segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

CLAUDIA PENTEADO - Nove anos e as coisas simples

Complicar:arrevesar, dificultar, difícil, emaranhar, 
embaraçado, embaraçar, embrulhar, encrencar, enlaçar, enrascar, 
enredado, enredar, envolver, implicar e intricar.

A vida pode ser incrivelmente complicada. A convivência com a minha filha de nove anos me mostra que, realmente, sem medo do clichê, nós adultos temos a arte de complicar. E de tornar tudo incrivelmente massante e chato. Incluir o lúdico no dia a dia é algo que desaprendemos ao longo da vida. Eu simplesmente desaprendi. Volta e meia me deparo com a possibilidade de reencontrar este canal – e como funciona!

Meu marido frequentemente consegue transformar a hora de comer, por exemplo, numa grande brincadeira. E, entre jogos de adivinhação e outras brincadeiras, as garfadas vão sendo dadas e a comida some do prato da pequena sem que eu tenha que proferir qualquer ameaça. Meu lado germânico condena a prática, pois afinal de contas a vida não é uma grande brincadeira. O mundo real é cruel e desumano e temos que preparar nossos filhos para a vida com os pés bem fincados no chão!

Mas o fato inserir o lúdico no cotidiano é muito mais uma maneira mais leve de levar a vida – real, sim – do que fugir dela. É encará-la de frente com mais sabedoria. Menos chatice. Quando minha filha crescer, certamente terá impressos na mente os momentos gostosos que viveu ao redor da mesa com a família e tirará maior proveito disso do que dos dias em que teve de comer ao som da mãe ou da babá argumentando o quanto comer faz bem para a saúde, ou diante de alguma ameaça grave como a proibição iminente de usar o computador caso o prato não seja esvaziado a contento.

São atos de amor, afinal de contas, e eu me lembro bem de inúmeras vezes em que tive que comer sem vontade, para agradar a uma mãe ansiosa porque eu estava magra demais ou porque poderia ficar doente. Mas não posso negar que bom mesmo eram os cafés da manhã de Domingo, tantas vezes ao som de Mozart e quando o ato de comer mais parecia uma grande celebração da vida.

O prazer à mesa é certamente algo que desenvolvi com o tempo graças a rituais lúdicos frequentemente criados pelo meu pai, um grande apreciador da comida, capaz de transformá-la em algo memorável. O distanciamento eventual da massacrante rotina de tarefas que temos que cumprir – dentro da qual alimentar os filhos acaba entrando no hall de obrigações cotidianas – permite abrir os olhos para novas maneiras de fazer as mesmíssimas coisas. Acho que vale à pena dar-se a chance de tentar.

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