quarta-feira, 24 de julho de 2013

LUIZ PAULO HORTA - O que é ser Papa?

A Jornada Mundial da Juventude espalha pela cidade uma eletricidade que é tudo de bom e de belo. Que experiência, ver a garotada pelas ruas do Rio com suas bandeiras e mochilas (algumas enormes), disposta a andar, a cantar, a confraternizar! Se o mundo fosse sempre assim ...

A chegada do Papa deu algumas voltas extras nesse parafuso. Tente imaginar alguma personalidade contemporânea sendo recebida como foi o Papa Francisco na segunda-feira. Duvido que você consiga achar.

De onde vem essa energia? Há o fenômeno religioso, talvez a maior de todas as paixões humanas. Mas, será só isso? Desde a renúncia de Bento XVI, esse fenômeno tem mobilizado, de maneira surpreendente, pessoas que não têm ligação direta, ou mesmo indireta, com a religião.

Há mistérios no Vaticano, muito além do alcance de um Dan Brown. Há uma tradição forte dizendo que naquela colina foi martirizado o primeiro Papa, e que uma primeira igreja teria sido construída, ali, sobre a própria sepultura de São Pedro. Há as palavras solenes do Cristo: “Pedro, tu me amas? Apascenta as minhas ovelhas”.

São Pedro fez o que pôde para cumprir sua missão. Depois, veio uma série de Papas de que sabemos muito pouco — Lino, Cleto, Clemente. Esses primeiros Papas eram os bispos de Roma (e é assim que gosta de se chamar o atual Francisco). Fora dos muros da cidade, tinham uma influência apenas relativa, como se vê pelo concílio de Nicéia, ano 300, crucial para a igreja primitiva, em que a presença de um legado pontifício passou quase desapercebida.

Depois, houve de tudo. Houve os grandes Papas da Roma antiga — São Leão, São Gregório —, houve os Papas posteriores a Carlos Magno, cujas histórias nos cobrem de vergonha (aquilo ainda era a Igreja de Cristo?), houve os pontífices majestosos da Alta Idade Média, os Papas corruptos da Renascença, contra os quais se rebelou Lutero, e por aí vai.

O que sobra dessa cavalgada histórica? Um mistério. Alguns Papas foram grandes personalidades, às vezes, até, santos. Outros foram medíocres, como os Papas do século XVIII (um deles, por pressão da França, decretou o fim da Companhia de Jesus). Mas cada um deles, de algum modo, sabia o que se esperava deles.

Conversando, uma vez, com dom Eugenio Sales, ele me disse que, estudando documentos pontifícios referentes à fundação do Brasil, encontrou textos do terrível Papa Borgia, Alexandre VI, pessoa sabidamente corrupta. Mas, disse dom Eugenio, quando tinha de falar como Papa, a voz (ou o texto) era de Papa.

A Igreja também se envolveu em mil confusões por causa de problemas políticos — como a existência dos Estados pontifícios. Durante séculos, o Papa era um chefe de estado com direito a território, a burocracia, a forças militares. Julio II, na Renascença, chegou a comandar tropas envergando armadura cintilante. Equívoco total, que terminou no século XIX com a emancipação da Itália. O Vaticano, hoje, é um Estado minúsculo. Mesmo assim, reporta-se ao Papa uma organização gigantesca, interferindo na vida de um bilhão de pessoas.

O Papa precisa de ajuda. Ele poderá pôr em prática um dos lemas do Vaticano II — a colegialidade, significando que o Papa, no fundo, é um bispo entre outros bispos, ainda que com prerrogativas especiais.

Essa prerrogativa é o mistério católico propriamente dito: um ponto de referência doutrinário, que o Papa divide com os concílios.

Desde a Renascença, católicos e protestantes tomaram caminhos divergentes. Os protestantes pregam o “livre exame”: cada cristão tem o direito de abrir a Bíblia e extrair, dali, as conclusões que quiser. Sem Papas, sem bispos, sem hierarquias. Também por esse caminho se pode ser cristão, e na literatura protestante há textos (e exemplos) da mais alta espiritualidade.

O católico tem um olho em Roma. E sabe que, quando o Papa fala, não está falando por si mesmo. É como se, de geração em geração, fosse passada adiante a experiência de fé da Igreja primitiva, das pessoas que conheceram o Cristo e que, quando necessário, deram a vida em nome do que acreditavam.

É como se, pelas mãos do Papa, corressem os fios inumeráveis dessas histórias. Dessa transmissão viveram os santos. Por ela é responsável o bispo de Roma, que hoje se chama Francisco.


 
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