terça-feira, 17 de dezembro de 2013

CLAUDIA PENTEADO - Nós e o tempo

Alice: - Quanto tempo dura o eterno?

Coelho: - Às vezes apenas um segundo.

(Lewis Carroll / Alice no País das Maravilhas)

Administrar o tempo é o grande paradoxo da nossa “modernidade líquida”, onde tudo é fluido e a vida parece escorrer pelos nossos dedos distraídos. Neste cenário levariam vantagem as mulheres, que costumam ser chamadas de “mulheres-polvo”, capazes de realizar várias tarefas de uma só vez. Mentira. Ou melhor, talvez uma meia-verdade. Tenho que admitir que somos mesmo capazes de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Mas o fato é que sofremos um bocado no processo. Fazemos coisas pela metade, às vezes mal-feitas, perdemos o foco do que realmente é importante e essencial, ficamos na superfície de muitas coisas, transformamos nossa rotina num verdadeiro caos – e consequentemente, nos tornamos caóticas nos nossos desejos, relacionamentos, no trabalho. Fazemos uma coisa já pensando na que vem a seguir ou na que ainda não deu tempo de fazer. Meditação? Quem tem “tempo” para isso?

Abracei a missão de fazer uma agenda semanal para mim mesma, como um exercício organizacional. A sugestão foi de uma amiga, com quem tive um longo papo sobre organização e prioridades. Achei graça na missão aparentemente simples: agenda semanal é algo que costumo fazer para a minha filha. Fazer isso pra mim – e por mim – não pareceu tão difícil, mas o fato é que já parto para a missão meio derrotada, achando que não vou conseguir cumprir tudo o que estará escrito. Chega a dar um certo friozinho na barriga a ideia de ter uma ROTINA. O que parecia simples torna-se, de repente, o maior desafio da minha vida.

Rascunhei algo que virá a ser o meu Planejamento de tempo semanal e fico animada com a ideia me tornar uma pessoa disciplinada e organizada. Volta e meia me pego pensando no que vou escrever e, claro, incorporar à minha “rotina” diária. Não posso correr o risco de pôr ali algo que não possa cumprir. Será que não deveria também definir o cardápio da semana? Lembrar de comer certos alimentos, tomar algumas vitaminas essenciais, minha geléia real pela manhã, o óleo de coco, o suco verde, em horários definidos e eternizados numa agenda de compromissos com a minha longevidade?

O resultado disso tudo é que me sinto realmente disposta a fazer o exercício de eleger o que é essencial e principalmente o que me é possível realizar com qualidade. Tomo a liberdade de alterar uma frase de Bismarck e afirmo, categoricamente, que a vida é a arte do possível. 

Reconhecer isso já ajuda as “mulheres-polvo” – como eu, claro – a perceberem que não se pode, mesmo, desejar realizar tantas coisas sem de fato ter os muitos braços do tal do polvo.

E humana que sou, mesmo diante do reconhecimento da inalcançável onipotência, sei que vez por outra terei, claro, recaídas. Como a que me fez, certa noite, ler Dostoievski para a minha filha de nove anos, pois precisava concluir a leitura de um livro para a minha pós-graduação, e desejava, também, botá-la para dormir. Resumo da ópera: ela adormeceu profundamente ouvindo frases como “um rancor terrível contra ela ferveu de chofre em meu coração; era capaz de matá-la ali mesmo, parecia-me. Para me vingar dela, jurei mentalmente não lhe dizer mais nenhuma palavra enquanto estivesse ali.” 

Não foi O Pequeno Nicolau, conforme combinado, mas isso pouco importou: minha presença a acalentou e a mulher-polvo foi dormir feliz, com a sensação de dever cumprido e a certeza de uma atuação brilhante. De vez em quando, a gente consegue.


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