quarta-feira, 19 de outubro de 2011

ANA LUCIA ANAISSI - ENCAIXES

Gente, esse quadro me transporta numa velocidade inacreditável lá pra idos de 214, 213 a.C. quando eu, Achila, era uma escrava no palácio do rei Hierão, em Siracusa, na Magna Grécia. Eu de-tes-ta-va ser escrava com todas as minhas forças. Tinha ódio do rei, ódio da rainha, ódio dos outros nobres, dos outros escravos, dos passarinhos e das plantas. Enfim, era uma revoltada. E uma revoltada com imaginação pois vivia inventando mil maneiras pra escapar do serviço e deixar tudo nas costas das outras escravas (Que, diga-se de passagem, também eram revoltadas mas não tinham imaginação). Entre as minhas mentiras preferidas estavam:
-TPM – Três vezes por mês.
-Torcicolo – Quinze dias de um lado, quinze dias do outro. (Eu fazia uma encenaçãozinha perfeita, torcia o pescoço como uma coruja)
-Asma – Sempre aos domingos. ( Entrei tanto no personagem que acabei morrendo disso, sem ter).
- Peste estranha – Era a mais legal porque eu me agarrava em quem tivesse passando e começava a balbuciar com os olhos revirados e uma mão escorregadia e fria (Eu enfiava na massa de pão e deixava dois minutos).
Mas, de tanto ficar “doente”, a chefa dos escravos mandou que diminuíssem minha ração já que eu não trabalhava quase nada. Fiquei doente de verdade. Fiquei esquálida. Passei a ser conhecida na cidade como “Estegomia de Hierão” e o povo gritava sem dó toda vez que eu era levada pro médico amarrada no lombo de uma vaca. Tá certo que eu estava magra, mas respeito é bom e eu gosto. Bom, ofensas a parte, eu estava, agora, numa péssima situação. Todos os meus ataques mentirosos se transformaram em verdadeiros porque eu não tinha mais noção do que era uma raçãozinha quente. A vaca parava religiosamente em frente à uma casinha acanhada no meio do mato e me despejava em frente à porta do curandeiro da cidade que me botava pra dentro, fazia umas rezas, me dava uma sopa, e me mandava de volta assim que eu conseguia erguer os joelhos e caminhar. (Não precisava me erguer toda). Na volta, sem a vaca, eu ia caminhando e sempre parava, intrigada, na frente de uma casa onde eu sabia que morava um velho sábio chamado Arquimedes. Ficava intrigada porque o via a escrever na areia, apagar, escrever de novo e mais mil vezes até que ficasse satisfeito.
Um dia, acho que saí antes de esticar os DOIS joelhos e acabei caindo em frente ao portão da casa do sábio. Ele me viu de longe e entrou em casa. Quando eu já estava desistindo de contar com ele, eis que Arquimedes surge com algo parecido com uma máquina que era feita com cordas e roldanas. Arquimedes, o sábio matemático, apenas colocou o gancho da engenhoca no meu cinto e me içou com uma rodadinha de manivela, até o alto e me levou pra dentro de sua casa. (Tá certo que eu era magra mas um velhinho daqueles me levantar com a ponta do dedo rodando uma manivela, foi o máximo da humilhação). Quando me recuperei, contei toda minha história pra ele (resolvi me confessar) e ele chegou à conclusão que eu era a verdadeira “magra de ruim”. Ele achou que eu mereci o castigo mas mesmo assim resolveu me ajudar pedindo ao rei Hierão (Que era seu amigo) pra deixar eu ajudá-lo nos seus experimentos. Foi assim que descobri que o velho Arquimedes era o maior matemático de todos os tempos e que nas horas de folga inventava os artefatos mais originais da Grécia. Na verdade foi ele quem conseguiu por três anos impedir que os romanos invadissem Siracusa porque inventou catapultas, guindastes, disparadores de flechas e até conseguiu, com espelhos, queimar os navios romanos que já nem queriam ficar perto da cidade e estavam distantes. Muitíssimo agradecida por ele ter me içado das garras da fome, tive duas ocasiões para retribuir tamanha bondade. A primeira foi servir de testemunha de que meu amo não era louco embora tivesse saído nu pela cidade gritando Eureka, Eureka. (Seu juiz, ele só estava feliz por ter descoberto a Hidrostática!) e também quando o rei Hierão pediu que ele desse um jeito de colocar um gigantesco navio no mar pois ninguém tinha conseguido. Arquimedes, depois de fazer uma grandiosa obra de roldanas e cordas, pediu a mim (Acho que ele me escolheu porque ia ficar mais chocante devido ao meu físico quase imperceptível) que desse um pequeno puxão na corda que unia as roldanas, o que fez com que o navio deslizasse pomposamente para as águas. Sob aplausos ensurdecedores Arquimedes voltou tranquilamente para sua casa e continuou a fazer as coisas que ele achava mais sérias que esses brinquedinhos do rei. Me lembro como se fosse hoje de Arquimedes resmungando: “Ora, um simples navio; Deem-me um ponto de apoio e levantarei o mundo!”
*****
Arquimedes morreu em 212 a.C. na invasão de Siracusa pelos romanos. Matemático, físico e inventor grego, além de inúmeros inventos (Parafuso de Arquimedes, alavancas, etc...) Cícero fez um registro de que Arquimedes também fez um pequeno planetário. Suas valiosíssimas obras deixadas são, entre outras:
- Da esfera e do Cilindro
- Das Espirais
- Da Medida do Círculo
- Do Equilíbrio dos Planos

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