quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

CORA RÓNAI - Lembranças antigas, discussões novas

Qualquer documento oficial no país é infinitamente
 mais complicado do que deveria ser

Em 1999, três rapazes americanos lançaram um serviço que foi, pelos três anos seguintes, uma das experiências mais lindas da internet. O Napster juntava, num só lugar, todos os usuários que gostavam de música. Ele servia como ponto de encontro universal; os arquivos, em MP3, continuavam nas máquinas dos usuários, que davam, uns aos outros, acesso às suas respectivas coleções. Graças a isso, descobri música do mundo inteiro, gêneros que não conhecia, cantores de que nunca tinha ouvido falar. A minha playlist se transformou numa Torre de Babel cantante, com faixas em urdu, telugu, malayalam, pashto, grego, khmer, yorubá, kechua e servo-croata. Havia até alguma coisa em inglês e francês. Em troca, ofereci muita música brasileira para os meus parceiros ao redor do mundo, muito Francisco Alves, muito Nelson Cavaquinho, muito Quinteto Armorial, e mesmo os que já tinham ouvido falar em MPB ficavam admirados, porque, na sua imaginação, os brasileiros passavam os dias na praia jogando futebol e ouvindo Bossa Nova, de preferência na voz do Sinatra.

Essa confraternização espetacular acabou três anos depois. Esse foi o tempo que a RIAA, a nefasta Recording Industry Association of America, levou para abater o Napster, num show de maldade, incompreensão e autodestruição poucas vezes igualado. Os processos movidos contra o Napster e usuários aleatoriamente pescados no sistema reuniram alguns dos melhores advogados dos Estados Unidos, e foram acompanhados, como se fossem novelas, por todos os jornalistas e observadores da área. Eu imprimia calhamaços de 200 páginas de argumentação legal que lia avidamente, roendo as unhas, angustiada com a má-fé de alguns argumentos, encantada com o bom senso de outros, maravilhada com a sabedoria de um ou outro (raro) juiz. Detalhe: apesar de inglês não ser a minha primeira língua, eu entendia absolutamente tudo o que estava em discussão, e o que eu não entendia — algumas expressões jurídicas, algumas referências à jurisprudência — encontrava imediatamente na rede.

A batalha do Napster me deu vontade de fazer Direito. A defesa brilhante de pontos de vista opostos me encantou num grau que eu jamais experimentara, porque todos os advogados eram muito bons — especialmente o time que se juntou em torno do Napster, e que entendia exatamente o que significava a falta de fronteiras nacionais oferecida pela internet e a sua importância para a cultura e a liberdade da Humanidade como um todo.

Em suma, era tudo muito bem pensado e, óbvio, muito bem escrito.

Era tudo muito, muito CLARO.


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