segunda-feira, 8 de julho de 2013

THALITA REBOUÇAS - A cigana (não) leu o meu destino

Lá pelos meus 19, 20 anos, eu era louca para saber detalhes do meu futuro. E fazia de tudo para isso. Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante. E astrólogo, tarólogo, numerólogo. O tempo passou, as previsões não aconteceram e jurei para mim mesma que nunca mais iria a um adivinho.

Nunca mais durou até o mês passado, quando me rendi à curiosidade depois de ouvir maravilhas sobre uma tal cigana do Humaitá. Cigana para os não-iniciados — ela realmente não gosta de ser chamada assim. Prefere se apresentar como quiromante. Quis saber a diferença, já que ambos fazem a leitura da mão.

- Cigana é cigana, quiromante é quiromante – tentou explicar, no dia que fui ao seu…vamos chamar de… escritório.

Tenho um estilo que flerta com uma espécie de patricice despretensiosa e uma peruice comedida (se é que existe uma perua comedida. Existe. Eu sou assim às vezes. Sou sim, pronto, falei). Também ataco de periguete elegante (sim, isso também existe) em alguns momentos, com shortinho, blusinha larga e sapatilha. No dia da… hum… consulta,  resolvi me vestir como jamais me vestiria. A intenção era que a leitora de mãos não “lesse” minha personalidade através da minha aparência.

Peguei emprestado de uma amiga um brincão desses de feirinha, arrumei uma sandália de dedos de couro com outra, comprei uma bolsa de franjas bem baratinha, vesti uma saia comprida vagabunda, combinei com uma blusa tie-dye e, com o cabelo desgrenhado, óculos escuros redondos e zero maquiagem, parti rumo ao futuro.

- Juraly vê paz – foi a primeira coisa que ela disse ao olhar para a minha mão. – Você tem muita paz, sabe?

- Sei. Eu sou a paz – reagi, tentando ser engraçadinha. –  Mas quem é Juraly? Uma entidade que está perto de você dizendo coisas sobre mim?

- Juraly não trabalha com entidades. Juraly não é macumbeira. Juraly não terceiriza. Juraly sou eu. E você não é a paz, você tem paz. É diferente, sabe?

Uia! Juraly falava na terceira pessoa. E Thalita se irrita profundamente com quem fala na terceira pessoa.

- Paz é Buda, cachoeira, hare-krishna, terra batida, biscoito recheado, sabe?

- S-sei…

- Peixe.

- Hum… Elefante!

Tentei, embarcando no que achei que era um jogo de adivinhação de animais.

- Não, menina! Juraly vê peixe! Peixe!

- Onde?

- Na sua mão!

- Por quê? Nem tenho peixe! Não gosto de bicho preso.

- Não tem peixe mas mora perto de onde tem, sabe?

Que frase ridícula. Estávamos na Zona Sul do Rio, de onde provavelmente vinha a maior parte de sua clientela. E Zona Sul é perto do mar. E mar tem peixe. Mas tudo bem. Ela seguiu em frente.

- Tenho certeza de que sua casa tem peixe perto. E peixe é bom, peixe é sorte, sabe? Você é uma pessoa de sorte, sabe? A sorte te acompanha sempre, sabe?

Ah, era isso que ela estava tentando me dizer, sabe?  Resolvi dar corda.

- Falando em peixe, queria saber da minha tartaruguinha, a Telúrica… Ando preocupada com ela.

- Fique tranquila. A tartaruga não vai morrer. É só uma doença passageira.

A única tartaruguinha que tive morreu há muito tempo. E por minha culpa. Eu mesma assassinei a coitada quando tinha uns oito anos. E se chamava Adamastor, não Telúrica. Joguei a pobrezinha do décimo andar na esperança de, como nos desenhos animados, sair correndo pelas escadas e resgatá-la antes de ela se esborrachar no chão. Fui impedida pelos meus avós de sair do apartamento. Ela morreu atrapalhando o tráfego e eu chorei por dias. Depois ganhei um pinto. Que também morreu. Eu não matei. A minha avó matou. Mas essa é outra história.

- Sua relação com bichos é muito bonita.

- Eu não tenho nenhuma relação com bichos.

- Tem sim. Tanto que sua beleza lembra a de um bicho.

- Que bicho? – perguntei, entre curiosa e irritada.

- Uma rã. Juraly está aqui olhando pra você e pensando: rã.

Tá de saca, né?, eu quis dizer. Não disse.

- Juraly está vendo você num sítio lotado de crianças. Você trabalha em uma creche?

- Não. Trabalho sozinha, mas para adolescentes – respondi, dando uma chance a ela.

- Então vai trabalhar cercada de crianças num lugar verde e distante de tudo. Seu futuro é esse.

- Creche? Crianças? Sítio? Não! E meus adolescentes? O meu trabalho com eles?

- Esquece. Não vai te levar a lugar nenhum, sabe?

Fiquei quieta. E muito injuriada  por saber que aquelazinha ia levar meu dinheiro sem merecimento nenhum.

- Palhaço – disse Juraly, séria.

- Circo?

- Pa-lha-ço!

- Meu Deus, como você é enigmática!

- O seu próximo namorado vai ser um palhaço. Não vai durar mais que cinco semanas, sabe?

- Um palhaço de verdade, um sujeito engraçado ou um mané?

- Um mané – ela optou, afinal a probabilidade era muito maior.

- Eu sou casada – contei, vitoriosa ao ver que ela caiu no golpe da mão sem aliança.

- Por enquanto – escapou. – O palhaço vai tentar te tirar do seu marido, tá muito claro aqui, sabe?

Sei, sei, sua espertinha…

- O seu casamento não está bem, sabe?

- Não está bem, está ótimo.

- Recém-casada acha sempre isso.

- Sou casada há 15 anos.

- No coração, não na mente. Na mente, você está com ele há 179 dias. O seu príncipe vai aparecer. Dono de restaurante natural em Sana.

Olha a cigana lendo minha roupa!

- Você está vendo tudo isso na minha mão?! – questionei, espantada com tamanha cara de pau.

- Juraly tá sentindo, sabe? Juraly lê mão e sente energias. Você tem muitas energias.

Energias? No plural? Ah, para, vai!

- Juraly vê uma viagem.

Até que enfim! Um adivinho que não fala em viagem não merece o título de adivinho.

- Não vou viajar tão cedo.

- Vai sim! Viagem longa. Índia. Autoconhecimento. Vaca.

- Xingamento também não! Vaca é a…

- Vaca é um animal sagrado na Índia. Vaca, paz, luz, curry. Juraly vê tudo isso na viagem. Xiii…

- O que foi? Vou passar mal com tanto curry? – perguntei, debochada.

- Não. As energias pararam de fluir. A vela até apagou, ó!

- Foi o vento.

- Vento nada. Foi o seu ceticismo. Se não acredita em quiromancia por que vem na quiromante?

- Porque ouvi falar bem de você.

- Claro, Juraly é ótima. Mas vamos terminar por aqui.

- Mas disseram que você fica pelo menos uma hora com cada pessoa. Não estou nem há 15 minutos aqui – estrilei.

Ela deu de ombros.

- Juraly vai me dar um desconto, então, né? – arrisquei.

- Juraly não trabalha com descontos.

- Ah, claro. Esse futuro eu já estava prevendo.

- Juraly vai te dar uma chance: se você arrumar três amigos pra Juraly, Juraly te atende de graça da próxima vez.

- Juraly acha mesmo que vai ter uma próxima vez?

- Juraly tem certeza.

- Quer saber? Juraly não entende nada de futuro. Nada!

Quando entrei no carro nem precisei de adivinhos. Sabia o que viria pela frente: um engarrafamento gigante até a Barra e a certeza de que eu não iria a ciganas e afins nunca mais. Nunca mais mesmo.

Ou pelo menos até alguma amiga me contar que foi a um vidente fe-no-me-nal.

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