você acha que eu ia escrever uma bobagem dessas?' Aí, o admirador do texto apócrifo, fã de um 'Jabor virtual', se encolhe ofendido: 'Mas... tem coisas legais...' E eu, implacável: 'Acho uma bosta...' Pronto! O sujeito sorri amarelo e vira meu inimigo para sempre.
Já reclamei aqui desses textos apócrifos, mas tenho de me repetir. Não dá mais. Todo dia surge na internet uma nova besteira, com dezenas de emails me elogiando pelo que eu não fiz. Vou indo pela rua e três senhoras me abordam - 'Teu artigo na internet é genial! Principalmente quando você escreve: 'As mulheres são tão cheirosinhas; elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...'' 'Não fui eu...', respondo. Elas não ouvem e continuam, sideradas: 'Modéstia sua! Finalmente alguém diz a verdade sobre as mulheres na internet! Mandei isso para mil amigas! Adoraram aquela parte: 'Tenho horror à mulher perfeitinha. Acho ótimo celulite. Querem estar sempre na moda, malhadas, mas não estão com nada, pois a imperfeição humaniza...'' Repito que não é meu, mas elas (em geral barangas) replicam: 'Ah... nem vem... É teu melhor texto...' - e vão embora, rebolando, felizes. Há mais: 'O cheirinho delas é sempre gostoso, mesmo que seja só xampu. O jeitinho que elas têm de sempre encontrar o lugarzinho certo em nosso ombro.' Ou: O amor não é chegado em fazer contas, quando a mão dele toca tua nuca, tu derretes feito manteiga, pois o amor é uma raposa... (?).
Vejam este que surgiu e acaba assim: 'As mulheres de hoje lutam para ser magrinhas. Elas têm horror de qualquer carninha saindo da calça de cintura tão baixa que o cós acaba!' ...Luto diuturnamente contra cacófatos e jamais escreveria 'cós acaba!' Mas, para todos os efeitos, fui eu. A internet é a vala comum dos autores; lá eu sou amado como uma besta quadrada, um forte asno... (dirão meus inimigos: 'Finalmente, ele se encontrou...')
Dentro da web, sou campeão mundial de lugares-comuns:
'Bom mesmo é ter problema na cabeça, sorriso na boca e paz no coração!'
Ou: 'A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance e viva intensamente antes que a cortina se feche!'
Ainda sobre a mulher: 'São escravas aparentemente alforriadas numa grande senzala sem grades.' Fui eu, a mula virtual, que escreveu tudo isso. E não adianta desmentir.
E não publicam só textos safadinhos, mas até coisas épicas, como uma esplendorosa Ode aos Gaúchos que eu teria escrito, o que já me valeu abraços apertados de machos bigodudos em Porto Alegre, quebrando-me os ossos: 'Tchê, tua escritura estava macanuda, trilegal!' Eu nego ter escrito aquele ditirambo meio farroupilha aos bigodudos, mas nego num tom vago, para não ser esculachado: 'Tu não escreveste? Então tu não amas nossas 'prendas' lindas, e negas ter escrito aquele pedaço em que tu dizes 'que a gente já nasce montado num bagual'? Aquilo fez meu pai chorar, e o pedaço em que falas que 'por baixo do poncho também bate um coração?' Tu tá tirando da reta, tché?' - e me aponta o dedo, de bombachas e faca de prata.'
Não sou gay (ainda), mas esse texto me cobre com uma fresca chuva de purpurina. Logo depois, aparece outro artigo onde 'eu-virtual' teria escrito: 'Antigamente o homossexualismo era proibido no Brasil. Depois passou a ser tolerado. Hoje é aceito como coisa normal. Eu vou-me embora antes que passe a ser obrigatório.' Ou seja, sou gay e homofóbico ao mesmo tempo.
Meu fantasma na internet também escreve sobre auto-ajuda; dou conselhos sobre sacanagem, para cornos e idiotas. Vejam: 'Não dá para ficar somente com a cereja do bolo - beijar de língua, namorar e não ser de ninguém. Para comer a cereja é preciso comer o bolo todo. 'Ficar', também é coisa do passado. A palavra de ordem hoje é 'namorix'. A pessoa pode ter um, dois e até três namorix ao mesmo tempo!'


Também aconselho cornos, potenciais ou realizados: 'Um dia, você será corno, a menos que nunca deixe uma 'mulher moderna' insegura; senão, ela liga pra aquele ex-bom de cama, cafajeste, mas 'grandessíssimo', e pronto: lá vai você mugindo... Mulher insegura é uma máquina colocadora de chifres. Se não conseguir prendê-la, assuma seu 'chifre' em alto e bom som!'
'Eu' também dou conselhos aos burros. Ex: 'Gente chata essa que quer ser séria, profunda. Putz! Deixe a seriedade para lá. No dia-a-dia, pelo amor de Deus, seja idiota!'
Mas o pior são artigos escritos em meu nome por inimigos covardes para me sujar. Há um texto rolando nos computadores - há mais de um ano - que diz coisas como: 'Brasileiro é babaca. Elege para o cargo mais importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari. Brasileiro é um povo trabalhador. Mentira. Brasileiro é vagabundo por excelência. Um povo que se conforma em receber uma esmola do governo de 90 reais mensais para não fazer nada, não pode ser adjetivado de outra coisa que não de vagabundo. 90% de quem vive na favela é gente honesta e trabalhadora. Mentira. Muito pai de família sonha que o filho seja aceito como 'aviãozinho' do tráfico para ganhar uma grana legal. Se a maioria da favela fosse honesta, já teriam existido condições de se tocar os bandidos de lá para fora, porque podem matar 2 ou 3 mas não milhares de pessoas. O brasileiro merece! É igual a mulher de malandro - gosta de apanhar ...'
Ou seja: admiram-me pelo que eu teria de pior; sou amado pelo que não escrevi. Na internet, eu sou machista, gay, homofóbico, idiota, corno e fascista. É bonito isso?
Arnaldo Jabor

Fonte: O Estado de S.Paulo

ZIZI POSSI - ao vivo - Gostoso Demais



NORMAN BROWN All Star Smooth Jazz Cruise 2007 w/ Boney James


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DR. ALBERTO GOLDIN - Os homens se sentem inibidos comigo...


"GOSTARIA DE PEDIR SUA OPINIÃO sobre uma situação que vivo constantemente. Tenho 28 anos, sou muito bonita e atraente, porém não faço o gênero "femme fatale". Sou carinhosa, tenho uma ótima formação acadêmica, um trabalho interessante, amigos e estou perto da minha independência financeira. Passo uma imagem de mulher independente e auto-confiante além de boa experiência sexual, sou desinibida na cama. Já tive muitos parceiros e relacionamentos afetivos, mas hoje em dia sou muito criteriosa prefiro ficar meses sem sexo a transar com qualquer um. Mas na cama, os homens não se sentem tão a vontade comigo. Com aqueles com quem estou envolvida afetivamente é comum que apresentem algum problema, na ereção ou no orgasmo. Procuro ser compreensiva e não cobrar nenhuma performance, nem me culpar pela "falha" do parceiro. O sexo, para mim é muito mais do que penetração e orgasmo. Mas não entendo o que acontece com eles, sonham com uma mulher bonita e resolvida sexualmente, mas na prática, se sentem muito cobrados diante da minha desinibição, minhas amigas relatam a mesma coisa, vejo que não é só comigo que isso acontece. Gostaria de entender melhor os homens e o que fazer nessa hora."
Pérola.


GASTEI 15 MINUTOS LIMPANDO MINHA CAIXA DE ENTRADA de email na maioria spams oferecendo Viagra, Cialis e outros fármacos menos conhecidos, além de aparelhos que garantiam fantástico prazer e desempenho. Eram apresentados como remédios infalíveis contra a impotência sexual e outros transtornos nesta área…
A partir de outra perspectiva, a carta da Pérola, aponta na mesma direção: uma crescente fragilidade da potência masculina que, conforme estas versões, precisa de socorro imediato. A julgar pela quantidade de ofertas de tônicos sexuais, imaginei que talvez, sem saber, estejamos enfrentando uma falência erétil planetária.
Curioso é que os homens as desejam, como sempre, e as mulheres consentem, como nunca, porém é evidente que, em numerosos casos, a mecânica sexual não está à altura das expectativas de ambos os sexos. Para Pérola os homens assustados fracassam com ela e suas amigas e, por prudência ou covardia, se afastam delas e da cama. O que na verdade acontece é que a ereção masculina não é um movimento automático, nem sempre obedece à demanda dos seus usuários. É comum que, em conquistas recentes o homem se sinta compelido a mostrar eficiência, porém apesar dos seus esforços – ou devido aos mesmos – só consiga oferecer suas boas intenções. Não falham por causa de eventuais imperfeições físicas das suas parceiras (como elas tendem a interpretar), mas pelo contrário, por excesso de desejo que, na prática, os leva ao fracasso.
Por que? Pergunta Pérola, curiosa. Demoramos para responder, porém informamos que a sexualidade humana tem uma parte submersa no inconsciente e que se apresenta na hora “H”, promovendo desfechos inesperados.
Um modelo simples para explicar esta questão é apelar para um personagem conhecido por todos: o Super-homem, super-herói mítico invencível, que em apenas um ponto fraco: perde seus poderes e desvanece quando está exposto à Kriptonita, um cristal verde proveniente do seu planeta natal.
Algumas características femininas, como sensualidade, beleza, desinibição ou outras, operam para a ereção como Kriptonita que, por suas singulares características, oferece uma referência importante para a psicanálise. Kripton é o planeta da infância do Homem de Aço, o lugar onde teve e perdeu suas primeiras experiências e sensações. Por isso dizemos, sem medo de errar, que Kripton é o inconsciente do Super-homem, seu passado infantil esquecido e talvez a beleza ou desenvoltura sexual da Pérola sejam o cristal verde que recupera primitivas sensações do parceiro e promover regressões nas quais o Super-macho se desmancha feito gelatina, ficando reduzido à patética condição de criança indefesa nos braços de uma mulher enorme e poderosa. Quando o Super-homem perde poder, cede o mesmo à sua parceira e o sentimento que lhe resta é de forte e injustificada humilhação, que importa só ao protagonista, nem tanto a mulher que está ao seu lado, habitualmente mais compreensiva e tolerante. Não esgotamos o tema, fomos mais didáticos que científicos, resta acrescentar que a Kriptonita só ataca os Super-homens. Os homens simples e sem super poderes, estão a salvo.

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CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - Fácil e Difícil


Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que se expresse sua opinião...
Difícil é expressar por gestos e atitudes, o que realmente queremos dizer.

Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias...
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus próprios erros.

Fácil é fazer companhia a alguém, dizer o que ela deseja ouvir...
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer a verdade quando for preciso.

Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre a
mesma...
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer.

Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado...
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece.

Fácil é viver sem ter que se preocupar com o amanhã...
Difícil é questionar e tentar melhorar suas atitudes impulsivas e as vezes impetuosas, a cada dia que passa.

Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar...
Difícil é mentir para o nosso coração.

Fácil é ver o que queremos enxergar...
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.

Fácil é ditar regras e,
Difícil é segui-las...

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

FRIEDRICH NIETZCHE - Frases


Temos sentido muito pouco alegria. Este, somente, é o nosso pecado original.
~
Eis o momento! Começando nesta porta, um longo e
eterno caminho mergulha no passado: atrás de nós está
uma eternidade! Não será verdade que todos os que
podem andar têm de já ter percorrido este caminho?
~
"Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar."
~
E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.
~
Amareis a paz como um meio para uma nova guerra. E amareis mais a paz breve do que a prolongada. Aconselho-vos não a trabalhar, mas a lutar! Aconselho-vos não à paz, mas à vitória! Dizeis que a boa causa santifica até mesmo a guerra? Eu vos digo é a boa guerra que santifica toda causa! A guerra e a coragem tem feito mais do que a caridade!
~
Os grandes intelectuais são cépticos.
~
Todo conhecimento implica em poder.
~
As convicções são cárceres. Mais inimigas da verdade do que as próprias mentiras.
~
Tudo na mulher é adivinha e tudo nela tem uma única solução e essa é a gravidez.
~
Sem a música, a vida seria um erro.
~
O sucesso tem sido sempre um grande mentiroso.
~
As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras.
~

Nunca odiamos aos que desprezamos. Odiamos aos que nos parecem iguais ou superiores a nós.
~
A música oferece às paixões o meio de obter prazer delas.
~
Perdido seja para nós aquele dia em que não se dançou nem uma vez! E falsa seja para nós toda a verdade que não tenha sido acompanhada por uma gargalhada!
~
A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida, portanto fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros.
~
Somos muito injustos com Deus. Nem sequer Lhe permitimos pecar.
~
Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse.
~
O fanatismo é a única forma de força de vontade acessível aos fracos
~


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

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CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - Além da Terra, Além do Céu

Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

Carlos Drummond de Andrade

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domingo, 29 de janeiro de 2012

PABLO NERUDA - Plena Mulher

Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas pernas?
que antiga noite o homem toca com seus sentidos?
Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos e dois corpos
por um so mel derrotados.
Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia
corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra de um raio.


O NÓ DO AFETO - Eloi Zanetti

Era um reunião numa escola. A diretora incentivava os pais a apoiarem as crianças, falando da necessidade da presença deles junto aos filhos. Mesmo sabendo que a maioria dos pais e mães trabalhava fora, ela tinha convicção da necessidade de acharem tempo para seus filhos.

Foi então que um pai, com seu jeito simples, explicou que saía tão cedo de casa, que seu filho ainda dormia e que, quando voltava, o pequeno, cansado, já adormecera. Explicou que não podia deixar de trabalhar tanto assim, pois estava cada vez mais difícil sustentar a família. E contou como isso o deixava angustiado, por praticamente só conviver com o filho nos fins de semana.

O pai, então, falou como tentava redimir-se, indo beijar a criança todas as noites, quando chegava em casa. Contou que a cada beijo, ele dava um pequeno nó no lençol, para que seu filho soubesse que ele estivera ali. Quando acordava, o menino sabia que seu pai o amava e lá estivera. E era o nó o meio de se ligarem um ao outro.

Aquela história emocionou a diretora da escola que, surpresa, verificou ser aquele menino um dos melhores e mais ajustados alunos da classe. E a fez refletir sobre as infinitas maneiras que pais e filhos têm de se comunicarem, de se fazerem presentes nas vidas uns dos outros. O pai encontrou sua forma simples, mas eficiente, de se fazer presente e, o mais importante, de que seu filho acreditasse na sua presença.

Para que a comunicação se instale, é preciso que os filhos 'ouçam' o coração dos pais ou responsáveis, pois os sentimentos falam mais alto do que as palavras. É por essa razão que um beijo, um abraço, um carinho, revestidos de puro afeto, curam até dor de cabeça, arranhão, ciúme do irmão, medo do escuro, etc.

Uma criança pode não entender certas palavras, mas sabe registrar e gravar um gesto de amor, mesmo que este seja um simples nó.


Clique Abaixo e veja também:  
LEDA NAGLE - Chique é ser educado

RITA LEE - Respeito

ARTHUR DA TÁVOLA - Amar Bonito

FRIEDRICH NIETZSCHE - A Tua Ponte

VÍDEO PALESTRA - MÁRIO SÉRGIO CORTELLA - 
Não nascemos prontos

sábado, 28 de janeiro de 2012

ARTHUR DA TÁVOLA - Ter ou não Ter namorado(a), eis a questão.

Quem não tem namorada(o) é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo. Namorada(o) é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado(a) de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorada(o) mesmo é muito difícil.
Namorado(a) não precisa ser o mais bonito(a), mas ser aquele(a) a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele(a) a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele(a) não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado(a) não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo(a); mesmo assim pode não ter nenhum namorado(a). Não tem namorado(a) quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas,  sanduíche da padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado(a) quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria.
Não tem namorado(a) quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar.
Não tem namorado(a) quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado(a) quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado(a), fazer compra junto. Não tem namorado(a) quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele(a); abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado(a) quem não redescobre a criança e a do amado(a) e vai com ela a parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado(a) quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado(a). Não tem namorado(a) quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir quem curte sem aprofundar. Não tem namorado(a) quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado(a) de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado(a) quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado(a) que confunde solidão com ficar sozinho(a) e em paz. Não tem namorado(a) quem não fala sozinho(a), não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo(a).
Se você não tem namorado(a) é porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.
Se você não tem namorado(a) é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.



TANTRA, SEXO E A COURAÇA MUSCULAR DO CARÁTER

“Faz parte do meu respeito pelas pessoas expor-me ao perigo e dizer-lhes a verdade”. 
Wilhelm Reich (1897 – 1957)

Reich foi um aluno de Freud e deu continuidade aos estudos e experiências que ainda nos anos cinquenta já apontavam para a repressão sexual como principal causa das neuroses do seres humanos. Na sociedade e no meio familiar, até hoje, ainda é com muita ansiedade e pânico que se expõe e como cada um se relaciona com a sexualidade. A Couraça Muscular do Caráter é um mecanismo de defesa emocional que a criança até próximo dos oito anos de vida, adquire e constrói no corpo físico como resposta as inúmeras mensagens de não-prazer e negações em geral. A musculatura passa a responder e refletir aos impulsos e atitudes psíquicas e emocionais. Este processo traumático vai sendo reforçado a medida do desenvolvimento, convivência e relacionamentos dentro da sociedade, e o que vemos ainda na grande maioria das pessoas é desconforto, culpa e vergonha em relação ao sexo.
É extremamente importante salientar que a repressão sexual desde a infância, com os reflexos na estrutura corporal, não configura simplesmente a região da pélvis como tensa e desconectada do prazer. A principal contribuição de tantos anos em experiência com psicoterapia é a de que esta Couraça começa por bloquear a região dos olhos (Anel Ocular) e é justamente por isto que uma terapia corporal deve começar por este segmento, sua abordagem de desbloqueio físico/emocional. Assim como foi inibida e de certa forma proíbida de olhar para qualquer cena ou para o próprio corpo cada vez que o prazer era despertado, a criança também bloqueia o segundo anel (Boca) que a impede de comunicar sensações e desconfortos. A Couraça vai se formando de cima para baixo, como veremos a sequencia dos anéis ou segmentos definidos por Reich.
No trabalho terapêutico de expressão e desbloqueio destas tensões, é muito importante que se dê a partir dos anéis superiores e até chegar ao sétimo anél, o pélvico, a jornada é longa. Não se pode querer a qualquer preço volta a sentir o prazer sexual por exemplo, só porque nos damos conta que é desta satisfação que poderemos ter mais vitalidade e saúde de um modo geral. O prazer está na caminhada e se ela tem sete passos, que seja dado o primeiro para não ‘tropeçarmos’ nas próprias pernas como já aconteceu inconscientemente na infância e adolescência. Na fase adulta e consciênte das situações vividas no passado, ainda assim é sábio ter respeito com as feridas e inibições que nossa criança interior carrega.
Reich não era otimista demais no que dizia respeito aos possíveis efeitos de suas descobertas. Ele acreditava que a maioria das pessoas, por causa de sua intensa couraça, seria incapaz de compreender suas teorias e distorceriam suas idéias. Para ele, um ensino sobre a vida, dirigido e distorcido por indivíduos encouraçados, acarretaria um desastre final a toda a humanidade e às suas instituições. O resultado mais provável do princípio da potência orgástica, dizia: ”será uma perniciosa filosofia de bolso, espalhada por todos os cantos. Tal como uma flecha que, ao desprender-se do arco, salta firmemente retesada, a procura de um prazer genital rápido, fácil e deletério.”
Os Sete Anéis e Sete Passos do Tantra:
Os olhos
A couraça dos olhos é expressa por uma imobilidade da testa e uma expressão “vazia” dos olhos, que nos vêem por detrás de uma rígida máscara. A couraça é dissolvida fazendo-se com que os pacientes abram bem seus olhos, como se estivessem com medo, a fim de mobilizar as pálpebras e a testa, forçando uma expressão emocional e encorajando o movimento livre dos olhos, fazer movimentos circulares com os olhos e olhar de lado a lado.
A Boca
O segmento oral inclui os músculos do queixo, garganta e a parte de trás da cabeça. O maxilar pode ser excessivamente preso ou frouxo de forma antinatural. As expressões emocionais relativas ao ato de chorar, morder com raiva, gritar, sugar e fazer caretas são todas inibidas por este segmento. A couraça pode ser solta encorajando-se o paciente a imitar o choro, a produzir sons que mobilizem os lábios, a morder e a vomitar e pelo trabalho direto com os músculos envolvidos.
O Pescoço
Este segmento inclui os músculos profundos do pescoço e também a língua. A couraça funciona principalmente para segurar a raiva ou o choro. Pressão direta sobre os músculos profundos do pescoço não é possível, portanto, gritar, berrar e vomitar e são os meios importantes para soltar este segmento.
O Tórax
Este segmento inclui os músculos longos do tórax, os músculos dos ombros e da omoplata, toda a caixa torácica, as mãos e os braços. Ele serve para inibir o riso, a raiva, a tristeza e o desejo. A inibição da respiração, que é um meio importante de suprimir toda emoção, ocorre em grande parte no tórax. A couraça pode ser solta através do trabalho com respiração, especialmente o desenvolvimento da expiração completa. Os braços e as mãos são estimulados para bater, rasgar, sufocar, triturar e entrar em contato com o desejo.
Diafragma
Este segmento inclui o diafragma, estômago, plexo solar, vários órgãos internos e músculos ao longo das vértebras torácicas baixas. A couraça é expressa por uma curvatura da espinha para frente, de modo que há um espaço considerável entre a parte de baixo das costas do paciente e o colchão. É muito mais difícil expirar do que inspirar. A couraça inibe principalmente a raiva extremada. Os quatro primeiros segmentos devem estar mais ou menos livres antes que o diafragma possa ser solto através do trabalho repetido com respiração e reflexo do vômito (pessoas com bloqueio intenso neste segmento acham virtualmente impossível vomitar).
O Abdomen
O segmento abdominal inclui os músculos abdominais longos e os músculos das costas. Tensão nos músculos lombares está ligada ao medo de ataque. A couraça nos flancos de uma pessoa produz instabilidade e relaciona-se com a inibição do rancor. A dissolução da couraça, neste segmento, é relativamente simples, desde que os segmentos mais altos estejam abertos.
A Pelve
Este segmento contém todos os músculos da pelve e membros inferiores. Quanto mais intensa a couraça, mais a pelve é puxada para trás e saliente nesta parte. Os músculos glúteos são tesos e doloridos, a pelve é rígida, “morta” e assexual. A couraça pélvica serve para inibir a ansiedade e a raiva, bem como o prazer.
Fontes: virtualpsy.com.br, wikipédia e Lowen.


PINTURAS DO MUSEU DO LOUVRE - Rembrandt, Poussin, Michel Ange, Vermeer, Ingre, Delacroix e outros não menos famosos.




POR QUE COMETEMOS ATOS FALHOS?

Culpa da memória, que preenche suas lacunas com a primeira coisa que vem à mente.
Por que você trocou o nome da namorada na hora H? 
Freud explica, mas é bom já saber que a neurociência discorda dele. Segundo a psicanalista Vera Warchavchik, a primeira explicação veio no livro Psicopatologia da Vida Cotidiana, de 1901, em que Freud descreveu o ato falho como uma confusão com um sentido maior por trás. Ou seja, para Freud, você fala "sem querer querendo". Isso aí: todos temos nossos momentos Chaves.

Já a neurociência considera esse deslize um esquecimento corriqueiro sem nenhum significado especial. Ele acontece porque, ao contrário de uma filmadora, o cérebro não grava todos os mínimos detalhes dos acontecimentos, mas apenas as informações principais. Quando ativamos nosso banco de dados para buscar a situação completa, ele monta esses dados como se editasse um filme. E, para ligar uma coisa a outra, preenche as lacunas com algumas invenções. Pronto! É exatamente nesse momento que surgem as confusões, que, se pegarem mal, serão consideradas atos falhos. A contragosto dos psicanalistas, seriam simples e pequenos tilts na memória sem nenhuma razão oculta. Por isso, na próxima vez que der uma mancada na cama, diga que a culpa é do seu cérebro.
por Natalia Kuschnaroff  


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MARTHA MEDEIROS - Promessas Matrimoniais

Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento na igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos, mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre: "Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?" Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões:

- Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade?
- Promete saber ser amiga e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?
- Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar?
- Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela?
- Promete se deixar conhecer?
- Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor?
- Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?
- Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros?
- Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?
- Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja?

Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher: declaro-os maduros.
MARTHA MEDEIROS 


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LUIS FERNANDO VERISSIMO - A compensação

Não faz muito, li um artigo sobre as pretensões literárias de Napoleão Bonaparte. Aparentemente, Napoleão era um escritor frustrado. Tinha escrito contos e poemas na juventude, escreveu muito sobre política e estratégia militar e sonhava em escrever umgrande romance. Acreditava-se, mesmo, que Napoleão considerava a literatura suaverdadeira vocação, e que foi sua incapacidade de escrever um grande romance e conquistar uma reputação literária que o levou a escolher uma alternativa menor, conquistar o mundo. Não sei se é verdade, mas fiquei pensando no que isto significa para os escritores dehoje e daqui. Em primeiro lugar, claro, leva a pensar na enorme importância que tinha aliteratura nos séculos 18 e 19, e não apenas na França, onde, anos depois de NapoleãoBonaparte, um Vitor Hugo empolgaria multidões e faria História não com batalhões ecanhões mas com a força da palavra escrita, e não só em conclamações e panfletos mas,muitas vezes, na forma de ficção. Não sei se devemos invejar uma época em que reputaçõesliterárias e reputações guerreiras se equivaliam desta maneira, e em que até a imaginaçãotinha tanto poder. Mas acho que podemos invejar, pelo menos um pouco, o que a literaturatinha então e parece ter perdido: relevância. Se Napoleão pensava que podia ser tãorelevante escrevendo romances quanto comandando exércitos, e se um Vitor Hugo podiamorrer como um dos homens mais relevantes do seu tempo sem nunca ter trocado a palavrae a imaginação por armas, então uma pergunta que nenhum escritor daquele tempo se faziaé essa que nos fazemos o tempo todo: para o que serve a literatura, de que adianta a palavraimpressa, onde está a nossa relevância? Gostávamos de pensar que era através dos seusescritores e intelectuais que o mundo se pensava e se entendia, e a experiência humana eraracionalizada. O estado irracional do mundo neste começo de século é a medida do fracassodesta missão, ou desta ilusão.Depois que a literatura deixou de ser uma opção tão vigorosa e vital para umhomem de ação quanto a conquista militar ou política ― ou seja, depois que virou umaopção para generais e políticos aposentados, mais compensação pela perda de poder do que poder, e uma ocupação para, enfim, meros escritores ―, ela nunca mais recuperou a suarespeitabilidade, na medida em que qualquer poder, por armas ou por palavras, é respeitável.Hoje a literatura só participa da política, do poder e da História como instrumento oucúmplice.E não pode nem escolher que tipo de cúmplice quer ser. Todos os que escrevem noBrasil, principalmente os que têm um espaço na imprensa para fazer sua pequena literaturaou simplesmente dar seus palpites, têm esta preocupação.Ou deveriam ter. Nunca sabemos exatamente do que estamos sendo cúmplices.Podemos estar servindo de instrumentos de alguma agenda de poder sem querer, podemos estar contribuindo, com nossa indignação ou nossa denúncia, ou apenas nossasopiniões, para legitmar alguma estratégia que desconhecemos.Ou podemos simplesmente estar colaborando com a grande desconversa nacional, aque distrai a atenção enquanto a verdadeira história do País acontece em outra parte, longedos nossos olhos e indiferente à nossa crítica. Não somos relevantes, ou só somos relevantesquando somos cúmplices, conscientes ou inconscientes.Mas comecei falando da frustração literária de Napoleão Bonaparte e não toquei nasimplicações mais importantes do fato, pelo menos para o nosso amor próprio. Se Napoleãosó foi Napoleão porque não conseguiu ser escritor, então temos esta justificativa pronta parao nosso estranho ofício: cada escritor a mais no mundo corresponde a um Napoleão amenos. A literatura serve, ao menos, para isso: poupar o mundo de mais Napoleões. Masexiste a contrapartida: muitos Napoleões soltos pelo mundo, hoje, fariam melhor setivessem escrito os romances que queriam. O mundo, e certamente o Brasil, seriam outros se alguns Napoleões tivessem ficado com a literatura e esquecido o poder. E sempre teremos a oportunidade de, ao acompanhar a carreira de Napoleões, sub- Napoleões, pseudo-Napoleões ou outras variedades com poder sobre a nossa vida e o nosso bolso, nos consolarmos com o seguinte pensamento: eles são lamentáveis, certo, masimagine o que seria a sua literatura.Da série Poesia numa Hora Destas?!Deus não fez o homem, assim, de improviso em cima da divina coxa numa horavaga.Planejou o que faria com esmero e juízo (e isso sem contar com assessoria paga).Tudo foi pensado com exatidão antes mesmo do primeiro esboço, e foram anos deexperimentação até Deus dizer que estava pronto o moço.Mas acontece sempre, é sempre assim não seria diferente do que é agora.A melhor idéia apareceu no fim e dizem que o polegar Ele bolou na hora.
Luis Fernando Verissimo


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CONFÚCIO - As coisas em ordem


Os grandes antigos, quando queriam propagar altas virtudes, punham seus Estados em ordem.

Antes de porem seus Estados em ordem, punham em ordem suas famílias.

Antes de porem em ordem suas famílias, punham em ordem a si próprios.

E antes de porem em ordem a si próprios, aperfeiçoavam suas almas, procurando ser sinceros consigo mesmos e ampliavam ao máximo seus conhecimentos.

A ampliação dos conhecimentos decorre do conhecimento das coisas como elas são (e não como queremos que elas sejam).

Com o aperfeiçoamento da alma e o conhecimento das coisas, o homem se torna completo.

E quando o homem se torna completo, ele fica em ordem.

E quando o homem está em ordem, sua família também está em ordem.

E quando todos os Estados ficam em ordem, o mundo inteiro goza de paz e prosperidade.

Confúcio

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