terça-feira, 31 de janeiro de 2012

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - Estragou a televisão

― Iiiih...
― E agora?
― Vamos ter que conversar.
― Vamos ter que o que?
― Conversar. É quando um fala com o outro.
― Fala o que?
 ― Qualquer coisa. Bobagem.
― Perder tempo com bobagem?
― E a televisão o que é?
― Sim, mas aí é a bobagem dos outros. A gente só assiste. Um falar com o outro,assim, ao vivo... Sei não...
― Vamos ter que improvisar nossa própria bobagem.
― Então começa você.
― Gostei do seu cabelo assim.
― Ele está assim há meses, Eduardo. Você é que não tinha...
― Geraldo.― Hein?― Geraldo. Meu nome não é Eduardo, é Geraldo.
― Desde quando?
― Desde o batismo.
― Espera um pouquinho. O homem com quem eu casei se chamava Eduardo.
― Eu me chamo Geraldo, Maria Ester.
― Geraldo Maria Ester?!
― Não, só Geraldo. Maria Ester é o seu nome.
― Não é não.
― Como, não é não?
― Meu nome é Valdusa.
― Você enlouqueceu, Maria Ester?
― Por amor de Deus, Eduardo...
― Geraldo.
― Por amor de Deus, meu nome sempre foi Valdusa. Dusinha, você não se lembra?
― Eu nunca conheci nenhuma Valdusa. Como é que eu posso estar casado com uma mulher que eu nunca... Espera. Valdusa. Não era a mulher do, do... Um de bigode.
― Eduardo.
― Eduardo!― Exatamente. Eduardo. Você.
― Meu nome é Geraldo, Maria Ester.
― Valdusa. E, pensando bem, que fim levou o seu bigode?
― Eu nunca usei bigode!
― Você é que está querendo me enlouquecer, Eduardo.
― Calma. Vamos com calma.
― Se isto for alguma brincadeira sua...
― Um de nós está maluco. Isso é certo.
― Vamos recapitular. Quando foi que nós casamos?
― Foi no dia, no dia...
― Arrá! Está aí. Você sempre esqueceu o dia do nosso casamento. Prova de quev ocê é o Eduardo e a maluca não sou eu.
― E o bigode? Como é que você explica o bigode?
― Fácil. Você raspou.
― Eu nunca tive bigode, Maria Ester!
― Valdusa!
― Está bom. Calma. Vamos tentar ser racionais. Digamos que o seu nome sejamesmo Valdusa. Você conhece alguma Maria Ester?
― Deixa eu pensar. Maria Ester... 
Nós não tivemos uma vizinha chamada MariaEster?
― A única vizinha que eu me lembro é a tal de Valdusa.
― Maria Ester. Claro. Agora me lembrei. E o nome do marido dela era... Jesus!― O marido se chamava Jesus?
― Não. O marido se chamava Geraldo.
― Geraldo...
― É.
― Era eu. Ainda sou eu.
― Parece...
― Como foi que isso aconteceu?
― As casas geminadas, lembra?
― A rotina de todos os dias...
― Marido chega em casa cansado, marido e mulher mal se olham...
― Um dia marido cansado erra de porta, mulher nem nota...
― Há quanto tempo vocês se mudaram daqui?
― Nós nunca nos mudamos. Você e o Eduardo é que se mudaram.
― Eu e o Eduardo, não. A Maria Ester e o Eduardo.
― É mesmo...
― Será que eles já se deram conta?
― Só se a televisão deles também quebrou.

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Um comentário:

  1. Magnifico texto... uito pertinente e verosímil nos dias de hoje e sempre cada vez mais...
    Grande Luis Fernando Veríssimo!
    Anna D'Castro

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