sábado, 8 de fevereiro de 2014

FREUD E AS ESTRADAS PARA O CÉREBRO - Gláucia Leal

A aproximação entre neurociência e psicanálise ainda enfrenta resistência. 
É a um dos textos menos lidos de Freud que Benilton Bezerra Jr. 
recorre para tratar do laço entre esses campos de conhecimento


Quando se fala de Sigmund Freud e a obra revolucionária que produziu, é comum que muitas vezes se deixe de lado um fato importante: sua formação como neurologista e as influências inevitáveis disso. Na primeira metade do século 20, as ideias de Freud dominaram as explicações sobre o funcionamento da mente. Seu texto Projeto para uma psicologia científica, concebido entre abril de outubro de 1895, é uma prova disso. O trabalho remete o leitor às raízes neurocientíficas da psicanálise. Embora ainda hoje ascendência, reconhecidamente, cause algum desconforto aos mais ortodoxos adeptos da terapia da palavra, cabe lembrar que Freud com alguma frequência aludia ao fato de que “deficiências de nossa descrição provavelmente desapareceriam se já pudéssemos substituir os termos psicológicos por termos fisiológicos e químicos”.

No recém-lançado Projeto para uma psicologia científica: Freud e as neurociências, o psiquiatra e psicanalista Benilton Bezerra Jr. aponta de forma didática duas questões importantes sobre o texto. A primeira está centrada na proposta de estabelecer uma teoria do funcionamento psíquico, com base em um ponto de vista quantitativo, que oferece uma espécie de economia mental. A segunda se refere à busca de encontrar, a partir da psicopatologia, a compreensão da vida psicológica saudável ou “normal”. Em seu trabalho, Benilton apresenta questões da ciência que intrigavam Freud e o motivavam a refletir e a procurar respostas. Passado mais de um século, esses impasses relativos aos engendramentos da mente e do corpo continuam presentes e vivos.

Este texto é certamente um dos menos lidos da obra de Freud, embora seja muito citado, mas hoje é a porta de entrada para a discussão acerca das relações entre psicanálise e neurociências”, observa o autor, professor do Instituto de Medicina Social e pesquisador do Programa de Estudos e Pesquisas da Ação e do Sujeito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Justamente por isso Benilton escolheu acrescentar ao título da obra original “Freud e as neurociências” – e dedicou boa parte de seu livro ao debate – tão atual – entre adeptos e críticos dessa aproximação. “Procurei situar o Projeto em seu contexto de nascimento, tanto no horizonte epistemológico da época, quanto na trajetória pessoal de Freud, para depois apresentar, do modo mais palatável para o público amplo, as principais teses da obra”, conta.

Seguindo essa linha, ele aborda, por exemplo, o impacto das ciências biológicas na reordenação radical do tradicional antagonismo entre naturalismo e antinaturalismo, o que o leva a argumentar em prol da “desmontagem da oposição pura e simples” entre aspectos biológicos e existenciais, psíquicos e neurais, naturais e culturais, em favor de interlocuções entre psicanálise e neurociência.

Obviamente, nem todos concordam com a abertura desse canal de diálogo. Muitos neurocientistas resistem à aproximação de ideias psicanalíticas. Nas palavras do psiquiatra J. Allan Hobson, professor da Faculdade de Medicina de Harvard, por exemplo, o recente interesse por Freud no meio científico pode ser traduzido como uma “inútil readaptação de dados modernos a parâmetros teóricos antiquados”. No entanto, para os neurocientistas que se arriscam neste caminho instigante, entusiasmados com a possibilidade de “reconciliação” entre neurologia e psicanálise, já não se trata de provar se Freud estava certo ou errado, mas sim de reconhecer que cada vez mais campos de conhecimento, em constante transformação, se entrelaçam e assim – mais permeáveis e flexíveis – se fortalecem.
Revista Mente e Cérebro


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