A falência do ensino público causou-nos um estrago tão grande
que vamos precisar de tempo para recuperar a palavra
A frase, entretanto, continua comigo, exigindo ser usada quanto antes e, convenhamos, construir uma crônica ao redor dela me parece uma tarefa mais simples do que colocá-la na boca de alguma personagem que, para entrar em cena e dizer eu lembro que por toda parte floresciam os abricós-de-macaco...vai-me exigir um equilíbrio delicado, já que trata-se de uma espécie amazônica e, se florescem por toda parte, eu acredito que a comédia, ou drama, deva se passar no Norte. Ou talvez ela pudesse ser dita numa cena de adeus, filmada naquela minha enseada da infância, com a luz perfeita que havia então. A personagem estenderia o olhar acompanhando a curva sinuosa da praia e diria: eu lembro que por toda parte floresciam os abricós-de-macaco. Não. Pensando bem, ela vai ser usada numa crônica. Uma crônica da memória, já que a imagem vem do passado, e também uma crônica de verão, já que é nesta estação que a árvore floresce com mais luxúria. Uma crônica da Guanabara, eu decido:
Eu estudava no Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na rua Pio Dutra, na Ilha do Governador, com aquele uniforme de então, camisa cáqui, calça azul e o escudo costurado no bolso, com os golfinhos da insígnia em baixo relevo. Um colégio que tinha sido modelo do Estado da Guanabara, vale a pena acrescentar. Tínhamos um excelente ensino. E então vieram os anos 70 e a educação pública brasileira começou a ruir, sem que ninguém mexesse um dedo para deter o estrago que se fazia na população. Junto com o resto da nação, a classe média carioca, que sempre colocou os filhos nos bons colégios que o Estado oferecia (porque é assim que deve ser), começou a fazer das tripas coração para pagar as escolas particulares, na tentativa de dar uma formação decente à prole, pois é esse o desejo de todo pai e toda mãe do planeta. Dar à cria uma chance de sobrevivência, enfim. A falência do ensino público causou-nos um estrago tão grande que, mesmo que se tome alguma iniciativa eficaz neste sentido, ainda vamos precisar de muito tempo para recuperar a palavra e seus tantos sentidos.
Acredito que nossa presidente conhece a importância da educação na vida dos povos e certamente tomará medidas que deem oportunidades iguais a todos, tal qual tínhamos num passado não tão remoto, quando floresciam por toda parte os abricós-de-macaco, guardados intactos nos arquivos de um jovem escritor.
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Sou morador a Ilha há 40 anos e apesar de estudar em um colégio particular, tinhamos a referência do Mendes de Moraes como escola de excelente ensino e tenho uma amiga que foi professora de lá e até hoje ela fala com orgulho do período citado no texto acima e tão bem exposto por Miguel. Pena que chegamos a esta triste realidade do ensino não só no Rio de Janeiro como em todo o país.
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