quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

MIGUEL FALABELLA – Mãe

 Tenho recebido mensagens que me encantam.  Os leitores encharcam suas palavras de poesia, de modo que abrir a caixa postal tem sido uma tarefa gratificante, geralmente já de madrugada, quando a cidade está embalada pelos sonhos. Crie um código, fale uma língua e acabam lhe pagando na mesma moeda. Uma irmandade secreta vai se formando nos corações - eu venho aprendendo a lição, nesses meus anos de coluna. Os bandos vão se agrupando, as escolhas vão sendo feitas - a alma escolhe a própria sociedade e depois fecha a porta, já dizia Miss Dickinson, trancada em seu quarto, nos invernos de Amherst.

Tudo isso foi para dizer que eu tenho orgulho de estar reunido a um bando tão talentoso e inspirado! Muito obrigado a todos pelos afetos, palavras, carinhos, amores e esperanças que vocês têm me enviado. Fiquei me banhando no mar de coisa bonita que derramava no meu escritório através das fibras óticas. Muito, muito bom. E quando eu digo bom, não quero dizer elogiosos, mas bem escritos, generosos, poesia do cotidiano, ar renovado, gente que olha para gente – olhares múltiplos sobre um mesmo tema. Os corações urbanos, perdidos no meio do concreto, estabelecendo contato. Gosto muito disso, com certeza.

Estou imprimindo todos e guardando. Desculpem a falta de tempo para responder, mas não acho graça em mandar uma mensagem padrão, porque cada discurso é próprio e tem sua beleza particular. Cada um de nós recebeu sua cota de dons, sejam eles quais forem. Assim sendo, vou tentando driblar o tempo e respondo um aqui, um ali, mas da forma correta.  Indivíduos. Mentes e corações.

O amor, é claro, muda o íntimo de forma irrecuperável. Fiquei numa alegria boa, um sorriso grudado no rosto. Felicidade deveria ser o natural da gente e é bom visitá-la, ainda que de vez em quando. O amor das gentes, que me chegou pela tela do computador, na cadência ritmada da impressora, foi se multiplicando e alterou o meu estado. Por isso, resolvi escrever logo a crônica, que começa agora e que justifica o título:

Tenho sentido saudades de minha mãe, ultimamente. Tenho pensado nela. Tenho nostalgia do perfume daqueles abraços, que foram únicos e inesquecíveis. O braço que pousa sobre o ombro com a graça do amor.

Tenho pensado em mãe, nesses dias que correm. E de saudade em saudade, chego nela, a maior de todas, a bem aventurada Maria, mãe do senhor Jesus - toda a doçura e amor do universo.

Tenho pensado nela, porque um amigo me contou que foi a um suposto encontro religioso e, lá, escutou o seguinte comentário da anfitriã, explicando o seu credo.

- Nossa Senhora não rola!

Enganou-se a mulher. Ela vem rolando pelos céus das nossas consciências desde sempre. Vem rogando por nós e trabalhando pelos nossos corações há tempos imemoriais!

Fiquei triste com o comentário. Fiquei agoniado mesmo, não consegui parar de pensar naquilo, assustado com a violência daquele credo. Estarrecido com o pouco nível de entendimento e o mar de desesperança que há nessas almas. Porque negá-la é negar o amor em toda a sua expressão maior. E eu não procuro outra coisa a não ser entender um pouco o amor dessas gentes.

A história me deixou tão perturbado, que passei o dia falando no assunto, buscando as lembranças dos mantos, dos andores e dos círios nas mãos dos crentes. Revisitei Nova Jerusalém, os olhos intensos de Diva Pacheco, os olhos molhados de Patrícia Pillar com o senhor morto nos braços. Todas as nossas senhoras visitei - as células de amorosa energia que cruzam nossos caminhos, para o alento e o conforto.

Daí, domingo, fui almoçar com Elba Ramalho e ficamos falando dela a tarde toda. Passei o dia com aqueles olhos doces sobre mim, enchendo meu peito de um sentimento sereno, buscando na memória as devoções familiares, as orações cheias de fé, os olhos febris dos êxtases cotidianos.

Nossa Senhora rola muito mais do que podemos supor, muito além desse pequeno conhecimento que amealhamos na passagem. Ela segue nossa trajetória acima das igrejas, templos e seitas.  Voa livre muito acima dos ouros, imagens e poder. Um plano de consciência tão superior que só podemos mesmo respirar fundo e aceitar o fato de que estamos no início da jornada.    

Tudo o que quero é dormir nos braços de Maria. Quero me aninhar no seu peito de amor infinito. Todo o mel do universo, toda a doçura e todo o tempo, que não conseguimos entender, porque primeiro vem o amor, de todas as formas e de qualquer maneira. E, como ainda não conseguimos avançar muito no seu entendimento, explica-se o atraso na viagem.

Quero, enfim, mergulhar nas águas do feminino, nas lágrimas dos teus olhos, na bondade da tua chama. Quero os olhos doces nos meus, maravilhado com a grandeza do perdão, que é outro aprendizado penoso.

Nossa Senhora rola. Roga por nós. Se um filho lhe foi tirado, em troca recebeu todos os filhos da terra. É daquele peito incendiado de amor materno que jorra o sentimento que ainda existe no planeta.

Salve, Rainha!

Um comentário:

  1. Saudades das colunas que você escrevia no O Globo, guardei as tiras do jornal, mas amarelaram e não consegui preservar.

    ResponderExcluir